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LARI FRANCESCHETTO

 

Poeta e jornalista gaúcho, nascido em 1965, premiado em muitos concursos literários por todo o país.  Participa da antologia  O Pescador de Diamantes, da Academia de Letras e Artes de Araguari, MG, da Minas Editora. Vive em Veranópolis, RS, Brasil.  

 

QUINTANARES

 

O pão para a fome

(a outra fome)

Nasceu de lua in(esperada),

da solidão nas esquinas,

de um felino na varanda.

Nasceu de lâmina cálida

como, sempre, foi acesa

no hotel Majestic, a madrugada.

Dessa matéria in(visível)

de silêncio que não cala

de sapato velho de criança,

de frágeis flores

entre sal e pedras,

de um copo d´água, às pressas,

na Selva, às seis da tarde

são teus filhos, sempre, aurora

no espelho das águas do Guaíba

e o pôr-do-sol, do mesmo rio,

o fogo das pa(lavras).

E se Alegrete é um trem

que ficou na curva da estrada

agora, somos, Quintana

que tomamos café com teus fantasmas.

 

Há um louva-a-deus

no parapeito da janela,

indisfarçavelmente verde.

É preciso ver

com  os olhos da alma

e ter fome, sempre! 

 

 

LIBÉLULA

 

Leio suas asas leves

nas narinas das favelas

no lustre dos palácios,

no vôo dos sete anos.

Sinto sua asas soltas

no blues dos cegos

no jeans de quarenta e quatro maios,

no olhar dos góticos

Seu corpo é estranho-exótico

porque estranho é o mundo,

belo ao nascer desejos

nas ruas de luas cheias

e no amor da mão no berço.

Se a morte não tem graça

(profundo pesadelo

que as asas corta)

vôo maior, aceso, é a vida

fogo invisível

que a Noite não apaga. 

 

 

PROCESSO

 

Rua de ausentes passos

revelam no andar as sementes.

Semeio in(acabados) versos

caminhando sobre cacos de vidros,

de pés descalços

com a cabeça cheia de pássaros.

 

Rua de fe(ridas) antigas

o coração suporta, pulsa, pulsa

pousando nas mãos luas

e nos rios subterrâneos que a noite tece

o sacrossanto sangue se veste

de um fogo invisível

de um grito no escuro.

 

Procuro-me, então, no musgo

das pedras do dia

na relva depois da chuva

na amarga saliva da boca vadia.

E embevecido, calo-me:

Nasceu mais um filho

que tem nome Poema! 

 

 

 

 

FRANCESCHETTO, LariEspelho das águas.  Porto Alegre: Est Edições, 2008.  176 p.  Col. A.M. 

 

Diamante

Escassa presença no presente
balizado de facas, de rochedo
estende-me a m
ão.
Sei da chuva, solidão.
Proteja-me.

Rara pandorga há
viajando céu cinzento
porque acredito
numa romã madura, clandestina
definir-te, por inteira, não consigo.
Quero-te, além de hoje, comigo
porque o amanhã assusta quase
e te preciso.

 

13-6-1996

 

Meu mundo

O sol é óbvio,
guardo-o no bolso.
Tenho é luas no corpo.
Todo dia, de mim,
partem barcos
e, nos confins de mim,
das coisas, a superfície
não me con(vence).
Tenho é ruas
que vão dar além,
é lá onde moro
meu jeito
meu consolo
longe do conceito
de certo ou incorreto. Ofereço-te um sonho
que não podes entender
(sempre inacabado);
senta-o apenas.

 

A chama que me arde
mora além dos olhos
que tu tens.

 

 

 

LITERATURA.  Revista do Escritor Brasileiro.  No. 28. Ano XIV – JAN/ ABRIL /  2005. Publicação semestral da       Editora Códice. Brasília, DF: 2005.   Diretor: Nilto Maciel.  ISBN 1518-5109  
                                            Ex. doação de ALEX COJORIAN

 

 

MUTAÇÃO

 

Eu era onda
na praia deserta,
agora sou marcas na areia
que as águas apagam.

Eu era ânsia
de quem tem sede
de pegar o trem que passa,
agora sou mágoa
de saber que o trem não volta.

Eu era o céu
que o mar abraça,
agora sou réu
por ser de areia.

Meu consolo
o mar sabe:
o sal das águas
as mãos sangram
sara.

***

Página ampliada em fevereiro de 2024.

 

 



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