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JUSTINO VASCONCELOS
(1922 – 2014)
(Erechim, 1922) Advogado, reside em Porto Alegre.
Livros publicados: Das firmas e denominações comerciais (Rev. For. 1958; No último tempo (novela, Civ. Bras. 1964); Desenvolvimento com democracia (ensaio, OAB—RS, 1974); Sucata (poesia. Edif. Sulina, 1983) Regresso (poesia).
Da Academia Rio grandense de Letras.
REVISTA DA ACADEMIA BRASILIENSE DE LETRAS. Direção: Antonio Carlos Osorio. Brasília. No. 10 – Março 1991. Ex. bibl. Antonio Miranda
VELHA HISTÓRIA
O jogral, vindo cansado
de desventuras sem fim,
encontra a dama, extasiado,
e descanta ao bandolim.
Fala de anseios e dores,
de perfumes do jardim, d
e rosais e de mil cores,
tudo a implorar o seu "sim".
Ela, fria, inatingível,
absorta, em gesto triste,
sorri para longe, além....
Jogral, o amor impossível
não fenece: subsiste
no meu velho "gobelin".
(do livro Sucata.)
ESTRADINHA
Estrada ingênua da minha infância,
só estradinha,
tão estreitinha,
tão decidida
subindo à serra,
ânsias de altura, de estrelas, longes,
de sempre além!
Beirando escarpas,
ficou perdida
por entre as pedras,
névoas e sarças:
não chegou nunca,
nunca, a Belém.
Estrada inguênua da minha infância,
ficou perdida,
só,
dolorida. Fiquei também.
REGRESSO
Meu barco voltou,
o mastro quebrado,
o casco em escarnas,
cavernas abertas,
voltou.
As três amuradas
armadas de sonho,
sulcou sete mares
em busca de praias
nas raias da aurora,
nos rastros da lua,
nas ilhas do sul.
Meu barco voltou,
as velas rasgadas,
pesadas de sal.
E as arcas
refartas de nácar,
de nardo, de ouros, d
e prata e cristais,
onde ele as deixou?
E o lastro
de astros?
CIRANDINHA
(IV)
Tantas laranjas maduras,
tantos limões pelo chão.
Parti afoito à procura
pelos castelos de França,
pelas cortes de Castela;
ao mar levei minha andança,
às ilhas gregas, à Itália,
a mil saraus e batalhas,
no anseio de encontrar
princesa de loura trança.
Tantos sonhos esbanjei,
tantos, que nada restou,
nem de amor, nem de esperança:
as laranjas eram de ouro
só nos tempos de criança.
Ácidos lábios beijei,
todos verdes, verdes, verdes,
menina da loura trança,
que comigo cirandavas
as promessas da canção.
Tanta laranja madura...
E os limões se derramando
dentro do meu coração.
A GLÓRIA
Vitória Vitória
As tropas em apoteose,
parada de gala,
estandartes,
fanfarras,
aplausos
e salva de artilharia,
metais em alarde,
em lascas de sol.
E cânticos, falas,
e safra de palmas,
medalhas, crachás, alamares,
palácios,
estátuas
nas salas e átrios,
nas praças e parques.
A glória é só isso:
é vozes e vestes,
é gestos e cores.
A glória é só isso:
ruídos,
escória
que o vento varreu da memória.
ENDECHA
Há um canto triste
que vem do mar.
São as estrelas?
Será o luar?
Há um canto triste
na preamar.
São marinheiros
longe do lar?
Há um canto triste
a se espraiar.
Serão sereias
a relembrar?
Há um canto triste
que faz chorar:
são velhos sonhos
a naufragar.
Página publicada em julho de 2019 |