JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA
Nasceu em Porto Alegre em 1951. Publicou dezenas de artigos e crônicas em jornais e revistas do Brasil e do exterior. Tem publicados os livros de poemas, Lavra permanente, Cidade submersa, A porta do sol, Piano arcano, e A urna Guarani; seus livros de contos são: O atleta recordista, A orelha do bugre, A terra sem males, e Os leões selvagens de Tanganica; recentemente saiu sua novela O reino de macambira.
Traduziu livros de Pablo Neruda, poetas latino-americanos e italianos.
Foi premiado em poesia, conto, teatro e tradução.
JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA : POEMAS EM PERUGIA, ITÁLIA. Ver em:
http://phonodia.unive.it/people/jose-eduardo-degrazia/#prettyPhoto
VEJA TAMBÉM:
A NITIDEZ DAS COISAS , segundo belos e DENSOS poemas de DEGRAZIA– por W. J. Solha - ENSAIOS
Traduções de poemas de JORDI VIRALONGA por JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA
Tradução do italiano para o português
por JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
F R A N Ç A I S
TEXTS IN ENGLISH - TEXTOS EM PORTUGUÊS
EN ITALIANO
Veja também o texto de W. J. Solha sobre a poesia de DEGRAZIA:
http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/a_nitidez_das_coisas.html
DEGRAZIA, José Eduardo. O Rio Eterno. Apresentação: Maria do Carmo Campos. São Paulo: Lumme Editor, 2020. 100 p. 14 x 21 cm. ISBN 978-65-00-05162-9. Ex. bibl. Antonio Miranda
"Seus poemas vão tecendo a sina e a saga de viajantes e de heróis,
aqueles que deixam seus rastros na história, nos mitos, na poesia.
Há sempre uma eterna viagem, constituída das culturas e das
civilizações, raiz das narrativa, âmago da poesia e da própria vida."
MARIA DO CARMO CAMPOS
PARA ONDE
São apenas palavras, mas tão sólidas
feito velhos muros de Babel, tijolos
uns sobre os outros para atingir o céu.
São círculos concêntricos
que se interpõem ao entendimento,
são mais matérias emersas, sargaços
de mar interior que feito lava
arremessa-se de um vulcão marinho.
Cão de espessa sombra, Cérbero
a ganir a sorte, sua corte e vício,
cicios de cobras no cio.
Mover-se fora de si o Ser
se o Uno de Parmênides não permite?
Feito flecha de Zenon no ar detida,
a vida amarga em si, imóvel.
Diógenes: só nos resta andar.
PARA ONDE
não importe, vale a pena viver, caminhar
seguindo apenas o instinto, um cão
volta para sua casa depois de perdido.
PARA ONDE
não importa, sigamos feito ciganos
ou beduínos, Reis Magos
à procura de indícios, o Cometa.
O FOGO
Dos deuses
que deram
o fogo ao homem,
Prometeu acorrentado,
o fogo sagrado
de Zoroastro,
desde o carro
de ouro
de Apolo,
queimamos.
Em nós arde
o foto Eterno
e primordial,
acreditamos,
queimamos?
O foto é motor
dos dias,
no centro
da perplexa
idade.
Queimamos
no tempo,
sem virarmos
cinza.
DEGRAZIA, José Eduardo. O Súbito vento. Traduzido e ilustrado por Shogoro Nomura. Porto Alegre, RS: Class,2020. 64 p. 14 x 21 cm. ISBN 978-65-88865-10-1 . ISBN 978-65-88865-10-1
Ex. bibl. Antonio Miranda
"Este é um livro cujas imagens podem ser lidas
e cujos textos evocam visualidades."
ANDREI CUNHA
DEGRAZIA, José Eduardo. Parábola para unicórdios. Guaratinguetá, SP: Editora Penalux, 2019. 162 p. 14 x 21 cm.
ISBN 978-85-5833-511-9 Imagem da capa: Giuseppe Mazzolani (1842-1916) Il Capricornio. Ex. bibl. Antonio Miranda
DO OUTRO LADO
Todo o centro da vida
vai se fazendo aos poucos,
aos rogos e fogos
um jogo de dados
um jogo de fados,
oura se está de um lado,
enquanto estamos aqui
é melhor ser feliz.
Do outro lado ninguém sabe
talvez nem nos cabe
a vida para sempre, eterna.
Aqui e agora é o nosso ser,
depois, não tenho nada a dizer.
CRIAÇÃO
Existia o tempo antes do big bang?
ou era somente deus que criava o Tempo
imerso na curvatura do espaço?
A vida é curva na linha que traço.
Ou poderá que eu invente um universo
em cada alinha ou verso em que me faço?
A vida é reta na curva que traço.
FOTOGRAFIA No. 5
Na mesa do restaurante
o garçom serve uma natureza morta.
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DEGRAZIA, José Eduardo. Matematica para centauros. Guaratinguetá, SP: Editora Penalux, 2018. 124 p. 15 x 21 cm. Capa e editoração França & Gorj. ISBN 978-85-5833-349-8 Ex. bibl. Antonio Miranda
asa de pássaro, asa de xícara, asa de avião
chama de vela, chama de gás, chama de paixão,
ponta de pedra, ponta de lápis, ponta de faca,
fio de faca, fio de linha, a vida por um fio,
pé de mesa, pé de cabra, ao pé do ouvido,
mação do rosto, maçã argentina, mação do pecado,
papel de parede, papel de jornal, papel de poema.
GEOMETRIA CÓSMICA
No carrossel das constelações,
girando de oeste para o sul,
desde Órion de cintura imponente
pisando a espinha do Touro,
até o Escorpião sustentando
o madeiro do Cruzeiro do Sul,
vaga o meu pensamento
de estrela em estrela da galáxia,
traçando a geometria cósmica
que gira no centro da vertigem,
buraco negro onde a lua
penetra linda, branca e nua.
Escrevia versos
como se empilhasse
nervos desencapados
ou
enfileirasse troncos
para fazer uma jangada
ou
alinhasse fios
para o pouso dos pássaros.
POESIA=OUSADIA
POESIA=AGONIA
POESIA=ALEGRIA
POESIA DO DIA A DIA
NÃO SE ADIA.
DEGRAZIA, José Eduardo. A Nitidez das Coisas. Porto Alegre, RS: Artes e Ecos, 2018. 94 p. 14 x 21 cm. Capa: fotografia de Marcelo Lubisco Leães. Apresentação por Vera Lúcia de Oliveira. ISBN 978-85-93459-11-5.
“Os versos fluem, como se jorrassem de uma basta fonte, assim como são ditos e escritos, claros, sem retórica, concisos e melodiosos. Essa sé a marca da grande poesia, que nos dá a falsa impressão que se autogera dos veios e veias da fala e da palavra. Há, no entanto, o meticuloso trabalho do poeta, que não cerceia o ritmo dos versos longos e por vezes longuíssimos, mas, ao mesmo tempo, regra e profusão das imagens para que captem o mistério e a beleza.” (...) “A nitidez das coisas, é o mesmo de um dos seus mais belos e intensos poemas (também escolhido por mim para o encontro que se deu na Universitá degli Studi di Perugia, na Itália, em 2013), mas por consensar de forma surpreendente a essência e o sentido mais íntimo da poética do autor. “ VERA LÚCIA DE OLIVEIRA.
A NITIDEZ DAS COISAS
No silêncio da casa, quando as madeiras estalam,
espero o movimento da engrenagem do tempo,
a manifestação evidente da máquina do mundo,
as pás do moinho moendo a farinha dos dias,
os dentes trincando a pele da feroz existência,
o rolar dos minutos no relógio náufrago da manhã,
o zumbido da mosca contra sua imagem no vidro da sala.
No silêncio da casa, quando estremecem os móveis
e trepidam os eletrodomésticos nas redomas de vidro,
zunindo tudo num uníssono cantochão melancólico,
espero o levantar da poeira do chão entre as moedas
nítidas do sol e as moendas trituradoras de emoções,
a polia que range a palavra contra a indiferença e a solidão,
o destino dos pratos e talheres prisioneiros lentamente
desfazendo-se em barro e mortal ferrugem.
As coisas morrem sem pânicos enquanto olhamos
distraídos o vento levantando as cortinas da sala.
Só as coisas são nítidas e têm alma e acreditam
na vida eterna.
TEORIA DOS SONHOS
Para Antonio Miranda
O sonho que se perde na manhã,
não será nunca mais alcançado?
Veio de labirintos e mares interiores,
nasceu de gritos de náufragos
e de suspiros de amantes,
pura ação e desencontro, imagem,
som de uma sinfonia inacabada,
puro encantamento de tardes antigas,
de madrugadas sonolentas,
orações que batem nas ogivas das catedrais,
sinos, anjos, dançarinas solenes se brancas
pisando leves, veludos, e nuvens,
fotos de mulheres nuas de revistas
que não existem mais,
o desejo e a culpa de mãos dadas
no jardim das delícias ou do medo,
que se tece toda a noite
feito um brinquedo,
uma teia, um enredo,
pura ficção e enleio,
armadura e seio,
máquina do futuro e do passado
onde se é criança e velho,
um ser sem tempo, mas datado.
O sonho que se perde na manhã,
não será nunca mais alcançado?
MARGENS
Para Márcio Catunda
Escrevo sobre pequenas coisas que me tocam,
ou que os meus dedos acariciam lentamente,
falo das folhas, das falhas, falo da pele,
das estrelas — são pequenos pontos no Universo —
dos mares, dos rios, do navios e das velas,
canto a palavra dos homens e das mulheres,
canto o meu tempo que pode se também o teu,
canto a vida enquanto passagem e desafio.
Escrevo como se fosse música, nota a nota,
canto de pássaro, rumor de água, fonte,
escrevo como se estivesse numa ponte
entre margens im/possíveis.
DEGRAZIA, José Eduardo. Lições de geometria fantástica. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2016. 88 p. 14x21 cm. (Poesia) Capa e diagramação: Ricardo A. O. Paixão. ISBN 9780-85-5833-139-5
Reflexões sobre um Monturo
1
As coisas se desfazem lentamente
faca enferrujada, copo quebrado.
2
As coisas se desfazem lentamente
folha de jornal, página de livro.
3
As coisas se desfazem lentamente
máquina quebrada, lata de cerveja.
4
As coisas se desfazem lentamente
roupa usada, bola furada.
5
As coisas se desfazem lentamente
chave que não abrirá mais a Porta.
Exercício de rima (Pobre)
1
O andaime da dúvida.
O arcabouço da dívida.
2
O apetrecho da razão.
O buçal do alazão.
3
Os cacarecos do medo.
O cacarejo do cedo.
4
Os mananciais da paixão.
O mancal do caixão.
Dez pensamentos sobre ideologia
1
O átomo não tem ideologia. A bomba atômica tem.
2
O rato não tem ideologia. A ratoeira tem.
3
O pato não tem ideologia. O pato à Pequim tem.
4
O corpo não tem ideologia. O biquíni tem.
5
O pescoço não tem ideologia. A gravata tem.
6
A garganta não tem ideologia,.A guilhotina tem.
7
O papo não tem ideologia. O discurso tem.
8
O sexo não tem ideologia. O coito tem.
9
O povo não tem ideologia. O Estado tem.
10
Deus não tem ideologia. A Igreja tem.
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DISCÍPULOS DE EROS
Os namorados
são transparentes
quando olhados
de frente
de lado
de perto
ou distante
são diamantes
amantes, amantes
amantes
dão-se as mãos
simplesmente
mentes e olhos
mentem versos
verdades várias
vôos
são pássaros
são peixes
imersos no mar
do amor
esquecidos
de tudo
de nada
de todos
jogam dados
do destino
cantam hinos
são apenas
lábios, lábias
sedução
sábios e vivos
inocentes
e meninos
enquanto amor
os domina
e ilumina.
A HORA CERTA
Quando não se puder
mais olhar uma flor,
quando não se puder
mais amar uma mulher,
quando o mundo for
só aparência de ser
e não permitir alegria,
é a hora certa de plantar,
é a hora certa de cantar,
é a hora certa de amar
é a hora certa de ver,
é a hora certa de viver,
é a hora certa de colher,
a manhã sempre vem,
o amor pode voltar
pra te dizer que a vida
vale a pena ser vivida.
É a hora certa de plantar,
é a hora certa de cantar,
é a hora certa de amar,
é a hora certa de ver,
é a hora certa de viver,
é a hora certa de colher.
RECEITA
Para Sérgio Faraco
Não deixe o tempo
passar correntes
em volta de seu corpo,
e que as aranhas
teçam teias
em seus dedos.
É preciso impedir
que os olhos acostumem
o olhar pela janela,
na mesma rua
onde homens cinzentos
cruzam maquinalmente.
É necessário ter sapatos
bem engraxados,
sem furos nas solas,
para que os pés não cansem
e não se machuquem
nas pedras do caminho.
Morar em casas
com porão, sótão e quintal,
onde possamos encontrar
pessoas desconhecidas
e objetos indecifráveis
na soleira da porta.
Ter reservas de carinho,
coleções de selos e de moedas,
ter amigos que gostem
de música e poesia,
bolsos e armários embutidos.
Ter sempre a esperança
de encontrar o amor
num parque possível,
sábado ou domingo
ou outro dia qualquer.
Antes de tudo
e principalmente,
é preciso ter paciência,
crer que os tempos mudam
e que teias de aranha
não crescem sem motivo.
De
José Eduardo Degrazia
UM ANIMAL ESPERA
Porto Alegre: Minibuks Território das artes, 2010.
63 p. ISBN 978-8563994-05-9
LEREI O ÚLTIMO LIVRO
Guardo o desvario
na gaveta da manhã.
São tantos rios a correr,
o mundo é tão grande,
existem trens prontos para partir
a qualquer instante.
Coloco os atavios do dia
no cabelo da mulher
que me ama, o vento sopra,
a chuva cai, os corpos ardem,
as estrelas fazem ninhos no telhado,
navios desfraldam bandeiras no mar,
existem náufragos em perdidas ilhas.
Músicas distantes invadem a janela,
há corpos que dançam, folhas caem.
Em cima de algum morro, um homem solitário
diz versos para a lua, o tempo passa
e a morte vem como um gato que se aninha.
Não tenho compromisso com a morte.
Guardo a morte entre as páginas do livro.
Este livro, eu sei. será o ultimo que lerei.
O SONHO INSEPULTO
O que poderei dizer
do sonho insepulto
no coração do homem?
Sob signos escuros nasci
irmão da lua e dos ciprestes.
Gastei minhas mãos
nos muros das casas fechadas.
Eu, amante da solidão
e na tristeza imerso,
vi a luz da aurora extática.
Na fábrica de tijolo,
no monjolo, em moinhos,
aprendi minha sina.
Plantei cacto no deserto,
colhi o grão do trigo,
amassei o pão.
Viajei na luz da estrela,
bebi a chuva e a torrente.
vivi a neve e o trópico,
eu, menino que queria
crescer além das árvores.
Adolescente fui como os outros,
amante do impossível,
as mulheres impassíveis.
O que mais poderia cantar?
Canto o sonho insepulto
no coração dos homens.
TRÊS LIVROS DE POESIA
(uma seleção)
DENOMINAÇÃO
Com tua fala
noturna
feres o dia
e te refazes.
Dentro
da bruma
escalas
nova ressonância.
Do fundo
do poço
retiras
a inocência
trescalas
a perdidos,
sonho de amuragem
e jardim
entre muros.
Pousas em cada
coisa o nome
que lhe cabe.
GRITO
Poema-grito
a doer comigo
na caverna.
Guilhermino Cesar
Projétil
no revólver
minha fala
aguarda
meu grito
se guarda
na escura
caverna
que se puxe
o gatilho
e se encontre um peito:
a enxada e seu eito.
FORMA DO POEMA
O poema tem freio
de espuma e vento
difícil é achar
o momento exato
de contê-lo
nas mãos
e deixar que via:
forma concreta de poema.
CONSCIÊNCIA
O dínamo ronca
o seu maior
de-
feito
sobre o mundo.
A engrenagem
tritura an-
seios
téreis.
Sabes inútil
o protesto:
ninguém seguirá
teu último gesto.
Cabeça baixa
só tua consciência
continuará gritando.
Irás para o matadouro.
POEMA URBANO
No edifício
mil vidraças
refletem
meu rosto
sem graça.
Na fumaça
dos carros
meu travo
meu nojo.
No estojo
do apartamento
meu corpo
de cimento.
No bulício
da partida
minha ferida.
CIDADE ESTRANHA
Caminho pelas ruas
da cidade
e a tristeza
escala os muros
das velhas mansões.
Por trás das árvores
uma lua bêbada
sorri.
Entro num cinema
para ver gente:
está vazio.
Aos poucos se enche o cinema
com todos
os meus antigos fantasmas.
DEGRAZIA, José Eduardo. Corpo do Brasil: poesia. Porto Alegre: Movimento, 2011. 112 p. 14x21 cm. Prefácio de Maria do Carmo Campos. Ex. autografado. Col. A.M. (EA)
SOU BRASILEIRO
Por trás da janela
vejo o país
que me condena:
cidades e campos,
rios e ruas
na retina.
Prisioneiros somos
da perspectiva
que nos afasta
do que é em nós
mais terra e sangue.
Por isso nos escondemos
atrás de mesas executivas,
folheamos manuais
de covardia.
Há de chegar o dia
de dizer
com orgulho: brasileiro,
muito prazer.
SOU CANTOR
Todas as canções
que eu canto
são as canções
do meu povo.
Pois do povo
herdei voz
e pronúncia.
Depois de muito cantar
canto a dor e a renúncia.
Do povo eu sou cantor
e nisso não me engano
não escondo nas palavras
a minha verdade
como quem se esconde
embaixo de um poncho.
Não me escondo em atavios
nem em brilhos de efeito
o meu canto é pranto feito
do que para o povo é direito.
DEGRAZIA, José Eduardo. Cidade submersa. Poesia. Porto Alegre: IEL/ Editora Movimento, 1970. 112 p. 14x21 cm. (Coleção Poesiasul, v. 22) Col. Bibl. Antonio Miranda
CALIÇA
I
A palavra apronta
a consequência
no que transforma
ou estraçalha;
nela ardo,
em mim arma
a ordem, a cabala
dos frutos.
II
Trago o que não consta
nos anais e anuários,
mais os tempos imperfeitos,
verbais: inventário
em dias e anos: amos
de uma casa desabitada.
III
Conforme ao dia,
ao cartão ponto,
resumo o cotidiano
na impaciência: o sonho
até a náusea.
Me explico
no pesadelo.
IV
Fortuito o encontro
das mãos nesta casa
de paredes desabadas.
Escuso o rosto no espelho,
o passo na sala.
V
Estrutura da face
que se mostra:
a fachada da casa
onde se mora.
VI
A manha se constrói:
caliça nos dentes,
ódio na fala.
Vil
Irrisório é o sorriso
nesta idade de facas:
VIII
Albergo a palavra na esperança.
JABLONSKI, Eduardo. Degrazia pinta palavras. 2ª. Edição revista e ampliada. Porto Alegre, RS: Editora Bestiário, 2016. 144 p. 14x21 cm. ISBN 9987-85-98802-68-9 Ex. bibl. Antonio Miranda Textos sobre a poesia, minicontos, novela, ensaios, entrevistas de “José Eduardo Degrazia”.
“A presente análise não se divide por temas ou recursos de estilo, porque José Eduardo Garacia é tão variado, poético de poema a poema, de iniconto a miniconto, de novela a novela.” EDUARDO JABLONSKI
“La nitidezza delle cose è ciò che cerca il poeta, nel passato como nel presente ed essa si esprime in um verbo chiaro, senza retorica, conciso, denso, melodioso.” VERA LÚCIA DE OLIVEIRA
Inclui o seguinte poema de Degrazia na p. 114:
A FLOR FUGAZ
Porque se despe na tarde
e convida ao sortilégio
de sua carnação madura
pétala que apura o tempo
inventando a investidura
de planta formosa e pura,
sendo lírio ou sendo rosa,
ofertada sem mais nada
do que a vida retira
o sumo, a seiva, na selva
de um desejo realizado
em sendo frágil e fugaz,
feito o amor que foi e dura
o esplendor de seu momento.
DEGRAZIA, José Eduardo. A colecionadora de corujinhas. Minicontos. Porto Alegre, RS: Editora Bestiário, 2016. 120 p. ISBN 978- 859-8802-01
Apresentação de Eduardo Jablonski.
Minicontos de um poeta, o que são? Prosa poética, com metáforas e metapoesia...
FÁBULA
Todo dia arrumava a mesa da mesma maneira. O lugar do marido na cabeceira, os dos filhos de cada lado, pois ela não sentava. Dias tornaram-se semanas, entornaram meses, messes multiplicaram anos. A vida,ccomo de normal.
Desdisseram os calendários.
Frugais passaram a ser os dissídios. Dinamitaram porcelanas, corroeram mesa, britaram fotografias, libertaram pássaros.
Para sempre foram.
VELHICE
Jamais conseguiria subir as escadas do Paraíso.
Mãos bondosas o ajudaram a galgar os degraus.
Lá em cima viu que estava sozinho.
Começou o lento descer da escada para...
Para onde mesmo?
Não sabia.
Naquela altura não tinha menor importância.
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TEXTO EN ESPAÑOL
POEMA DE JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA
Traducción de Virglilio López Lemus
RECETA
Para Sérgio Faraco
No deje que el tiempo
pase corrientes
alrededor de su cuerpo
y que las arañas
tejan telas
en sus dedos.
Es preciso impedir
que los ojos se despierten
al mirar por la ventana,
en la misma calle
donde hombres cenicientos
cruzan maquinalmente.
Es preciso tener zapatos
bien amarrados,
sin huecos en las suelas,
para que los pies no se cansen
y no se dañen
con las piedras del camino.
Vivir en casas
con portal, sótano y pátio,
donde podamos encontrar
personas desconocidas
y objetos indescifrables
en el umbral.
Tener reservas de cariño,
coleciones de sellos y de monedas,
tener amigos que gusten
de música y de poesia
bolsos y armários llenos.
Tener siempre la esperanza
de encontrar el amor
en um parque posible,
sábado o domingo
o cualquier outro dia.
Ante todo
y principalmente,
es preciso tener paciencia,
creer que los tiempos cambian
y que las telas de araña
no crecen sin motivo.
CREAR EN SALAMANCA
traducción de Alfredo Pérez Alencart
Crear en Salamanca tiene el privilegio de dar a conocer, por vez primera, algunos poemas de Jose Eduardo Degrazia (Porto Alegre, 1951). Tiene publicados una veintena de libros de poesía, cuento, novela. Entre los poemarios están Lavra permanente (1975); Cidade submersa (1979); A urna guarani (2004); Corpo do Brasil (2011); A flor fugaz (2011) o Um animal Espera/ Un animale aspetta (2011). Como traductor ha publicado catorce libros, entre ellos siete de Pablo Neruda. Ha obtenido premios y reconocimientos en Brasil y en otros países. Su obra aparece en unas 30 antologías nacionales y extranjeras y ha sido traducido al español, italiano, francés, inglés, rumano y esloveno.
Los textos forman parte de “He muerto… y he resucitado”, Antología del XVIII Encuentro de Poetas Iberoamericanos, coordinada por Alfredo Pérez Alencart, poeta y profesor de la Universidad de Salamanca y quien los ha traducido desde el portugués.
Ilustraciones: Miguel Elías
CADA DÍA
Vamos muriendo un poco cada día
aunque cada día vamos viviendo un poco más,
y nuestra sangre batiéndose en las venas
es un mar primordial que se derrama en la playa
para alimentarnos con sus sonidos y sus sales.
Cuando ando por el camino o cuando amo,
siento que mi corazón golpea fuerte en el pecho,
como un pájaro en el nido o un rio en el lecho,
convertido en un mar de leche o de vino.
No me importa morir de esa manera,
pensando que la vida siempre vale la pena,
viviendo en cada minuto la vida entera,
viviendo la vida entera en solo un minuto.
Vivir la vida en un ritmo absoluto,
sabiendo que la vida es alegría y luto.
Vivir sabiendo que la vida se desvanece
hace de cada uno de nosotros un ser especial
y no importa si de noche un cuervo
en nuestra sala nos dice nunca más.
Vamos muriendo un poco cada día
aunque cada día vamos viviendo un poco más.
ME DEJO LLEVAR
Nada como encontrarte, poesía,
cuando el lenguaje de los hombres parece opaco
y toda palabra me agrede.
Yo, que no conozco tus refugios y soy
de los poetas de la urbe el más humilde,
de pronto te encuentro en el autobús
o caminando solito entre la multitud,
y tu me refrigeras el alma con tu canto
al punto de creer que no te merezco.
Y siempre tienes para mí una palabra de afecto,
como si yo fuese tu niño.
Olvido toda agresión sufrida
y me dejo llevar por tus caminos,
igual que un ciego sigue a un perrito.
ADORMECIDA
Adormecida en mis brazos
la flor del sueño abierta en el rostro
estrellas cuentas despiertas en tu cuerpo
caballos galoparon la planicie del abandono
y atravesaron de escalofríos tu cansancio
y la belleza ardió lentamente
y los cabellos flotaron como nubes encima del bien y del mal
y tus manos detenidas y perdidas en un otro mar
quedaron como aves nocturnas ignorando
que se escapaba la vida.
EL CAMINO INVIOLABLE
No todos somos malos.
Algunos tienen una cierta ternura.
Nosotros una forma especial de sonreír.
Nos saludamos corteses en la calle,
apretones de manos blandas, leve movimiento de labios.
Y continuamos el camino inviolable.
MOTIVO DE FUERZA MAYOR
A veces me invade
una canción de origen oscuro,
una ventolera de la pampa,
una marina desnudez de caracoles,
un sueno de nube preñada de lluvia.
El habla de la mujer de senos morenos
en medio de la noche con escarabajos zumbando
color azul del cielo o verde césped,
bosque de campanas, campanillas sonoras
y gritos intensos de pasión en la noche del monte,
rituales amorosos de gatos sobre los tejados,
voces aterciopeladas de guitarristas en los bares de barrio,
gemido de niño enfermo tosiendo en la madrugada,
jugadores en el paño verde jugando sus vidas a las cartas,
borrachos improvisando cantos para la luna,
trabajador esperando el autobús al amanecer.
Y yo, atónito y despierto, escribo
por orden perentoria de las musas,
psicografío el mensaje nocturno
de una fuerza mayor que me incendia.
LA NITIDEZ DE LAS COSAS
En el silencio de la casa, cuando las maderas crujen,
espero el movimiento del engranaje del tiempo,
la manifestación evidente de la maquina del mundo,
las aspas del molino moliendo la harina de los días,
los dientes mordiendo la piel de la feroz existencia,
el rodar de los minutos en el reloj naufrago de la mañana,
el zumbido de la mosca contra su imagen en el vidrio.
En el silencio de la casa, cuando vibran los móviles
y resuenan los electrodomésticos en los recipientes de cristal,
sonando en semejante canto llano entre las monedas
nítidas del sol y las monedas trituradoras de las emociones,
la polea que cruje la palabra contra la diferencia,
el destino de los platos y cubiertos apilados, lentamente
deshaciéndose en barro y mortal oxido.
Las cosas mueren sin temor mientras miramos
distraídos el viento que levanta las cortinas de la sala.
Solo las cosas son nítidas y tienen alma, y creen
en la vida eterna.
LLUVIA ANTIGUA 2
Guardo el límite del sueño y del cansancio.
Los espejos interrogantes esperan
otras imágenes de rosas maceradas
en tu cuerpo adormecido.
Voces callan reticencias y reclamos.
Detrás de la vidrieras es otra lluvia cayendo.
El navío negro sube el rio que desagua
en mi pecho y su bocina apuñala
las acacias y los girasoles.
En reflexiones estéticas voy perdido
mientras tu cuerpo gira al sol
escondido detrás de las nubes y la lluvia
ensaya en el tejado su patética melodía.
ESPERANZA
En soledad esperabas.
El flujo del mar golpeaba en tu pecho
llenaba tus ojos de amargor,
las manos de algas, los senos de anemonas.
Envuelta en el silencio poblado de estremecimientos y sombras,
en soledad habitada por sueños, voces y poemas,
esperabas la vuelta del velero que partiera
llevando en las velas el tiempo y la esperanza,
los castillos construidos en la arena.
POEMA DE LA INTIMIDAD
Para Virginia
La intimidad es un puente de vidrio,
un mínimo gesto puede astillar
la tenue relación entre dos seres.
Tengan cuidado con las palabras,
pueden ser duras como el acero.
Cuidado también con los ojos
que pueden destillar llamas de odio.
Tengan especial cuidado con las manos.
Es necesario que estén siempre listas
para el cariño, pero llenas de melancolía,
como si fuesen a partir para siempre.
QUE LA VIDA NO TE SEA MALA
Que la vida no te sea mala.
Que la vida no te de cuchillas.
Que la vida suele ser puñal
marcando en tu pecho la llaga.
Que la vida suele ser amarga
si en tu pecho habita el dolor.
DEGRAZIA, José Eduardo. Havana. Tradução para o espanhol Alejandro F. Della Sala. Porto Alegre, RS: Editora Bestiario, 2017. 40 p. ilus. foto col. 21x21 cm. Textos em português e espanhol. ISBN 978-85-988027-9 -4.
Amanhece sobre Havana,
as janelas se abrem para o dia
que vem vindo como uma canção anunciada,
e um frêmito de asas acorda o ninho
de pássaros amantes, ares azuis sobre o golfo do México,
e descobre as águas de tua costa de coral e
concha silenciosa.
Desde a fortaleza La Cabaña o sol desponta
e parece querer mergulhar na baía
incendiando as ondas e as escamas dos peixes.
Os raios de sol pousam no Templete
e sobre a Ceiba mítica dos fundadores da cidade.
A Geraldilla te saúda desde o Castelo de La Fuerza
e anuncia que a beleza paira sobre os telhados
sua alegria e magia.
Amanece sobre La Habana
las ventanas se abren para el día
que viene como una canción anunciada,
y un bramido de alas despierta el nido
de pájaros amantes, aires azules sobre el golfo de Méjico,
y descubre las aguas de tu costa de coral y
concha silenciosa.
Desde la fortaleza La Cabaña despunta el sol
y parece querer sumergirse en la bahía
incendiando las olas y las escamas de los peces.
Los rayos del sol se posan em el Templete
y sobre la Ceiba mítica de los fundadores de la ciudad.
La Giraldilla te saluda desde el Castillo de La Fuerza
y anuncia que la belleza revolotea por los tejados
su alegría y magia.
DEGRAZIA, José Eduardo. Love is Geometry. Gravataí, RS: Clube Literário de Gravataí, 2015. 134 p. 14,5c21 cm. Inclui o prefácio "Degrazia is all poets"", por Eduardo Jablonski. Ex. bibl. Salomão Sousa.
DEGRAZIA, José Eduardo. Sopa de cebola. Belém: Folheando, 2022. 64 p. 14 x 21 cm. ISBN 978-65-5404-064-8
Ex. bibl. Antonio Miranda
ESCREVO
Pego o lápis para escrever o poema
e paro à certe distância do papel.
O importante é escrever o poema
e não escrever sobre o poema.
Verso que pareceria banal
não fosse o mar de tinta derramado.
Não me interessa mais o poema
— artefato lógico —
melhor tomar um banho de rio
pegar um trem sem destino.
Isto me redime de muito:
sei que a vida vale a pena
e a poesia é necessária.
O gosto do proibido
O gosto do proibido é lembrança da infância,
da fruta madura do pomar do vizinho,
ou de quando íamos espiar as moças do cabaré
tomando banho de sol nas janelas antes do
expediente começar.
Herói uma vez
Só fui herói uma vez,
na infância:
com uma pedra
quebrei a garrafa
com que nos ameaçava
um da turma com quem
tínhamos brigado.
Ele ficou com o gargalo
na mão, chorando,
enquanto eu fui o cara
mais falado da rua
por uma semana.
Um tio bisavô escrevia sonetos
Meu tio bisavô escrevia sonetos
para a namorada.
Não sei se algum dia a amada,
que o tempo levou,
junto à janela leu
os versos que meu tio bisavô escreveu.
Não sei se ela chorou, não sei se ela sorriu:
guardo com cuidado os versos.
Triste
Como o olhar do garçon
entre as mesas do restaurante vazio,
o músico do restaurante a tocar
entre ruídos de copos e talheres,
feito restaurante que despede
o último garçon para fechar.
DEGRAZIA, José Eduardo. Os Melhores Poemas. Org. por Eduardo Jablonski. Porto Alegre, RS: Bestiário, 202. 156 p. 16 cm. X 21 cm. ISBN 978-65-85039-08-6 Ex. bibl. Antonio Miranda
CANÇÃO PARA O TERCEIRO MUNDO
A granada de mão
em mão,
o tiro cero
no cinematografista.
A revolução é o sangue
na rua do mercado
público, a igreja
incendiada e sem deuses:
golpe de faca
nas costas,
Santiago do Chile,
Montevidéu, Buenos Aires,
América do Sul
sangrenta, amante
de mulheres morenas,
metralhadoras e bombas,
cuchillos, adagas,
risos, rasgos, danças,
carnaval de pranto,
ódio na procissão;
noturna procissão
de homens soturnos
subindo a ladeira
da promissão.
(1982, p. 77)
COXILHAS
1
Minha terra é puro contentamento
quando nela navego
ou a invento.
Coxilhas são ondas
de mares interiores,
batem no peito como no cais;
o coração é batel,
a saudade é corcel
na contramão do tempo.
Coxilhas são seios
de mulheres apetecidas,
no campo de flechilhas
enfim desencantadas.
Vai viajante vogar nesse mar!
vai ao encontro do tempo que foi
e do que virá.
2004, p. 15
A FLOR FUGAZ
Porque se despe na tarde
e convida ao sortilégio
de sua carnação madura,
pétala que apura o tempo
inventando a investidura
de planta formosa e pura,
sendo lírio ou sendo rosa,
ofertada sem mais nada
do que a vida retira
o sumo, a seiva, na selva
de um desejo realizado
em sendo frágil e fugaz,
feito o amor que foi e dura
o esplendor de seu momento.
20'11, p. 2
MÃOS CAÍDAS
Impossível o gesto
nesta selva de cimento
e aço.
Mãos caídas
são uma despedida
da vida.
O tempo fecha
sobre si mesmo
e devora a última
esperança.
1976, p. 82
OS SENTIDOS DO MUNDO
O que existirá quando não houver mais sentidos?
Não digo o sentido, a razão de existir no mundo
e do homem,
mas a ausência absoluta
de olhos abertos para a luz do dia,
de ouvidos captando o som da liturgia
da vida,
do tato exercitando o ofício de alisar
a pele dourada do sol,
do olfato a acariciar o perfume da flor,
do gosto penetrando as papilas da língua
e da palavra.
O mundo existe porque eu o vejo, escuto, apalpo,
e cheiro, provo.
Sem sentidos não tem sentido o mundo,
sem a existência dos sentidos o Universo
é matéria morta
girando a improvável turbulência
de seus átomos inocentes e cegos.
Seria o horror do vazio, do nada, do inexistente,
do não percebido.
Só o olho do homem faz sentido e se revela na
palavra,
memória de um deus antigo
que perdeu forma e movimento
e nem espaço mais contempla
em volta do seu umbigo,
que um deus que espera o fim de tudo,
o absoluto, o caos, o vazio.
2012, p. 93.
*
Página ampliada e publicada em janeiro de 2023
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm.
ISBN 978-85-7823-326-6 Includes 60 poets in Portuguese and English Ex. bibl. Antonio Miranda
Sou brasileiro
Por trás da janela
vejo o país
que me condena:
cidades e campos,
rios e ruas
na retina.
Prisioneiros somos
da perspectiva
que nos afasta
do que é em nós
mais terra e sangue.
Por isso nos escondemos
atrás de mesas executivas,
folheamos manuais
de covardia.
Há de chegar o dia
de dizer
com orgulho: brasileiro,
muito prazer.
I´m Brazilian
Through the window
I see the country
which condemns me:
cities and Fields,
rivers and streets
in the retina.
We are prisioners
of the perspective
that keeps us Away
from what is in us,
more earth and blood.
That´s why we hide
behind executive tables,
leaf through manuals
of cowardice.
The day is coming
to say
with pride: Brazilian,
pleased to meet you.
F R A N Ç A I S
LES AILES
Qui pense
l´oiseaux
sur l´arbre ?
(La vision
dun poète
et comme
une flèche
mortel.)
L´oiseau
nest past
une nature
mort
par le poème
Son alles
le délivrer
du l´arbre
du poèma
du poète.
CHANSON D´AMOUR
Ylia ici um paradis,
la dame et as virtue,
la dame et sa nue:
un paradis perdue.
Song ela jenesse doré
son mariage enchanté,
les corps son liés
bras a bras, tête a tête.
La vie comence tojour,
homme, femme, l´amour,
passer le monde un tour
l avie c´est glamour.
LE SANGLOT
Le vielle/viel Verlaine
a sonné a Paris,
un sonnet ouvert,
un sonnet vert,
un sanglot in vain
une larve in Paradis,
une âme incertain.
TEXTS IN ENGLISH - TEXTOS EM PORTUGUÊS
DEGRAZIA, José Eduardo. Nova Iorque: Poema e Fotos. New York: Poem and Pictures. Tradução para o inglês / Translation Portuguese-English: Daniela Damaris Neu. Santa Cruz do Sul, RS: Editora Gazeta, 2014. 54 p. 21x21 cm. Impresso em papel couchê 150 g/m2 (miolo) e cartão Supremo 250 g/m2 (capa). “ José Eduardo Degrazia “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(fragmentos)
factoides,
andróides
de um novo tempo
em que os homens
não importam
além da pedra
e do mármore
de cúpulas
em cópula
e
formas
de naves e barcos
em arco
sobre o abismo
onde a barca
do sentido
mergulha suicida
em busca de ideias e discursos de paz e guerra e democracia
e jaz petrificado o espírito atónito diante da imensidão do cosmo
que se manifesta na miséria de ser apenas homem no discurso da pedra
e da perda da alma e de deus que se cala diante de um deus maior,
o dinheiro,
que cai do andar mais agudo do edifício num suicídio possível,
mas indesejado pelas gentes que mascam chiclete e comem moscas e hambúrgueres
e bebem Coca-Cola e descolam sonhos perdidos da engenharia do espírito,
onde tudo faz sentido ou se perde no esquecimento da máquina
que te convida a aderir à sua beleza terrível
ó Manhattan de pétalas de concreto,
ó Manhattan de pássaros de metal e vidro,
ó Manhattan de sonhos alcançados e perdidos,
ó Manhattan de pomos dourados e de deicídios,
ó Manhattan de garganta indecifrável que me devora,
ó Manhattan esfíngica
que me fornece o fio de Ariadne,
que me fornece o fio e o prumo,
que me fornece o fio e o rumo,
que me fornece o fio e o sumo,
que me fornece o rio e a ilha,
que me fornece o sizo e a loucura,
ó Manhattan que me desafia
para uma leitura apaixonada
e me perde onde tudo fala a língua do futuro,
onde tudo é nada ou um peixe que nada num mar de alta voltagem
como a nova Roma,
o império que reina soberano sobre o mundo
e me transtorna a fala,
e me contradiz o discurso,
e me confunde entre o escuro e o lume,
como saber para onde caminha a humanidade
se a vejo tão pequena e desvalida,
mas ao mesmo tempo tão soberba e orgulhosa
feito uma rosa de granito
que despetala sonhos e desditas
sobre as palavras caladas ou ditas
(...)
VI COLETÂNEA VIAGEM PELA ESCRITA. Homenagem ao escritor José Eduardo Degrazia. Org. de Jean Carlos Drumond. Volta Redonda, RJ: Gráfica Drumond, 2020. 94 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
SILÊNCIO
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes,
há espanto de flor nascendo,
abismo de pássaro noturno
riscando o espelho furtivo da memória.
(O silêncio é semente de algo mais antigo).
No silêncio tua vivência adelgaça
uma realidade de fruto.
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes.
CAMINHO ATRAVÉS DAS PALAVRAS
A palavra é para mim um tapete mágico:
vou andando pela Rua da Praia em Porto Alegre
e de repente me vejo frente à catedral de Cuzco,
pois a palavra não tem fronteira.
A palavra é viagem que me leva através de coisas e do mundo.
Ah! Eu ando carregado de objetos, papéis, textos,
sentidos e mulheres que me amaram e deixaram marcas.
Passo sem deixar sinal nenhum levando signos na mala,
como se leva uma camisa, uma gravata, um terno.
Só as palavras mais ternas para usá-las no momento certo.
Depois volto para Porto Alegre porque sou poeta
e me permito todas as liberdades.
Fico vendo os homens sérios com suas pastas
e problemas
e sei que no fundo pouco podem com suas próprias
vidas.
Mas continuo a caminhar através das palavras
porque o mundo é como o de Alice, de Lewis Carrol,
o matemático genial que sabia tudo de todos.
Ninguém vai ao mundo para voltar impunemente.
TEXTS IN ENGLISH
(fragments)
factoids,
androids
of a new time,
where men
do not matter
further on the stone
and the marble
of cupolas
in copula
and
forms
of ships and boats
in arc
over the deep
where the barge
of the sense
dives suicidal
in search of ideas and speeches of peace and war and democracy
and the astonished spirit lies petrified before the immensity of the cosmos
manifested in the misery of being only man in the discourse of stone
and the loss of the soul and of god that is silent before a higher god,
money,
falling from the keenest floor of the building in a possible suicide but unwanted by the people who chew gum and eat flies and burgers
and drink coke and find out lost dreams of the spirit engineering
where everything makes sense or is lost in the oblivion of the machine
that invites you to join its terrible beauty
oh Manhattan petals of concrete,
oh Manhattan birds of metal and glass,
oh Manhattan achieved and lost dreams,
oh Manhattan of golden sinus and doom
oh Manhattan of indecipherable throat that devours me,
oh Manhattan sphinx shaped
that gives me the Ariadne's thread,
that gives me the clue and plumb,
that gives me the clue and the direction,
that gives me the clue and lushness,
that gives me the river and the island,
that provides me prudence and madness,
oh Manhattan that challenges me
to a passionate reading
and loses me where everything speaks the language of the future
where everything is nothing, or a fish swimming in a sea of high voltage as the new Rome
the empire that reigns sovereign over the world
and upsets my speech,
and contradicts my discourse,
and confuses me between the dark and the candle,
how to know where humanity walks to
if I see it so small and helpless,
but at the same time so wonderful and proud
like a rose of granite
that limbs dreams and misfortunes
on silent or spoken words
(…)
DEGRAZIA, José Eduardo. Love is Geometry. Gravataí, RS: Clube Literário de Gravataí, 2015. 134 p. 14,5c21 cm. Inclui o prefácio "Degrazia is all poets"", por Eduardo Jablonski. Ex. bibl. Salomão Sousa.
(a selection of Degrazia´s poems in English)
SPRING
The frame
of the frog
fraught
with froth
frantic.
*
The day
of spring
is fresh water
on my neck.
*
The birds
in a net of nests
are a necklace
on a tree.
*
A nice niche
in a wood
The Wind.
SUMMER
A girl in the night
with stars in hair,
wear a short skirt.
*
The sea and sand
under feet.
The hand on mine.
*
The music of summer
is a Golden fish
A kiss on a ship
AUTUMN
The moss
in the head
of the boss.
*
The spider´s web
in the hand
of a spy.
*
The fog
in the mouth
of a frog.
WINTER
A deep sound
in a winter´s day
like a violin: play.
*
The rain around
the world,
does not drop in vain.
*
A woman´s tear
is like a diamond,
drop of bright fear.
EN ITALIANO
Trad. Iris Faion
JJosé Eduardo DEGRAZiA è nato a Porto Alegrenel 1951. è medico, scrittore e ha 19 libri pubblicati. Ha pubblicato, di poesia: Laura permanente (1975), Cidade submersa (1979), A urna guarani (1004), Corpo do Brasil (1011), A fior fugaz (1011 ). Racconti: 0 atleta recordista (1996), A orelba do bugre (1998), A terra sem males, Os leóes selvagens de Tanganica. Romanzo breve: 0 reino de macambira (zoo 5 ), A fabulosa viagem do mei de lecbiguana (2008). Letteratura per ragazzi: 0 samba dagirafa (1985),^ caturrita cocota (1991), Gato esapato (1997). Come traduttore dallo spagnolo e dall'italiano, ha pubblicato 14 libri, tra cui 7 di Pablo Neruda. Tra i premi ricevuti, citiamo: Prèmio do Biènio da Coloniza^ào e Imigrai^ào con Lavra Permanente, 1974; Prèmio de teatro do SNT con la pièce A Casa dos Impossiveis, 1975; Prèmio O Sul per la miglior traduzione 2006, per i libri di Pablo Neruda; Prèmio Livro do Ano da Associalo Gaùcha de Escritores, 1006; Prèmio da Academia Internacional Mihai Eminescu di Romania per l'Opera in prosa, 2012; Premio Internazionale di Poesia di Trieste, zoi 3; Premio dell'Unione degli scrittori moldavi zoi 5.
O MENDIGO E O CÃO
O cachorro e o mendigo comem na calçada.
O cão é preto e morde um osso,
o dono veste trapos e come um pão.
Restos de papelão: sinais da cama onde passaram a noite.
A garrafa no cordão da calçada: o homem toma
um gole, e ri para os carros que passam.
O sol de inverno é fraco, mas esquenta.
O mendigo se encosta na parede, parece feliz.
O cão pula no seu colo: um olho aberto, o outro fechado
Controla o movimento, cão de guarda que é.
O mendigo fecha os olhos e dorme.
O cão lambe a mão.
IL MENDICANTE E IL CANE
Il cane e il mendicante mangiano per terra.
Il cane è nero e morde un osso,
il padrone vestito di stracci mangia del pane.
Pezzi di cartone: tracce del letto dove hanno passato la notte.
La bottiglia sul bordo del marciapiede: l’uomo beve
un sorso, e ride alle macchine che passano.
Il sole invernale è debole, ma scalda.
Il mendicante s’appoggia al muro, sembra felice.
Il cane gli salta in grembo: un occhio aperto, l’altro chiuso,
controlla i movimenti, come un bravo cane da guardia.
Il mendicante chiude gli occhi e dorme.
Il cane gli lecca la mano.
A FORÇA DO POEMA E/OU SUA SEM-CERIMÔNIA
O poema
entrou em mim
como se
derrubasse a porta
de uma casa
ou simplesmente
enrolasse os pés
no tapete
e caísse
sobre o peito
de um homem.
Só arestas,
seco, ácido
de um lado,
duro: pedra,
afiado: faca,
explosivo: obus,
não deixou
alternativa: detoná-lo
no branco da página.
LA FORZA DELLA POESIA E/O LA SUA INFORMALITÀ
La poesia
entrò in me
come se
abbattesse la porta
di una casa
o semplicemente
avvolgesse i piedi
in un tappeto
e cadesse
sul petto
di un uomo.
Soltanto margini,
secca, acida
da un lato,
dura: pietra,
affilata: coltello,
esplosiva: obice,
non dette
alternativa: farla esplodere
sul bianco della pagina.
OS BÊBADOS
Sábado à noite
os ônibus que vêm dos bairros
viajam num mar de álcool.
Os bêbados vão entrando,
alguns são triste, calados,
sentam num canto e ficam.
Outros são contadores de histórias,
xingam, brigam
e embrabecem se ninguém
brinca com eles.
Há os que choram
não sei que mágoas de amor.
Aprofundam os túneis da madrugada.
GLI UBRIACHI
Sabato notte
gli autobus che passano per i quartieri
viaggiano in un mare d’alcol.
Gli ubriachi salgono,
alcuni sono tristi, silenziosi,
siedono in un angolo e lì rimangono.
Altri raccontano storie,
bestemmiano, bisticciano
e s’infervorano se nessuno
gioca con loro.
Alcuni piangono
non so quali pene d’amore.
Sprofondano nei tunnel dell’alba.
TOMO CAFÉ
Entre restos da última
refeição e xícaras sujas,
aqueço o café para a longa
espera dentro da noite.
Talvez alguém sinta
o homem esvair-se
e bata alucinadamente à porta,
uma chuva caia repentina.
Provavelmente alguém estará rezando.
Algumas pessoas mostrarão indiferentes
mais um dia passado no calendário.
Abrirei a porta e a janela
para que os fantasmas entrem na sala.
O café esfria.
Quem me fará companhia?
PRENDO IL CAFFÈ
Tra gli avanzi dell’ultimo
pasto e tazze sporche,
scaldo il caffè per la lunga
attesa della notte.
Forse qualcuno ascolta
l’uomo svenire
e bussa allucinato alla porta,
una pioggia cade improvvisa.
Magari qualcuno starà pregando.
Alcune persone si mostreranno indifferenti
un giorno in più è passato sul calendario.
Aprirei la porta e la finestra
per far entrare i fantasmi nella stanza.
Il caffè raffredda.
Chi mi farà compagnia?
SILÊNCIO
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes,
há o espanto da flor nascendo
abismo de pássaro noturno
riscando o espelho furtivo da memória.
(O silêncio é semente de algo mais antigo.)
No silêncio a vivência adelgaça
uma realidade de fruto.
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes.
SILENZIO
Non pensare che questo silenzio
sia semplice assenza di voci,
c’è lo stupore del fiore che sboccia
abisso del passero notturno
che gratta furtivo lo specchio della memoria.
(Il silenzio è il seme di qualcosa di più antico.)
Nel silenzio l’esistenza attenua
una realtà di frutto.
Non pensare che questo silenzio
sia semplice assenza di voci.
A MESA DA FAMÍLIA
Madeira crestada de tempo.
Resina impregnada de tempo.
Assim a mesa e a família reunida,
e os riscos de faca no cerne da madeira,
e o vinho derramado, a mancha,
o sal, a lágrima, sol na madeira.
A mão que alisou o sulco, o veio,
a mão gretada de tempo: madeira.
Árvore noturna caída, pelo machado abatida,
árvore do tempo plantada.
À volta da mesa sentados, o pai,
a mãe, os filhos: álbum de retratos.
A mesa permanece no meio da sala:
o mais: sombras.
IL TAVOLO DELLA FAMIGLIA
Legno invecchiato dal tempo.
Resina impregnata di tempo.
Cosi il tavolo e la famiglia riunita,
e i rischi del coltello nella carne del legno,
e il vino versato, la macchia,
il sale, la lacrima, sole sul legno.
La mano che levigò il solco, la vena,
la mano graffiata dal tempo: legno.
Albero notturno caduto, abbattuto dall’ascia,
albero piantato dal tempo.
Seduti attorno al tavolo, il padre,
la madre, i figli: album di ritratti.
Il tavolo rimane in mezzo alla stanza:
o di più: ombre.
MOTIVO DE FORÇA MAIOR
Às vezes uma canção
de origem obscura me invade,
uma ventania da pampa,
uma nudez marinha de caracóis,
um sono de nuvem bojuda de chuva.
A fala da mulher de seios morenos
no meio da noite com besouros zumbindo,
cor azul de céu ou verde céspede,
floresta de campânulas, campainhas sonoras,
e gritos intensos de paixão na noite da mata,
ritos de gatos de amores violentos em cima dos telhados,
vozes veludosas de violeiros nos bares de subúrbio,
gemido de menino doente tossindo na madrugada,
jogadores no pano verde jogando suas vidas no carteado,
bêbados improvisando cantos para a lua,
operários esperando o ônibus na madrugada.
E eu, atônito e desperto, escrevo
a ordem peremptória das musas,
psicografo a mensagem noturna,
de uma força maior que me incendeia.
CAUSA DI FORZA MAGGIORE
A volte una canzone
di origine misteriosa mi invade,
una tempesta della pampa,
una nudità marina di conchiglia,
un sonno di nuvole gonfie di pioggia.
Le chiacchiere di una donna dai seni scuri
nel cuore della notte mentre insetti ronzano,
azzurre come il cielo o verdi come zolle,
foreste di campanule, campanelle sonore,
e urla intense di passione nella notte della boscaglia,
riti di gatti in calore in cima ai tetti,
voci vellutate di violinisti in bar di periferia,
gemiti di bimbo dolente per la tosse all’alba,
giocatori d’azzardo che si giocano a carte la vita,
ubriachi che improvvisano serenate alla luna,
operaio che aspetta il bus all’alba.
E io, attonito e sveglio, scrivo
sotto ordine delle muse,
psicografo di messaggi notturni,
di una forza maggiore che mi incendia.
AOS POETAS MENORES
Pequenos poemas perdidos
por poetas menores,
poetas sem sorte,
sem porte de arma,
sem coldre, sem calma.
Eu os apanho, são rebanho,
estão à mercê, à porfia,
poemas de avós e de tias,
que rimam em ão e anho.
Eis que sã poetas a brilhar
em versos brancos da província,
poetas menores, sem polícia,
e que sabem de amor rimar.
I POETI MINORI
Piccole poesie perdute
di poeti minori,
poeti senza fortuna,
senza porto d’armi,
senza fondina, senza calma.
Io li raccolgo, sono gregge,
sono sopraffatti, di nicchia,
poesie di nonni e di zie,
che fanno rima in ore e one.
Quelli che brillano
nei loro versi bianchi di provincia,
poeti minori, senza polizia,
e che sanno le rime d’amore.
INCONTRI CON LA POESIA DEL MONDO. ENCONTROS COM A POESIA DO MUNDO. Antologia poética bilíngue. Italiano – Português. Antologia poética bilíngue. A cura di Vera Lúcia de Oliveira; Paula de Paiva Limão. Perugia, Italia: Edizioni dell´Urogallo / CILBRA – Centro di Studi Comparati Italo-Luso-Brasiliani, 2016. 242 p. Em colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade de Brasília. ISBN 978-88-97365-41-9 Ex. bibl. Antonio Miranda
Le poesie A nitidez das coisas, A mesa da familia e Chuva antiga sono tradotte da Iris Faion; mentre Silèncio, Naufragio e 0 caminho invioldvel da Gaetano Longo/Os poemas A nitidez das coisas, A mesa da familia e Chuva antiga foram traduzidos por Iris Faion; os poemas Silèncio, Naufràgio e 0 caminho invioldvel por Gaetano Longo
A nitidez das coisas
No silêncio da casa, quando as madeiras estalam,
espero o movimento da engrenagem do tempo,
a manifestação evidente da máquina do mundo,
as pás do moinho moendo a farinha dos dias,
os dentes trincando a pele da feroz existência,
o rolar dos minutos no relógio náufrago da manhã,
o zumbido da mosca contra sua imagem no vidro.
No silêncio da casa, quando estremecem os móveis
e trepidam os eletrodomésticos nas redomas de vidro,
zunindo em uníssono cantochão entre as moedas
nítidas do sol e as moendas trituradoras de emoções,
a polia que range a palavra contra a indiferença,
o destino dos pratos e talheres prisioneiros, lentamente
desfazendo-se em barro e mortal ferrugem.
As coisas morrem sem pânico enquanto olhamos
distraídos o vento que levanta as cortinas da sala.
Só as coisas são nítidas e têm alma, e acreditam
na vida eterna.
La nitidezza delle cose
Nel silenzio di casa, quando il legno scricchiola,
aspetto i movimenti degli ingranaggi del tempo,
la manifestazione evidente della macchina del mondo,
le pale del mulino che macinano la farina dei giorni,
i denti che recidono la pelle della feroce esistenza,
lo scorrere dei minuti dell'orologio naufrago del domani,
lo ronzio della mosca contro la sua immagine nel vetro.
Nel silenzio di casa, quando tremano i mobili
e oscillano gli elettrodomestici nel riflesso del vetro,
stridendo in un coro liturgico tra le monete
nitide sotto il sole e le pale che tritano emozioni,
e la puleggia che bisbiglia parole contro l'indifferenza,
il destino delle posate e piatti prigionieri, lentamente
si disfano in argilla e ruggine mortale.
Le cose muoiono senza panico mentre guardiamo
distratti il vento che solleva le tende della stanza.
Soltanto le cose sono nitide e hanno un'anima, e credono
nella vita eterna.
A mesa da família
Madeira crestada de tempo.
Resina impregnada de tempo.
Assim a mesa e a família reunida,
e os riscos de faca no cerne da madeira,
e o vinho derramado, a mancha,
o sal, a lágrima, sol na madeira.
A mão que alisou o sulco, o veio,
a mão gretada de tempo: madeira.
Árvore noturna caída, pelo machado ab
árvore de tempo plantada.
A volta da mesa, sentados, o pai
a mãe, os filhos: álbum de retratos.
A mesa permanece no meio da sala:
o mais: sombras.
Il tavolo della famiglia
Legno invecchiato dal tempo.
Resina impregnata di tempo.
Così il tavolo e la famiglia riunita,
e i rischi del coltello nella carne del legno,
e il vino versato, la macchia,
il sale, la lacrima, sole sul legno.
La mano che levigò il solco, la vena,
la mano graffiata dal tempo: legno.
Albero notturno caduto, abbattuto dall'ascia,
albero piantato dal tempo.
Seduti attorno al tavolo, il padre,
la madre, i figli: album di ritratti.
Il tavolo rimane in mezzo alla stanza:
o di più: ombre
Chuva antiga
A chuva escreve
hieróglifos
na janela
do ônibus.
Cada pingo
traça um sonho
cada sonho respinga
uma saudade
e desenha um rosto
na paisagem
que passa.
A chuva termina
o sonho acaba
e o ônibus vai embora
sem se importar
com teu rosto
e com meu sonho.
Pioggia antica
La pioggia scrive
geroglifici
sul finestrino
dell'autobus.
Ogni goccia
traccia un sogno
ogni sogno allontana
una nostalgia
e disegna un volto
nel paesaggio
che scorre.
La pioggia cessa
il sogno finisce
e l'autobus se ne va
e non gliene importa
del tuo viso
e del mio sogno.
Naufrágio
Para Guilhermino Cesar
O meu castelo
é o mar aberto
praias de areia branca.
Sou amante
de sereias
afogadas.
Faço meu jardim
de algas, anêmonas
e quimeras.
Vivo entre ameias
de cascos afundados
e arcas de tesouro.
Sou o que ficou
do meu próprio naufrágio.
Naufragio
Per Guilhermino Cesar
Il mio castello
è il mare aperto
spiagge di sabbia bianca.
Sono amante
di sirene
affogate.
Costruisco il mio giardino
con alghe, anemone
e chimere.
Vivo fra parapetti
di chiglie affondate e
arche del tesoro.
Sono ciò che rimane
del mio naufragio.
Silêncio
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes,
há o espanto da flor nascendo
abismo de pássaro noturno
riscando o espelho furtivo da memória.
(O silêncio é semente de algo mais antigo.)
No silêncio a vivência adelgaça
uma realidade de fruto.
Não penses que este silêncio
é simples ausência de vozes.
Silenzio
Non pensare che questo silenzio
sia semplice assenza di voci,
c'è lo stupore del fiore che sboccia
abisso di passero notturno
che graffia furtivo lo specchio della memoria.
(Il silenzio è il seme di qualcosa di più antico.)
Nel silenzio l'esistenza assottiglia
una realtà di frutto.
Non pensare che questo silenzio
sia semplice assenza di voci.
O caminho inviolável
Nem todos somos maus.
Há em alguns uma certa ternura.
Noutros uma maneira especial de sorrir.
Nos cumprimentamos corteses na rua,
apertos de mãos macios, leve mover de lábios.
E continuamos o caminho inviolável.
Il cammino inviolabile
Non siamo tutti cattivi.
In alcuni c'è una certa tenerezza.
In altri, un modo speciale di sorridere.
Ci salutiamo cortesemente per la strada,
aperti con mani morbide, lieve movimento di labbra.
E continuiamo soli il cammino inviolabile
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6 Includes 60 poets in Portuguese and English
Ex. bibl. Antonio Miranda
Sou brasileiro
Por trás da janela
vejo o país
que me condena:
cidades e campos,
rios e ruas
na retina.
Prisioneiros somos
da perspectiva
que nos afasta
do que é em nós
mais terra e sangue.
Por isso nos escondemos
atrás de mesas executivas,
folheamos manuais
de covardia.
Há de chegar o dia
dizer
com orgulho: brasileiro,
muito prazer.
I´m Brazilian
Through the window
I see the country
which condemns me:
cities and fields,
rivers and streets
in the retina.
We are prisioners
of the perspective
that keeps us away
from what is in us,
more earth and blood.
That´s why we hide
behind executive tables,
leaf through manuals
of cowardice.
The day is coming
to say
with pride: Brazilian,
please to meet you.
MEYA PONTE. REVISTA QUADRIMESTRAL DE LITERATURA. No. 16 Editor: Arnaldo Sarty. Pirenópolis, Goiás: 2003. 162 p. 16 x 22,5 cm.
Só a canção conhece
1
Sombra de uma sombra
sou
pelo caminho
e dou-me feito dor
de quem perdeu
o destino
mas não o sentido.
O caminhar se faz
do impressentido
voo.
Tateio na luz
tal cego
no diamante.
FEITO PÉROLA
de uma concha
subitamente alerta.
Chaga aberta
no peito
sem desejo
procuro
o obscuro
o odre de água
fresca
no escuro.
Palavra de um deus
mordido
no calcanhar
ecoa no ar
escoa ar
entoa ar
e entorna
água votiva
volitiva
vomitiva.
Palavra a ser
dormida
comida
na ceia
e na cama
entre seios
entre pernas
de quem
ama.
Entre liames
e ciladas
sou homem
defendendo
um nome
sou homem
combatendo
a fome.
2
Sombra perdida
na esquina
da vida
dádiva de um deus
primitivo
e esquivo
vou e voo
em vão em voltas
de uma luz eterna
envolto
em trevas
e travas
Nada sei de um deus
que me desencaminha
feito agulha e linha
tecendo sombra e
sombra
entre dourados e
sóis
e
sóis
SOU
Bato na porta do tempo
e ecoa o vento
o oco o
o ovo
o povo
o polvo
o pó.
3
Órfão de um deus
num jogo de dados
ainda assim sou
guerreiro
e sol
dado
lutando a favor
e contra
na labuta
dos dias
no amanho
da terra
no assalto.
4
Bárbara a voz
apruma em canto
a desvalia.
O que alia pranto
desencanto
de querer ser mais
o sonho a porfia.
Arremesso e fuga
música
e nota
astronauta
DE UMA OUTRA
ETERNIDADE
Sombra entre sombras
somos
só o amor amanhece
só a canção conhece.
*
Página ampliada e republicada em janeiro de 2023
*
Página ampliada e republicada em janeiro de 2022
***
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_grade_sul/rio_grande_sul.html
Ampliada e republicada em outubro de 2017; ampliada em agosto de 2018; ampliada em setembro de 2019; página ampliada em dezembro de 2020
Página ampliada e republicada em dezembro de 2020; ampliada em janeiro de 2021
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