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JOAQUIM MONCKS
Oficial de Polícia Militar, na reserva; advogado, ativista cultural e escritor. Nasceu em Pelotas, em 29 de setembro de 1946. Deputado estadual constituinte, 1987/1990. Nove livros publicados, ressaltando Bula de Remédio, poesia, 2005, e Confessionário - Diálogos entre Prosa e Poesia, 2008. Para 2013, está o seu primeiro paradidático: A Poesia sem Segredos. Coordena as ações poético-culturais da Casa do Poeta Brasileiro - POEBRAS Nacional, que está articulada em 77 sedes municipais em 20 Estados da Federação. Oficineiro de Poesia em vários grupos presenciais e internéticos, com atuação no Brasil e na América Latina. Divide-se entre Porto Alegre/RS e Passo de Torres/SC. Endereços eletrônicos: joaquimmoncks@gmail.com; http://www.recantodasle tras.com.br/ autores/moncks.
Extraído de
COLETÂNEA DE POESIA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA. Organizador Dilan Camargo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2013. 354 p. ISBN 978-85-66054-002 - Ex. bib. Antonio Miranda
INAUGURAL
A insônia acorda todos os silêncios.
Sinos badalam nos olhos a insurgência.
A alma ereta tartamudeia inquietudes.
O hoje é o ontem bocejando a esperança.
O tempo parece não haver nascido antes.
Dentro de mim — por pirraça — o dia
recusa o nascimento.
A única mágica possível é o estar vivo
sob todos poros e esperanças.
Somente a Poesia percebe a insolência
da palavra
e solfeja num sonolento bocejo:
— Festejemos o dia seguinte,
nele está o futuro, de lambuja...
No jardim, levantam-se os girassóis
e o sol inaugura a manhã sem alarde
nem bocejos de cansaços.
A insônia acorda todos os silêncios.
O HORIZONTAL E O VERTICAL
"... homens que caminham do tamanho de fiapos de lã...". "Meu triste eu", poema. Do livro "Uivo e outros poemas", Allen Ginsberg, 1956.
O sol bebe o orvalho nos rituais do luminoso amanhecer.
Há pouco, a cidade dormia em sua placidez de asfalto.
Pessoas e veículos, na cotidiana algaravia,
começam a se movimentar.
É segunda-feira.
A manhã desvela a burca nevoenta e libera as pestanas.
Os olhos recém-acesos são lumes no inverno brando
da megalópole.
O metrô passa cuspindo a pressa dos trabalhadores
e os fios energizados soltam chispas sobre os trilhos.
Os edifícios esgueiram-se, postados um rente ao outro.
São espécimes de argamassa, luzes e vidros colossais,
contendores no jogo de força bruta - ringue
de fazer engordar o dinheiro.
Esparramam-se nos campos urbanos da aldeia global.
Máquinas e operários despejam o concreto quase líquido
nos quadros de aço e madeira e vão construindo
a ossatura de mais um gigante.
Há o rescaldo ecológico de pouca inteligência
a favor dos humanos,
que se mexem e remexem numa lerdeza pacienciosa.
Ocupam o exíguo espaço horizontal
e o espigão se alonga numa torre de babel.
Os uniformes proletários originalmente em bando
ao entrar nos portões,
fungam brutalidade/presteza em grupos
sobre ferros e argamassa
para afeitar abrigos de cama e mesa,
na urgência do prazo contratual.
Confronte, ao rés-do-chão, um grupo de mendigos e desocupados
faz uma festa anárquica sob a marquise do edifício:
doses de álcool nas veias (crack e marijuana nas ventas)
aplacam a fome.
Tornam o entorno admiravelmente humano e perigoso.
O grupo de jovens atravessa a rua à larga de passos e gestos,
atemorizados.
Logo mais, no pátio da escola, teremos a tolerância das descobertas
do viço juvenil, tão convidativo como as camas fofas do apart de defronte.
Um jovem casal à janela do prédio madruga
em roupas íntimas e troca carícias.
O senhor maduro caminha ereto e apressado
dando curso ao passeio matinal.
Soa a sirene escolar.
Em sala de aula, o professor de literatura
recita um poema de Vinícius de Moraes,
transmutando o momento.
A vida se cumpre nos seus vários matizes
de humanidades.
Tracejam-se destinos.
O edifício continua crescendo.
De repente, do alto, esborracha-se na calçada
um corpo.
Há mais de mês o cinto de segurança estava com defeito,
denunciam os obreiros.
A ambulância chega, com toda a estridência ululante
de rainha déspota
absoluta e arbitrária como a morte.
São Paulo, 22a Bienal Internacional do Livro, 21a andar do Brasília Small Town, em 13/08/2012.
A ASA DO FUTURO
O pássaro rufia entre ramas.
Alça-se ágil no espesso de folhas.
Sopra a natureza extremada:
canto e asas.
Imagina-se o cérebro humano assim
— álacre —
sobre o tapete
das experimentações.
Curva-se a Providência
aos desígnios de criado e criador.
Palavras no poema são pássaros
desacomodados de mundo e fatos.
Subtraem-se os pássaros-neurônios:
asas batendo no véu das insatisfações.
O absurdo comete o poema:
mala sem alças, impossível de carregar.
Somente o vício de saber-se sacrílego.
0 ritmo é agonia — a asa do futuro.
LATINIDADE: I COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDDE DE CULTURA LATINA DO ESTADO DO MARANHÃO. Dilercy Adler, org. São Luis: Estação Produções Ltda, 1998. 108 p. Capa: Carranca – Fonte do Ribeirão – São Luís – Maranhão – Brasil Ex. bibl. Antonio Miranda
A ALMADAS COISAS
Bela esta tarde repleta de nuvens
belo o enredo do amar, em que choram
as chaves do corpo, a alma das coisas.
São alvos os caninos noturnos.
A agonia consciente e inconsciente
onde passeiam o ázimo sal do poente,
o azimute, o norte, a morte,
a bússola que nos orienta.
De tudo que nos é atento
lento é o visgo de quem vive pra dentro.
Salvam-se os salmos, remos da pureza:
mágicas canções, a clava dos que oram,
violão insensato nos olhos da aurora.
Lento é o visgo de quem vive pra dentro.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
POETAS BRASILEIROS. Porto Alegre: Sul-Americana, 1992. 160 p. (Col. Poetas Latino-americanos, v. 1) Capa: Chico Quevedo.
Revisão final Português: Luciana Fim Wickert. Revisão final Português: Hector R. Pastorim. edição bilingue Português-Espanhol. Ex. bibl. Antonio Miranda
Guitarra
(in memoriam de Cecilia Meirelles)
No ponteio triste a solidão dos deuses,
quase lamento
— dibujos de soledad
y se murieron los condenados. —
O vento ficou mais frio
suspiro da natureza
prá que sejamos mais criaturas.
Ponteio da guitarra, ponte e silhueta
entre o que sou e o que penso
e o inatingível nada;
somente a eterna arte
que nos faz tão puros
e mais solitários
em nossa aflição.
II
Silêncio da platéia
e a voz do cantor
para a alegoria
de meus desenhos de sangue
— ausência são paridas
com gosto de vida e sal —
Corpo tomado de susto
transido de azul o ancestral
e o medo que nos acha os pêlos.
A descoberta de minha mão
grafando o branco
é esta luz
subterrânea e fugidia.
como a última nota
que sai
feito um lamento.
III
Saltitam as notas na guitarra
qual um brinquedo
que me conduz
aos jardins do Éden.
Pequeno subúrbio de soledade
onde ficam os meus sonhos?
Nos confins do mergulho
há confluência entre os espaços
em que piso e salto.
Brasa nos olhos, sei de nós
feito um arpejo que se perdeu no éter.
E o que sei é muito pouco
para viver feito peixe
rito de viver, boca presa.
IV
Pulsa o coração o limite
que me rodeia, saltimbanco
de mil passeios.
Canto o amor que é sem limites
que me povoa, perambula
nas estepes dos olhos
entediado
feito um fado de saudade
fato precioso
para encobrir o tédio.
Já não tenho nos braços
esta ânsia de enlaçar-te
mas não morre o desejo
de abrir-me aos abraços.
Dos braços em cruz fica o gesto.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução por Washington Gularte
e Roberto Mara l(de Catia Corrêa)
Guitarra
(in memorian de Cecilia Meirelles)
En el punteo triste y ermitaño de los dioses,
casi lamento
— dibujos de soledad
y se murieron los condenados. —
El viento quedó más frío
suspiro de la naturaleza
para que seamos más criaturas.
Punteo la guitarra, puente y silhueta
entre lo que soy sy lo que pienso
y la intantible nada;
sólo el arte eterno
que nos vuelve tan puros
y más solitários
en nuestra aflicción.
II
Silencio en la platea
y la voz del cantor
para la alegoria
de mis dibujos de sangre
— son paridas ausências
com gusto de vida y sal. —
Cuerpo tomado de susto
transido de azul lo ancestral
y el miedo que me heriza los pelos.
El descubrimiento de mi mano
signo el blanco
subterrânea y fugitiva
como la última nota
que sale
hecho un lamento.
III
Saltican las notas en la guitarra
tal cual un juguete
que me conduce
a los jardines del Edén.
Pequeño subúrbio de soledad
¿dónde se encuentran mis sueños?
En los confines de la zambullida
existe confluência entre los espacios
que piso y salto.
Brasa en los ojos, sé de nosotros
hecho un arpegio que se perdió en el éter.
Y lo que sé es muy poco
para vivir, heco pez
rito de vivir, boca presa.
IV
Pulsa el corazõn el limite
que me rodea, saltimbanco
de mil paseos.
Canto el amor que es in limites
que me Puebla, sin rumbo
en las estepas de los ojos
hastiado
hecho un fado de nostalgia
traje preciosos
para cobrir el tedio.
Ya no tengo en los brazos
esa ansia de enlazarte
mas no muere el deseo
de abrirme a los abrazos.
De los brazos en cruz resta el gesto
*
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Página publicada em janeiro de 2022
Página publicada em maio de 2018. Página ampliada em outubro de 2019
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