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Estátua no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Estância da Harmonia) Porto Alegre-RS em homenagem a Jayme Caetano Braun, obra do escultor Vinicius Ribeiro.

 

JAYME CAETANO BRAUN

(1924-1999)

 

 

Jayme Guilherme Caetano Braun (Timbaúva, 30 de janeiro de 1924 — Porto Alegre, 8 de julho de 1999) foi um renomado payador e poeta do Rio Grande do Sul. Era conhecido como El Payador e por vezes utilizou os pseudônimos de Piraj, Martín Fierro, Chimango e Andarengo. Biografia completa em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jaime_Caetano_Braun

 

 

BRAUN, Jayme Caetano.  De fogão em fogão.  Porto Alegre, RS: Artes e Ofícios, 2002.  160 p.  Capa: Andrea Paiva Neves. Ilustração da capa: Berega.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

         GALO DE RINHA

Valente galo de rinha,

guasca vestido de penas!

Quando arrastas as chilenas

No tambor de um rinhedeiro,

No teu ímpeto guerreiro

Vejo um gaúcho avançando

Ensangüentado, peleando,

No calor do entreveiro !

 

Pois assim como tu lutas

Frente a frente, peito nu.

Lutou também o xirú

Na conquista deste chão...

E como tu sem paixão

Em silêncio ferro a ferro,

Caía sem dar um berro

De lança firme na mão!

 

Evoco nesse teu sangue

Que brota rubro e selvagem.

Respingando na serragem,

Do teu peito descoberto,

O guasca no campo aberto,

De poncho feito em frangalhos.

Quando riscava os atalhos

Do nosso destino incerto!

 

Deus te deu, como ao gaúcho

Que jamais dobra o penacho,

Essa de altivez de índio macho

Que ostentas já quando pinto:

E a diferença que sinto

E que o guasca, bem ou mal!,

Só luta por um ideal

E tu brigas por instinto!

 

Por isso é que numa rinha

Eu contigo sofro junto,

Ao te ver quase defunto.

De arrasto, quebrado e cego,

Como quem diz: "Não me entrego,

Sou galo, morro e não grito,

Cumprindo o fado maldito

Que desde a casca eu carrego!"

 

E ao te ver morrer peleando

No teu destino cruel.

Sem dar nem pedir quartel.

Rude gaúcho emplumado.

Meio triste, encabulado,

Mil vezes me perguntei

Por que é que não me boleei

Pra morrer no teu costado?

 

Porque na rinha da vida

Já me bastava um empate!

Pois cheguei no arremate

Batido, sem bico e torto ..

E só me resta o conforto

Como a ti, galo de rinha,

Que se alguém dobrar-me a espinha

Há de ser depois de morto!

 

 

         CINTO DE COURO DE LONTRA

       

        Meu velho cinto — relíquia
         Que assim no mais não se encontra,
         Te fiz de couro de lontra
         Caçada no banhadal,
         E gravei-te no metal
         Da fivela em ferradura
         A marca e a miniatura
         Da cabeça de um bagual!

        
         O pelo deixei de fora,
         Pois te curti ao natural,
         Ficou pra dentro o carnal
         Retovado de pelica,
         E dessa forma se explica
         Como pode um peão de estância
         Usar com tanta arrogância
         Enfeite de gente rica!

 

         Me lembro — com que saudades! —
         Como esse pelo brilhava,
         Quando num jogo de tava
         Sacudia uma clavada,
         E, ao recolher a parada,
         Tu te assanhavas, guaiaca,
         O mesmo que jararaca
         De garganta escancarada!

 

         Muitas chias cobiçaram
         Tua maciez de veludo!
         E se algum chiru crinudo
         Te desdenhou de soslaio
         Caiu-lhe de plancha o raio
         De minha adaga por cima,
         Pois traste de minha estima
         Não é farra de lacaio.

 

         Nas vendas e pulperias,
         Nas quitandas e barracas,
         Talvez que muitas guaiacas
         Fossem mais lindas que tu,
         Mas, meus olhos de chiru,
         Por força de algum instinto,
         Te fizeram, velho cinto,
         Meu orgulho de índio cru...

 

         Se pra topar a parada
         De algum maula quebra-freio,
         Na cintura te arrodeio
         Virado de trás pra diante,
         O piá mais ignorante
         Bombeia de ti pra mim,
         Pois quem usa um traste assim
         Joga e peleia bastante.

 

         E hoje que o correr dos anos
         Te deixou quase lonqueado,
         Ainda te trago apertado
         Sobre as ilhargas e a faixa
         E como uma cobra guaxa
         Debruando minha sorte
         Te levarei até a morte
         Ajoujado na bombacha!

 




BRAUN, Jayme Caetano.   Paisagens perdidas.  2ª. edição.  Porto Alegre: Martins Livreiro – Editor, 1997.  69 p.

Ex. bibl. Antonio Miranda.  Doação do livreiro Jose Jorge Leite de Brito, em 2021. 

 

DA TERRA NASCERAM GRITOS 

Mataram meus infinitos
e me expulsaram dos campos?
da terra nasceram gritos
dos gritos brotaram cantos!

E me fiz canto
de tropeiros e ervateiros
rasgando sulcos,
com arados e saraquá;
nas alpargatas dos "quileiros" e "chibeiros",
andei as léguas
de Corrientes e Aceguá.

Meu canto é rio,
meu canto é sol,
meu canto é vento,
seu tenho pátria,
eu tenho berço,
eu tenho glória,
eu só não tenho terra própria
porque a história
que eu escrevi,
me deserdou no testamento.

De qualquer forma — bem ou mal,,
não me emociono,
com os que combatem
as verdades do meu canto;
sem ter direito a comer,
nem o que planto,
só não entendo,
é tanta terra
e pouco dono!

Mas mesmo assim,
tenho pra dar,
um outro tanto,
se precisarem do meu sangue
noutra guerra;
mesmo sem terra,
hei de voltar grito de terra,
pelo milagre
das espigas do meu canto!!!

 

 

       CHUVARADA

Aí foi o mate,
meu patrício,
agarre,
chupe no mais,
enquanto a chuva passa,
que apague o pó,
que faça lodo,
embarre,
que a seca é braba,
de sair fumaça!
a "manga " é grande, meu patrício,
olhe,
já fez lagoa,
no moirão da frente,
deixe no mais,
o seu "recau"* que molhe,
senão a chuva para,
de repente!

Espanta a chuva, muitos dizem,
creio;
é que não presta recolher arreio,
tempo de seca,
quando o céu embarra.
bombeie só que chuva,
meu patrício,
algum "maumau" do céu,
que desperdício,
abriu o fundo do barril,
por farra!

* Recau: arreio.       

 

 

        TACUAPI

Tacuapi — gomo de cana,
falquejado e taquara,
por minha artéria dispara,
o sangue verde que irmana!

O "pai tupã" guarani,
que primitivos rituais,
me batizou "tacuapi"
para o licor dos ervais"!

Nos lábios de uma guria,
ou na boca de um "ventena"
meu trono é a cuia morena
quando a mão me acaricia!

Agora — de prata e ouro,
ou de alpaca — simplesmente,
sigo sendo a confidente,
do "mal de amor" e namoro!

Hoje — na beira do povo,
na miséria do casebre,
inda guardo a mesma febre,
mas nada volta de novo...

Então sou clarim de guerra,
fazendo roncar o mate,
e fico a pensar na terra
que eu entreguei sem combate!

O mate se desencilha,
— já não tem água a cambona
só me resta na boquilha,
o beijo da minha peona!
 

 

PAISAGENS PERDIDAS

A tarde recolhe o manto,
— carqueja e caraguatá,
na corticeira um sabiá
floreia o último canto!
Alargando o gargarejo
da sanga que se desmancha,
há um eco pedindo cancha,
no primitivo falquejo;
a lua nasce num beijo
prateando o lombo do cerro
e um grilo acorda o cincerro
do meu retiro de andejo!
Paisagens de campo e alma
perdidas no vem e vai,
soluços do Uruguai
que bebe lua e se acalma;
a noite passa à mão salva,
com ela vem a saudade,
olfateando a claridade
das brasas da estrela d´alva!

Nascem rugas no semblante,
paisagens da natureza
que a força da correnteza
não pode levar por diante;
então exigem que eu cante,
quando me encontro desperto,
mas sempre que chego perto
meu sonho está mais distante!

Paisagens de sombra e luz,
como é que pude perdê-las?
Ficaram as "cinco estrelas"
fazendo o "sinal da cruz"!
 

 

BRAUN, Jayme Caetano.  Brasil Grande do Sul: payadas de campo e céuPorto Alegre, RS: Artes e Ofícios, 2002.  118 p.   14 x 21 cm  ISBUN85-7421-086-2
Ex. bibl. Antonio Miranda, doação do livreiro José Jorge Leite de Brito.

 

Fronteiros

...o grito de exaltação
de passado e de presente,
na invocação permanente
do homem que se preocupa
e carrega na garupa
este país-continente!

Sem figuras de retórica,
o andejo fronteiriço
foi isso e mais além disso
na definição histórica,
não a figura folclórica,
mas a estrutura — o esteiro,
que — após dominar o meio,
abarbarado e hostil,
se fez querência e BRASIL,
na guerra e no pastoreio!

E ocorreu nos quatro lados,
com PARAGUAY – ARGENTINA
e a PROVÍNCIA CISPLATINA,
os quatro irmãos falquejados
ao longo dos descampados,
nas lutas demarcatórias,
gestas emancipatórias,
da mesma lonca comum,
conservando — cada um,
o enfoque de quatro histórias!

Daí — o entrelaçamento,
permanente, das culturas;
águas de vertentes puras,
sob o mesmo firmamento,
o mesmo sopro do vento
penteando os mesmos umbus,
os mesmos impulsos crus,
domando as mesmas distâncias
e a gama das mesmas ânsias
que moldaram os chirus.

Como é linda esta fronteira
que não divide países,
mas acentua matizes
da mesma origem campeira,
frutos da saga guerreira
que se agiganta na paz,
um rio que leva e traz,
um céu e um sol que alumiam,
juntando os que se extraviam,
sempre ao tranquito “no más”...

Roncos das mesmas cordeonas,
e rasguidos de guitarras,
que são cantos de cigarras,
das mesmas notas gavionas,
são paisanos e sia donas,
de quatro pátrias amigas,
guardando linhas antigas
que definem quatro histórias,
mas com linhas divisórias
que não atacam cantigas...

Crises — penares e ânsias,
alegrias — sofrimentos,
vão — no vai e vem dos ventos,
espalhando ressonâncias,
nas lavouras — nas estâncias,
nas vilas e na cidade,
porque o homem-liberdade
que vem dos tempos, — do fundo,
em qualquer parte do mundo
tem a mesma identidade!

Ele é uma parte do meio
e nele grava o seu poema,
nessa altivez que é o emblema
dos homens do pastoreio!
dormiram sobre o arreio,
nos vendavais da conquista,
hoje — perdidos de vista,
tempos que não vão voltar,
procuram se adaptar
ao todo universalista!

Tenteio o mate — que irmana,
quatro pátrias desenhadas,
na geografia abraçadas,
sobre a terra americana,
a nobreza castelhana
e o caráter lusitano,
o índio xucro pampiano
bugres – negros – bandeirantes
e mais tarde — os imigrantes,
chegados de além oceano.

Mesma origem — mesma sina,
mesma ideia espiritual,
mesma força universal
essa América Latina
que um sistema discrimina,
esmaga — matas e explora.
Parece chegada a hora
desse mundo espezinhado
mandando o intruso embora!

Cuia

A cuia de chimarrão
sempre em constante arrodeio,
a mim me parece o seio
da china que a gente adora,
querendo sair pra  for
à espera de um manuseio!

E não existe malícia
em manusear o que é lindo,
— um seio que vem saindo
à espera de uma carícia,
a velha cuia patrícia,
entre o silêncio e a prosa,
aninha na mão calosa
todo seu doce contorno
que vai se tornando morno
como apojo de barrosa.

O índio sente — ao pegá-la,
com toda a delicadeza,
o feitiço de beleza
que enternece e embuçala
deixando de lado a fala,
porque a fala nada expressa
e o círculo recomeça
seus milênios de existência
na eterna circunferência
do nomadismo sem pressa...

Desse ambiente só podia,
sair mesmo — o que saiu,
o índio pampa — arredio,
mesclado com ventania,
produto da geografia,
com sopros de tempo largo,
desde que teve o encargo
de fazer pátria e fronteira
que a bugra mãe feiticeira
batizou com mate amargo!

Poesias e devaneios,
galopeados tantos anos,
rastreadores e vaqueanos,
potreadas e pastoreios,
o rangido dos arreios
e a melena sem chapéu,
chiripá — lança — sovéu,
clarinadas e repentes,
a barra dos horizontes
e os caibros altos do céu...

Esse quadro — essas paisagens,
seguem desfilando — a cores,
na cuia dos mateadores,
atores e personagens,
as legendas e as miragens
longe no tempo extraviadas,
lembranças velhas alçadas
que passeiam e se agitam,
quando as brasas ressuscitam
as saudades machucadas.

 

*

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2022.

 

* 

 

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www.antoniomiranda.com.br

 

Página publicada em julho de 2021

 

 

 

Página publicada em março de 2018
        

 

 

 
 
 
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