J. C. CARDOSO GOULARTE
JOSÉ CARLOS CARDOSO GOULARTE - Natural de Viamão, RS, professor, jornalista, poeta, Prémio ARI/92 com o Especial Açores, realizado numa parceria TVE/RS e RTP (Rádio e Televisão Portuguesa). Livros coletivos publicados: Há Margem (1975) e Antologia do Sul (2001). Livros individuais publicados: Incunábulo (1977) e Filhas do Povo (1990).
Extraído de
COLETÂNEA DE POESIA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA. Organizador Dilan Camargo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2013. 354 p. ISBN 978-85-66054-002 - Ex. bib. Antonio Miranda
À LA RECHERCHE DES SENTIMENTS PERDUS
Por onde andas, pequena garça
que não te vejo mais na solidão da lagoa?
Palmilhavas a orla, para lá
para cá, como quem buscasse —
esquecida do próprio alimento,
sentido pra orla...
pra lagoa...
Quem sabe até pra o dia que findava igual.
Por onde andas, pequena garça
com teus suspiros sentidos
indefinidamente prodigalizados
na surdina da tarde grande
evanescente?
Por onde andas,
que nem sequer vislumbro tua silhueta branca
tão alva,
alçada contra o paredão da noite
que diuturna se insinua, aproximando sorrateiramente?
Andas por onde, andas por onde
escolha dentre as tantas.
De certo que te foste para não voltar,
estriga flutuante da paineira ao vento.
Meus olhos de ver, já não te enxergam mais.
E ao meu olfato já nenhum vestígio teu acode.
(Só meu peito cingido
luta,
ainda e obstinadamente,
na busca minuciosa desses afetos perdidos.)
PESSOAS
Tem pessoas,
que a gente vê todos os dias
abundantes, cintilantes...
E é bom. Muito bom.
Tem outras —
abundantes, cintilantes... iluminadas
que certamente fomos condenados
a ver pouca vez na vida;
alguns parcos decursos de deslumbramento,
e só.
Ah! Flor, flor...
Penso em ti sem te ver a tarde toda.
Mal define a manhã, penso em ti
(no acalanto talvez da esquina repentina
pelo que o destino encerra
pelo que a vida ensina)
até que possas emergir, plena noite
do fundo da escuridão dos meus sonhos.
Ah! Flor, flor, flor...
Discreta violeta, corola vespertina
alça-te do escuro verde-escuro da ramagem,
entesa tua pequena haste adunca
e mostra tua cor, libera teu perfume...
Aceita enfim a ânsia invasora que te traz o mimo
deste orvalho,
antes que nos surpreendam
as primeiras luzes da claridade precursora.
DIA DESSES
Dia desses,
me jogo no vazio feito um gato maluco
que despencasse do telhado
entregue à sedução de miragens bizarras
incontroláveis.
Ah! Andorinha leve
de olhos vivos e mirada breve
de língua doce.
Prazer imenso em te apanhar em voo!
Ah! quem não se excitaria com teus arremessos,
mergulho exato dos beirais mais altos
para bailar na tarde antes do aguaceiro
entre as mariposas,
parceiras e alimento.
Dia desses,
como um pássaro migratório
(precipitada e antecipada)
te vais embora
levando contigo as tardes lindas de verão.
E terás, então
(porque me demorei na busca do tempo certo!)
me roubado definitivamente a chance única
de te apanhar em voo
e nos estatelarmos no chão,
prazeirosa tragifelinoandorinhescamente.
Agora,
a sério, companheira:
já que o que sucede ou é mera contingência
ou engenhosa artimanha de impetuosa ousadia,
por que tu não colocas de vez a tua língua toda dentro
da minha boca?
Ou deixa que eu o faça!
Página publicada em maio de 2018
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