HUMBERTO ZANATTA
HUMBERTO GABBI ZANATTA - Nasceu em Taquaruçu do Sul, em 24 de julho de 1948. Mora em Santa Maria e São Sepé, desde os dois anos de idade onde fez, praticamente, toda sua formação escolar e universitária. Professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria. Escritor, individualmente e em parceria tem mais de 20 livros publicados, sendo dez de literatura infantil. Compositor-letrista nativista, é autor de uma centena de músicas, muitas premiadas e populares, destacando-se, "Tropa de Osso", "Não Podemo S'Entregá Pros Home", "América Latina", "Cria Enjeitada", "Minuano", "Léguas de Solidão" e "Lições da Terra". É sócio-fundador da Associação Gaúcha de Escritores, membro da Academia Santa-Mariense de Letras e integrante da Estância da Poesia Crioula.
Extraído de
COLETÂNEA DE POESIA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA. Organizador Dilan Camargo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2013. 354 p. ISBN 978-85-66054-002 - Ex. bib. Antonio Miranda
LIA
Na clara tarde
De primavera
Lia espera
Sem muito alarde.
Lia espera
Mesmo sabendo
Que escrevendo
Não se supera.
Lia espera
Quando queria
Mas não sabia
Ler destempera.
Ler destempera
Exige mais
Que ler espera
Dormência ou Paz.
Lia esperou
Anos a fio
E não cansou
Dos desafios.
Lia que lia...
Se bela ou fera
Pouco sabia
D'outra quimera.
Camões relia
Então sabia
Da longa espera
Da outra Lia.
CORDEIRINHOS
Brotaram nuvens na montanha
inatingível
para que não fossem perturbados
ou inseminados
artificialmente
os cordeirinhos e ovelhas
dos anjos do Senhor.
Aliás,
Não só dos anjos!
Mas
de todos os humanos
de todas as idades
que sabem ver
mais do que aviões no céu
de brigadeiro
de brigadianos
de pilotos concentrados
ou terroristas
atrevidos.
Há mais do que nuvens no céu
para além do que nossos olhos vêem.
As mil e uma formas (o)usadas
da criatividade infinitamente
dis/forme
que não se prende a pré
conceitos
cavalares e bovinos.
Deixai nos céus e na terra
que as nuvens-ovelhas
-cordeiros-carneiros in
Dóceis
prossigam balindo e bailando
como é próprio desses seres levemente
diáfanos e transformistas.
Nos céus e na terra
carneiros-cordeiros-ovelhas
continuem encantando o mundo
tão desencantado de afeto perceptível.
E pão! E pasto! E paz!
Deixai que os carneirinhos e as ovelhinhas
do céu
Balam sua divina ternura!
Mas
vigiai e orai!
Porque não sabeis nem o dia nem a hora
em que (alguns) Pastores
pertubarão outras ovelhas e carneirinhos
inocentes
pertencentes ao aprisco do (Bom) Pastor.
CAVALO DADO
A cavalo dado
não se olha os dentes!
Olhemos, então, os cascos,
as patas e as ferraduras.
Num primeiro momento, servem
para defini-lo:
Qua-drú-pe-de!
Óbvio, direis!
Óbvio e singelo como convém
aquém quadrupeda.
No en(tre)tanto,
um cavalo sem que se lhe olhe os dentes
poderá fazer muito com suas patas,
cascos e ferraduras. Basta
que se lhe dê
cancha e pasto. E não será preciso
nem freio nem espora.
0 cavalo se presta
— menos que seu dono —
para essas prosaicas artimanhas
de freios e rodeios
de guerras e emboscadas
de traias e tramóias
em nome da paz e do convívio
vívido
dos vivos
que transporta sobre o lombo
sem sentir.
Sem sentido! Sentido! Armas!
Cavalos e homens pastam
e desfilam solenes,
empertigados, empostados e pilchados
nas ruas e palacetes
com relho e cassetetes.
Tropel de amotinados!
Freio e torniquetes,
cercas elétricas e rações
sensações, aramados, alçapões.
Depressão!
O cavalo não se importa
com sua perna torta!
Os homens é que querem vê-lo intrépido,
fogoso, garboso, sequioso, faminto
para além das patas e dos dentes.
Os cavalos valem tanto e quanto e muito e mais
do que pesam!
Quando marcham, correm, saltam e
não tropeçam e nem caem.
O universo-mundo cavalar
é imenso e não tem nome
como os homens-cavalos
a puxar carroças para enganar
a fome. Que tem nome!
Página publicada em maio de 2018
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