HERNANI DE CARVALHO SCHMITT
1897 - 1967
(Alegrete, Rio Grande do Sul, Brasil)
CANÇÃO DAS HORAS MORTAS
Na tristeza augural da tarde que agoniza
como uma emocional rosa de outono,
vejo as folhas que caem
uma por uma,
num lírico abandono
da árvore primeira que se faquiriza.
“As árvores são emoções da Natureza”
e, cada folha que cai
é um grito de beleza
no silêncio augural da tarde que agoniza,
é um farrapo de vida que se esvai...
Quando uma folha cai e amarelece e morre
ao leu do vento que a agita
na umidade do pomar,
eu vejo nessa folha uma Saudade.
E que não há-de?
se é um pedacinho da infinita
Alma da Terra
que vem, brilhando,
refletir o Sol e refletir o Luar.
Folha morta! Farrapo de ilusão!
Esquecimento!
dança, folha morta, ao leu do vento,
no seio maternal da terra fria.
S A P O
Repelente batráquio. Alma triste e soturna.
Feio e rude anima que o frio paul povoa.
Ama em êxtase mudo a beleza noturna
de paisagens sem cor em bordos de lagoa.
Cismador infeliz que em vendo a luz se enfurna,
porque a luz que o deslumbra é a mesma que o atraiçoa.
Por todos repelido, a um pesar que o magoa
mesto regouga e coaxa, orquestrando na furna.
No entanto, é justo e bom — ó anuro angustiado!
Bem puderas, assim, ser menos desgraçado
na humildade feliz de uma vida lacustre.
Mas eu louvo e bendigo teu fadário triste,
pelo que possa haver e por tudo que existe
de beleza ou de horror no teu sonho palustre!
CEGONHA
Heráldico pernalta. Comovida
ave enigmática e dolente.
À tarde, à beira d´água, ao sol poente,
lembras, na angústia, uma ilusão perdida.
Sempre sozinha assim... Tão recolhida
em ti mesma e ao mundo indiferente...
Vendo-te eu penso ver um poeta doente
ou um grande artista que falhou na vida.
Sofro contigo o teu tormento rude.
E é tão emocional a tua atitude
que eu penso até que já nem sabes voar.
Então, a mágoa que me invade é tanta,
que eu sinto um grande espasmo na garganta
e uma vontade imensa de chorar.
Poema extraído de
SCHMITT, Hernani de Carvalho. Revista Ibirapuitã. Fevereiro, 1938. Ano I: Número 2. p. 14.
HINO MUNICIPAL
Letra: Hernani de Carvalho Schmitt
Música: Antônio Luiz Bagnatti
Alegrete, Alegrete
Cidade continentina
Surgida em plena savana,
Nas guerras da Cisplatina.
Salve, salve
Augusta e bela
Centenária sentinela
Do nosso amado Rio Grande.
Plantada no pampa imenso
De pôr-de-sol sem igual,
És uma jóia engastada
No Brasil Meriodional.
Querência do audaz minuano
Também gleba do charrua,
Halo de glória e heroísmo
Na tua história flutua.
Na mais famosa epopeia
do hemisfério ocidental,
fez de ti o herói farrapo
legendária capital
Salve, pois
Augusta e bela
Centenária sentinela
Do nosso amado Rio Grande.
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BORBOLETA
Borboleta sutil. Doida de amor. Inquieta
devaneadora exul por sóis deslumbradores.
As tuas asas que são de irisados fulgores
“lembram sonhos de amor no coração de um poeta”.
No vórtice pagão dos teus carnais amores,
que em filosofando, a minha alma interpreta
o bem que hás de trazer, e a luxúria indiscreta
dos teus beijos fecundos explodindo em flores.
Tonta de amor e de erotismo tonta, incertas
são as voltas que dás, e vais, sinuosamente,
o perfume aspirando em perenal adejo.
E nas bocas sensuais das corolas abertas,
tens o espasmo do amor, e morres, languemente,
no supremo langor do teu último beijo.
CORUJA
Quer, no alto, o sol dardeje em rutilâncias de ouro,
ou prata vá diluindo o luar pelo infinito,
estremeço em te ouvindo o cantochão maldito,
o estribilho coral do teu canto de agouro.
Por escusa palude, à beira sangradouro,
urdes na alma do rude o organzim do teu mito...
Réquien de maldição é o teu estranho grito
na sonata feral das tuas irmãs, em coro.
Jamais te amou o velho a voz martirizante,
que lhe traz à pupila a visão lancinante
de um coveiro, cantando, a acenar-lhe da campa.
Mas amo-te, contudo, a voz que, assim, o açula,
quando, dentro da noite, o teu grito estridula,
no silêncio ancestral das taperas, no pampa.
Página publicada em junho de 2020
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