Fonte: http://chicoscataletras.blogspot.com
GUILHERMINO CÉSAR
(1908-1993)
Guilhermino César (Eugenópolis, 1908 — Porto Alegre, 1993) foi um escritor, jornalista, professor e historiador brasileiro.
Aos 19 anos, em Cataguases, foi um dos fundadores da Revista Verde, de caráter modernista, juntamente com Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Francisco Inácio Peixoto e outros . Publicou, em 1928, Meia Pataca, em parceria com Francisco Inácio Peixoto.
Mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde tornou-se cronista e crítico literário do Correio do Povo. Foi chefe do gabinete do governo de Ernesto Dorneles, professor da UFRGS, ministro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e Secretário da Fazenda.
Foi também presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Atuou na dramaturgia como diretor de algumas peças de teatro na década de 1940. Foi escolhido patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 1990.
Fonte: wikipedia
“Este é o núcleo de uma legítima poesia da resistência, alheia ao otimismo e distante da fé, mas traduzindo sempre um nobre humanismo. Nela reside a identidade da obra de Guilhermino César e, porventura, o fio subterrâneo que estabelece a unidade entre os múltiplos resultados de sua vasta produção intelectual.” Flávio Loureiro Chaves
“Poeta descritivo, fixa momentos da vida mineira, canta sua gente humilde, fala das velhas e históricas cidades, repara nos avances do progresso e da civilização. A vida dos trabalhadores das minas, que põe em contraste com a do campeiro, no poema a seguir reproduzido, iria interessar-lhe, mais tarde, focalizando-a, então, nas páginas do romance Sul.” Mário da Silva Brito
Obra poética: Meia-Pataca, em colaboração com Francisco Inácio Peixoto.
Campeiro de Minas Gerais
Campeiro mulato de sol
Você que dormiu
sem medo de bruxos, sacis-pererês
botando a cabeça fervendo de amores
no couro estendido...
Você não ouve ali perto
de dia de noite
a barulheira da boca da mina?
São filhos da nossa terra também.
Largaram a boiada no morro
serenatas nas ruas familiares
e foram pra noite de ferros tinindo
procurar a lua de metal
escondida nas montanhas duras
saltando depois nos cadinhos...
Você não está ouvindo o ruído dos pilões na baixada
triturando a pedra que vem do fundo
nos vagonetes ligeiros?
E aquele suor que os companheiros estão suando...
A gente pensa que é sangue
mineiro campeiro!
Eles deixaram a casa sonhando riqueza
e agora estão magros e feios.
Como você dorme bem
cansado das lidas campeiras,
Eles nem podem dormir sossegados:
a mina não fica sozinha um momento.
Mineiros que saem
mineiros que vêm
as máquinas sempre rodando.
Campeiro queimado de sol
vai ver o trabalho dos seus companheiros
nas galerias de ar frio
na noite constante!
Mineiro das minhas Gerais
você não acorda?
Vai ver o trabalho dos outros mineiros
dos mineiros-mineiros enterrados na mina
ouvindo os patrões em fala estrangeira.
Meia-Pataca — "Verde" Editora — 1928 — Cataguazes — Página sem
numeração.
VIAGEM
O destino? Cataguases.
Quero depressa chegar.
O motivo da viagem
não é segredo nenhum,
virá nas folhas de cá:
— Embarco pra Cataguases,
que lá me vão enterrar.
Por favor, façam depressa
o transporte para o chão
do meu corpo e seu fedor.
Não deixem pelo caminho
mazelas que foram minhas,
herói de infeliz amor.
Me arquivem logo no chão,
no frio barro vermelho
do outro lado do rio,
um pouco depois da ponte
(com licença do Ouvidor).
Cubram, idem, o monturo
com pedra, areia e cimento,
mas não deixem nenhum brilho,
nenhum sinal exterior
que inda aos pássaros engane,
que a visitas e coveiros,
jornalistas e parentes
recorde o silêncio escuro
em que dormindo me fique.
Depois, me larguem, me olvidem.
Que eu seja bem digerido
pelo chão de Cataguases,
reino de Minas, Brasil.
(in "Lira Coimbrã e Portulano de Lisboa",
Livraria Almedina, Lisboa 1965)
CAMPEIRO DE MINAS GERAISs
Campeiro mulato de sol
Você que dormiu
sem medo de bruxos, sacís-pererês
botando a cabeça fervendo de amores
no couro estendido...
Você não ouve ali perto
de dia de noite
a barulheira da boca da mina?
São filhos da nossa terra também.
Largaram a boiada no morro
serenatas nas ruas familiares
e foram pra noite de ferros tinindo
procurar a lua de metal
escondida nas montanhas duras
saltando depois nos cadinhos...
Você não está ouvindo o ruído dos pilões na baixada
triturando a pedra que vem do fundo
nos vagonetes ligeiros ?
E aquele suor que os companheiros estão suando...
A gente pensa que é sangue
mineiro campeiro!
Eles deixaram a casa sonhando riqueza
e agora estão magros e feios.
Como você dorme bem
cansado das lidas campeiras.
Eles nem podem dormir sossegados:
a mina não fica sozinha um momento.
Mineiros que saem
mineiros que vêm
as máquinas sempre rodando.
Campeiro queimado de sol
vai ver o trabalho dos seus companheiros
nas galerias de ar frio
na noite constante!
Mineiro das minhas Gerais
você não acorda?
Vai ver o trabalho dos outros mineiros
dos mineiros-mineiros enterrados na mina
ouvindo os patrões em fala estrangeira.
O DOENTE
Doente de poesia
não tem alívio nem cura
a menos que se interne
sozinho
no espaço incriado.
No diamante não serve; [e
demasiado claro.
Convém-lhe o resguardo
dos recém-nascidos:
olhos no escuro
vômito contido.
O mais é deixá-lo
gemer à vontade.
BALANÇO DA INSÔNIA
O minuto de pasmo
o baile nos Alpes
a flor numa nuvem
a brasa na mão.
O minuto do pasmo.
Carunchos na estrela
o Minotauro correndo
o dormir no balde.
Três relógios pretos
fazem tique-taque.
Dois bigodes roxos
o sêmen vermelho
na proveta azul.
Cinco senadores
no amém de Minas
um poeta sem os dáctilos
férias em Leixões.
O trilho que se apaga
a carne que se nega.
O bispo de tanga
o sapo no cálice
a égua no ourives
diamante no vento
a pulga na Fênix.
De noite, no claro,
o dia me exventra.
III RETRATO
Na sua incerteza
ninguém o doma:
é áspero.
Da própria incerteza
tira o caminho,
a razão, a mortalha.
Incerto quanto sonha,
fala, briga, trabalha;
no querer, na fome,
no afirmar-se alguém,
e ainda no jogo
do mais puro amor|
(origem da incerteza
em outro ser).
Fora da incerteza
não se deixa ver:
É ninguém.
POESIA SEMPRE. Minas Gerais. Número 5. Ano 3 Editor Geral: Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: MINISTÉRIO DA CULTURA / Fundação BIBLIOTECA NACIONAL, 1995. 242 p.
Exemplar biblioteca de Antonio Miranda
O doente
Doente de poesia
não tem alivio nem cura
a menos que se interne
sozinho
no espaço incriado.
No diamante não serve, é
demasiado claro.
Convém-lhe o resguardo’
dos recém-nascidos:
olhos no escuro
vômito contido.
O mais é deixá-lo
gemer à vontade.
Balanço da insônia
O minuto de pasmo
o baile nos Alpes
a flor numa nuvem
a brasa na mão.
O minuto de pasmo.
Carunchos na estrela
o Minotauro correndo
o dormir no balde.
Três relógios pretos
fazem tique-taque.
Dois bigodes roxos
o sêmen vermelho
na proveta azul.
Cinco senadores
no amém de Minas
um poeta sem os dáctilos
férias em Leixões.
O trilho que se apaga
a carne que se nega.
O bispo de tanga
o sapo no cálice
a égua do ourives
diamante no vento
a pulga na Fênix.
De noite, no claro,
o dia me exventra.
No mistério termino. Aqui me fico
entre uma cousa e outra, entre o ganir
da luxúria e os remorsos opacos,
nesta planície, neste monte, neste
mar onde homens e peixes, de mistura
com o amor e os nitratos, e as baleias,
exibem, nus, uma ambição qualquer,
uma ambição a mais no espaço, cheio
de velhas incertezas desdentadas.
No mistério pergunto. Para que,
se o mistério é que vem cobrir a minha
malograda nudez? Mas, não, pergunto:
perguntarei até não mais haver
senão o fim a perguntar — por quê?
III RETRATO
Na sua incerteza
ninguém o doma:
é áspero.
Da própria incerteza
tira o caminho,
a razão, a mortalha.
Incerto quando sonha,
fala, briga, trabalha:
no querer, na fome,
nos afirmar-se alguém,
e ainda no jogo
do mais puro amor
(origem da incerteza
em outro ser).
Fora da incerteza
não se deixa ver:
é ninguém.
*
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/minas_gerais.html
Página publicada em agosto de 2024.
Página publicada em agosto de 2008, ampliada e republicada em junho de 2009.
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