POESIA GAUCHESCA
GILBERTO CARVALHO
De
NEGRO DA GAITA
Porto Alegre: Edição do Autor,1981
NEGRO DA GAITA
Mata o silêncio dos mates
a cordeona voz trocada,
e a mão campeira do negro
passeando aveludada
nos botões chora segredos
que ele juntou pela estrada.
Quando o pai, que foi gaiteiro
desta vida se ausentou,
o negro piá solitário
tal como pedra rolou
e se fez homem proseando
co'a gaita que o pai deixou.
E a gaita, se fez baú
para causos e canções
do negro que passa a vida
mastigando solidões
e vai semeando recuerdos
por estradas e galpões.
Quando o negro abre esta gaita
abre o livro da sua vida
marcado de poeira e pampa
em cada nota sentida.
LAVADEIRAS
Na singeleza do ritual da lida
ela matiza ao sol dias inteiros,
e o rio que faz possível seu labor
recebe em oferenda roupa e cor
nas pedras do "Porto dos Aguateiros".
Na mão sofrida da mulher morena
o suorda trouxa enorme ganha o rio
e é ele que de noite, feito pão,
vem para a mesa pela mesma mão
que acende a lamparina de pavio.
Na madrugada, quase por silêncios,
o rio faz serenatas nas cachoeiras,
e os cantos que ele tem não são das águas
são dos ranchos costeiros, são das mágoas,
que embalam o lavar das lavadeiras.
Sonhando um mundo melhor
vai ela estendendo a vida,
nestes poemas de cor
com a cor da roupa estendida.
VELHO CANTOR
ou canto ao guitarreiro do amanha
Como figura surgida
do ventre fundo dos anos
sua estampa de Fronteira
sacudida de Minuanos
se derramava em guitarra
pêlos fogões campechanos.
Era o pago que encarnara
com toda baguala essência
neste campeiro Quixote
que cruzava a existência
palanqueando as tradições
de sua velha querência.
Contava até que de noite,
quando solito estradeava,
se o vento no alambrado
lê debochando assoviava
ele então de contra-ponto
junto do vento cantava.
Onde andará o guitarreiro
já ninguém pode saber,
quem sabe se foi ao vento
novos cantos aprender,
quem sabe se fez guitarra
para cantando volver...
nas mãos de novos cantores
num eterno renascer!
ANDARENGO
No relógio das planuras
as mãos e patas do baio
são qual ponteiros de prata
a consumir as lonjuras.
A geografia da ânsia
que aninha dentro da alma
faz que às vezes já sem calma
corte à galope à distância.
Ou, ao tranco,... quando só,
é como um "mago" campeiro,
que faz do pito crioulo
um comprido vagalume
pingando luz no sendeiro.
Como a palma de sua mão
conhece bem toda estrada
quem estradeando cresceu
não precisa quase nada.
Obra indicada por amigos, e publicada em fevereiro de 2009.
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