FRANCISCO BITTENCOURT
(Nascido a 3 de julho de 1933 em Itaqui, Estado do Rio Grande do Sul. Fez estudos em Porto Alegre e rmudou-se para o Rio de Janeiro. Publicou em 1952 "Vinho para nós" e em 1957 "Jaula Aberta".
CANÇÃO
Mergulhado não
mas roendo o sono
é como durmo
até que o osso da aurora
esculpa sobre o céu
um rosto amado.
Cada noite que passa
é um risco nos meus olhos
a imitar montanhas
que se lançam candentes
ou anjo com espada
contra jardins e mortos.
Eu ergo o abraço irmão
e a noite se ilumina,
doce fruto estendido
são os teus sentidos
e a noite toda é uma tarde
onde soa um pedido
de colheitas maduras
e o feno se esparrama
sob galpões de sombras
para servir de leito
à minha fúria calma
e ao abismo que és tu
doce pássaro e neve,
azul e doce pássaro.
UMA VIDA
Ele quer ter cada vez menos, o doido vagabundo:
um barco sobre o mar ou um catre nas montanhas
para dar a seu espanto as asas merecidas
e recobrar a paz de logo após a infância
quando dormia, o doido, sobre a cama materna
e de lá via o céu balançando as taquaras.
Das montanhas de arroz onde os pés se encharcavam
tu trouxeste, homem, este passo arrastado
que atravessou tua vida como um bólido em atraso
mas te arrastou até aqui, nesta grande cidade
onde tudo aprendeste e não aprendeste nada.
Nesse coração em que tudo é tremores
não cabia quase nada, ou tão pouco cabia
e se hoje o alargaste foi a golpe de espada
desferido por ti mesmo para o agrandares
e enfim chegas a um homem, que quer um barco
ou um catre.
Extraídos de A NOVÍSSIMA POESIA BRASILEIRA. Seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro: 1962? (Série Cadernos Brasileiros, 2)
Página publicada em fevereiro de 2009
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