FLÁVIO MOREIRA DA COSTA
[Porto Alegre, 1942- ] é poeta, escritor e tradutor. Dentre suas obras destacam-se Nem todo canário é belga (1999) e O equilibrista do arame farpado (1998).
Falação
Um jogo de dados não será
por acaso ou acaso um jogo de dedos
nas teclas da máquina-piano?;
dedos nas teclas brancas e pretas
em música de silêncio e sussurro:
o piano in-forma
a poesia de-forma
e a forma é pró-forma?
Sim,
há poeta real e poeta ideal,
há poeta maior e poeta menor;
maior e menor que seu próprio
tamanho talento ou umbigo
- daqueles tempos d’antanho!
Democratas, santos e pederastas,
comunistas, loucos e lésbicas
- distraídos desarmados desastrados.
E Pedr’Álvares que descobriu o Brasil
(e o índio, mui surpreso com a notícia, via UPI.)
Da civilização da banana à Banana Republic
Pictures e o leão da Metro Golden Meyer.
E muito macaco, chipanzé e gorila,
aves do paraíso e aves de rapina,
e herói corrupto e o político ladrão
- tudo saindo pelo
ladrão.
E o perigo vermelho ou verde amarelado,
o perigo maior de se continuar sendo.
Os índios descobriram Pedr’Álvares em 1500.
Há sifilíticos políticos e analíticos,
epopéias centopéias e melopéias.
Em se plantando, tudo dá.
Coronéis e bacharéis,
Bananal e Copacabana,
Brasília e Santo Antônio
da Patrulha.
Há histórias e estórias e causos
e contos de reis e de réis.
o caboclo acende o cigarro de palha no boi-tatá!
Iemanjá pegou pneumonia
Em se plantando, tudo dá.
São Paulo dá café,
Minas dá Leite
e Oswald de Andrade dá samba
(O poeta, grilo falante.)
(26/2/1967-2007)
Travessia do deserto
Horizonte oco invisível,
destino solto.
Deixei de ser urbano,
Sou feliz.
Corpo de flor-de-lis
e boca, boca de pano
palco e luz.
Meu coração repousa em cruz,
fala surda que não se escreve;
e muda.
Construo o deserto
- oásis, de grão em grão.
Camelos aguardam por nós.
Extraído da revista POESIA SEMPRE, Número 29, Ano 15, 2008, edição Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
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O PRISMA DE MUITAS CORES. Poesia de Amor portuguesa e brasileira. Organização Victor Oliveira Mateus. Prefácio Antônio Carlos Cortes. Capa Julio Cunha. Fafe: Amarante: Labirinto, 2010 207 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Coração manchado de sangue
Coração manchado de sangue
do enfarte que não tive.
A morte habita meus olhos
— esta dor surda tão louca
de fome, sede, de vida.
Coração manchado de sangue;
eu, exangue — morte e vida,
Vida, vida cerebrina. Tanta água
nesta fonte e eu sem água na boca.
Coração manchado de sangue,
esse desenho de música,
espanto de ter mais nada.
Esta luva que me veste,
me põe nu em pleno inverno.
Carpinteiro dos meus ais,
vou vestir de verde a vida.
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Página publicada em novembro de 2009; Página ampliada e republicada em janeiro de 2021
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