FLÁVIO AGUIAR
Flávio Wolf de Aguiar (Porto Alegre, 1947) é professor, autor, jornalista, tradutor brasileiro, organizador e colaborador de dezenas de livros. Seu nome de autor mais comum é Flávio Aguiar.
Atualmente vive em Berlim, onde é correspondente de publicações brasileiras, impressas ou na internet, fazendo reportagens também para TV e rádio.
Graduado em Letras (1970) pela Universidade de São Paulo também é Mestre (1974) e Doutor (1979, tendo defendido tese sobre A comédia nacional no teatro de José de Alencar) em Teoria Literária e Literatura Comparada pela mesma universidade. Em 1982 cumpriu um programa de Pós-Doutorado na Universidade de Montreal. Foi professor convidado e conferencista em universidades no Brasil, Uruguai, Argentina, Canadá, Alemanha, Costa do Marfim e Cuba.
Foi professor de Literatura Brasileira da USP (1973 - 2006), tendo orientado mais de quarenta teses e dissertações de doutorado e mestrado. No período da ditadura militar, foi editor de cultura do jornal Movimento. Atualmente é professor assistente doutor aposentado da USP. É colunista quinzenal do Blog da Boitempo.
Flávio de Aguiar tem mais de trinta livros publicados, como autor, co-autor ou organizador. São obras de crítica literária, ficção e poesia. Participou de várias antologias de poemas e contos no Brasil e no exterior (França, Itália e Canadá).
Seu último livro é A Bíblia segundo Beliel (São Paulo: Boitempo 2012), ISBN 978-85-7559-297-7.
Prêmio Jabuti (1984, 2000)
Fonte: wikipedia.
Extraído de
POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia. Ano 5 – Número 8. Junho 1997. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura. Departamento Nacional do Livro, 1997. Ex. bibl. Antonio Miranda
Sam Palo
Em vôo pelo espesso plano, aeropleno
de vazios contemplo, e me retempla a megavila
imersa velha coração disforme
das Américas em rima ou lâmico planar.
Teia de colares pontes
pirilampos presos a prazo preço
ao esmo das fumácicas paredes
o ar grosso me acolhe.
Pauso, aqui, meu coração espiga
trepida com os malhares de pés
que esbotam por trilhas desmarcadas
aí está, músculo preso na bulha
de bilhares de pratos a se espatifarem
como carreatas de buzinas bandeiras
vermelha estrela da vila agonia
sem ar, adêusica, perdida
janela túnel no bôco univérsito
quasar são olhos, amilhárico
devasto o ar que me doura
pelas vielas cegas velas
avenidas de glúmido mercúrio
por aonde meu caurro se avia
ao láudano rio plexo de sombras
e da milenar quedez dos casebres pobres
vida elementar, táquica, arrouca,
espírita protesto católica, universal, por entre
o horizonte de edifícios, outedores, sexys papéis.
Divisões e divisões de dedos
graspam comidas pelas geladeiras ou lixeiras
tanto faz e exércitos de pálpebras
catrapiscam nádegas de carnes e de tinta
trilhares de corpos se embaçam uns nos outros
pélicos, mânicos, cúpidos, vadios vórtices pousados,
enquanto prêticos jornais voam por esquinas mortas
e páulicas orlas do gigântico e esquêcico pintar
das cãs cruzeiras de estrelas idas
as marginais me têm
vágido calhau penetrador
ouvir batido de pulsadas veias
volante cabeçote de contido pulso
Me espaço e não sei o que sou
nem vejo se ao fim de mim algo me espera
ou alguém desespera
Tenho mãos — tiete tamanduá pinheiro
e o óleo me conduz escorrego
meio escarro meio escorro
e a noite é nublada e imensa.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTO EN ESPAÑOL
(minuano)
A chuva escorre na vidraça: na rua, o vento uiva,
E geme, na árvore dobrada.
Lembrança — o vento pertence ao campo.
Uma rês geme, vagabunda, gotejante: o vento
/ a corta, como faca.
Estranha faca: gelo e água.
O vento nasce e morre no horizonte: o mundo
/ é redondo.
E no entanto o tempo passa:
Do campo, o vendo chega arrefecido na cidade.
Protegido no copo de conhaque, divirto-me
/ como os desenhos abstratos
Que desenha em gotas na vidraça.
E no entanto o vento uiva,, mesmo na cidade:
/ tem presente seu passado
Mais estranho: o mundo é redondo, o vento
/ nasce e morre no horizonte;
E sempre prossegue rumo ao norte.
. . .
OLHO PARA O PIO ILUMINESCENTE
ENQUANTO A CHUVA ESCORRE NA VIDRAÇA
E NOS OFUSCA, TONTO DE TANTA LUZ.
TUDO SE DEIXA VER MAIS CLARO:
CONTINUAMOS A CONTEMPLAR A SILENCIOSA NATAÇÃO
/ DO OUTRO.
EM VERSOS, A VIDA COBRE O PÁTIO
/ COM ESTÁTUAS BRANCAS
E ATRAVESSA A SALA, DEITANDO NA VITROLA.
NAVEGO SOLTO NA CORRENTE, RUMO
/ AO ESQUECIMENTO VAGAROSO
DA LUTA, DO CARROSSEL, DO CIRCO INTEIRO.
DA JANELA, A AVE MIGRATÓRIA.
(pampa e circunstância)
Na janela, mágico, o desvio: nasce
/ um raio de sol
E atravessa a sala, deitando na vitrola.
No desvão entre os caixilhos, a lembrança
/ de coxilhas — os entardecer, vento
E campo, onde o olhar se horizonta.
A música desliza, queimando, garganta abaixo.
No disco, a voz flutua em círculos.
De par em par, a terra se esplaina em pampa.
A terra aberta, coxas de mulher ao sol, entregue
/ ao zumbido morno das cigarras.
Orate frates
No poço fundo do mundo
Encontrei minha bela irmã.
Aquela que nunca tive,
Aquela que não terei.
A vida se compra pronta,
O mundo roda sem festa.
Minha irmã tem cabelos longos
E traz um lunar na testa.
À beira do poço esquivo,
Hesito se pulo ou recuo.
No espelho claro e escuro
A lua a meus olhos uiva.
. . .
Eu quero que se cubra de geada
tua roupa.
A luz é mais que o colorido
e oculta a fantasia.
A verdade, nascendo,
/ percorre o dia
Em tua face: gelo evaporado
/ enigma reposto.
E por outros rumos a história continua.
. . .
(velhice)
Minha avó atravessara o pampa de carreta
/ cortando a cerração e a geada.
Em Rivera, seu pai servira cerveja de graça
/ a roupas de algum caudilho
E eles diziam: “agradece, alemão de merdfa,
/ que te deixamos vivo”.
Ela chegou de barco a Porto Alegres.
Com tanto navio e mastro, a cidade parecia
/ um circo de cavalinhos.
Ali era a rua do Arvoredo;
/ hoje se chama Fernando Machado.
Minha avó não toma banho de chuveiro.
No inverno, põe um balde d´água no sol
/ para esquentar um pouco.
E continua vivendo.
. . .
TENTEI TE DIZER O QUE SENTIA:
A COISA NA GARGANTA
ESPALMAVA MÃOS VERDES PARA O ALTO.S
CORTANDO A CERRAÇÃO E A GEADA.
A RUA, RECÉM-ÚMIDA, SECAVA EM QUADRO:
MAHÃ DE OUTONO, QUANDO ERA INFÂNCIA.
JUNTOS, HOJE, SOMOS OUTROS.
. . . .
Às vezes é preciso abandonar o barco,
A luta, o carrossel, o circo inteiro,
E partir como ave migratória para o norte
Em busca de terras de verão e sol,
Mas quando isso for preciso
Que se faça com rosto limpo,
A face descoberta e voltada para a frente,
Que não haja mentiras nem tristeza.
Queimem-se as lembranças, quebrem-se
As garrafas; enterrem-se cinzas e cacos.
Seja-se até os ossos mais frágeis
Uma ave migratória: a volta existe
Mas é outra história, e não desculpa
A permanência no ponto de partida.
TEXTO EN ESPAÑOL
Córdoba, Argentina
Estoy tan triste y lejano.
Nada extraño, todo es cotidiano...
Yo tengo ganas de morir.
Pero yo queria morir em Córdoba,
/ Córdoba, Argentina.
Donde uno muere por la mañana.
En otros tempos los hombres morían em Madrid,
/ noche que noche nochera ya decía Lorca
Que se murió en Granada.
Hoy em Córdoba uno muere al empezar la mañana.
Pero no es necessário morir. Me gustaría vivir, vivir
em Córdoba, Argentina,
Para ver la mañana cambiar el rosto de hombres y mujeres
En murales sin miedo de su transparencia.
Yo me plantaría en la Plaza Central de Córdoba,
/ de Córdoba y del Continente
Lleno de vida y muerte tempranassss, con el rosto
Quemado por la libertad, loca fantasia,
Riendo com las flores y hogueras
/ que nacen por las calles.
Página publicada em janeiro de 2018; AMPLIADA em junho de 2018
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