Pintura a óleo/tela, por Cândido Portinari, 1934
FELIPE DE OLIVEIRA
(1891-1933)
Felipe d´Oliveira nasceu em Santa Maria da Boca do Monte, Rio Grande do Sul, em 23 ago 1891 e faleceu em 17 fev. 1933, na França. Diplomado em Farmácia, transferiu-se para o Rio de Janeiro onde participou dos movimentos literárias ligados ao neo-simbolismo e penumbrismo.
Obra poética: Vida extinta (1911), Lanterna verde (1927).
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
TEXTO EM INGLÊS – TEXT IN ENGLISH
OLIVEIRA, Felippe d´. Lanterna Verde. 3a. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Felippe d´Oliveira, 1943. 116 p. 16X23 cm. “ Felipe d´Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
ENCRUZILHAMENTO DE LINHAS
Núcleo de convergência no bojo da noite oval.
Lanterna Verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada)
Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado.
(Lanterna Verde, Rio de Janeiro: Edição Pimenta de Mello, 1926
O Epitáfio que não foi Gravado
Todos sentiram quando a morte entrou
com um frêmito apressado de retardatária.
A que tinha de morrer, — a que a esperava, —
fechou os olhos
fatigados de assistirem ao mal-entendido da vida.
Os que a choravam sabiam-na sem pecado,
consoladora dos aflitos,
boca de perdão e de indulgência,
corpo sem desejo,
voz sem amargor.
A que tinha de morrer fechou os olhos fatigados,
mas tranquilos...
Porque os que a choravam nunca saberiam
o rancor sem perdão de sua boca,
o desejo saciado de seu corpo,
o amargor de sua voz,
a sua angustia de arrastar até o fim a alma postiça que lhe
[fizeram,
o seu cansaço imenso de abafar, secretos, na carne ansiosa,
a perfeição e o orgulho de pecar.
A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre
e os que a choravam
nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito
[à hora do exausto coração parar
o mais distante,
o mais imóvel,
o que não soluçou
o que não pôde erguer as pálpebras pesadas,
o que sentiu clamar no sangue o desespero de sobreviver,
o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário,
o que depós, sobre a serenidade da morte purificadora,
a redenção do silêncio,
como uma pedra votiva de sepulcro.
Lanterna Verde — Edição de Pimenta de Melo e Cia. - 1926 - Rio de
Janeiro — págs. 66-69.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Revista da Biblioteca Nacional do RJ. Ano 1 – Número 1 – Janeiro 1993. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro. ISSN 0104-0626 Ex. col. Antonio Miranda
O CLOWN
Sem apoio.
Solto na expectativa impaciente do irresistível.
Bloqueado pela ameaça circular dos cobradores de jocoso,
dos famintos de angústia grotesca.
Sem trapézio, como o trapezista.
Sem halteres, como o hércules.
Sem o aparato dos músculos, como o acrobata.
Sem refúgio e sem armas, desafia o risco manejando apenas
A desarticulação do jeito humano,
A deformação da máscara idiota onde a graça estoura como
um pontapé nas nádegas.
Sua ginástica tem de ser no vazio
Sobre os fios frágeis do fracasso e do ridículos.
Dentro da roupa larga,
O corpo desengonçado
Chacoalha cores, tropeça, achata-se sobre a serragem do
picadeiro.
A bofetada do partner
Faz desabar o delírio
Sobre o tombo de costas (perfeito)
Com estalos fingidos de espinha partida e occipital rachado.
O aplauso voraz, em volta, o constringe
Como uma goela de carnívoros.
UBI TROIA FUIT
Eu queria que tu perdesses a beleza e ficasses,
Não a estátua mutilada que liberta e amplia o êxtase,
Mas a transfiguração de teu próprio esplendor,
A tua metempsicose em criatura usual, integrada na turba.
Eu queria que beleza morresse
E que, como um mar de naufrágio,
Sobrevivesse o teu corpo deserto de tua graça sem vestígio.
Os homens perderiam a lembrança de seu desejo
E na lembrança dos homens se apagaria a tua irradiação
E ante os olhos dos homens se fecharia para sempre o sulco
que teus gestos cadenciados abrem no ar
E a inconstância dos homens, insensível a teu desastre,
esqueceria a tua imagem.
Tudo que para minha percepção nasceu de ti
Permaneceria integral e imutável:
A rua continuaria sendo o friso que tu povoaste de efígies
harmoniosas nascidas de cada passo de tua marcha;
A noite continuaria sendo o veludo morno com que teu beijo
prolongou até a origem de meu sonho;
E diante de mim a felicidade continuaria, vigilante e eterna,
no fundo de teus olhos de antigamente já
apagados para os outros que os olharam.
Eu, só eu, ficaria contigo
E seria o senhor fabuloso de um tesouro desaparecido que a
cobiça não percebe,
E seria a voz secreta, a alma imperecível de uma cidade morta,
E seria o testemunho revelador de uma legenda esquecida.
Eu, só eu, ficaria contigo...
E, de trazer-te em mim,
Eu seria a forma ignorada de uma escultura perdida
De cuja perfeição os homens se recordam com nostalgia.
OLIVEIRA, Felipe de. FELIPE DE OLIVEIRA. O epitáfio que não foi gravado. Texto de
apresentação por Caio Cardoso Taradelli. Jaboatão, PE: Editora Gurarapes EGM,
2015. 25 p ilus. col. 21x13 cm. Edição artesanal, tiragem limitada. Editor: Edson
Guedes de Morais. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Veja o e-book: https://issuu.com/antoniomiranda/docs/felipe_d_oliveira
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TEXTO EN ESPAÑOL
FELIPE DE OLIVEIRA
(Rio Grande do Sul, 1891-1933. Aunque murió muy joven y solo publicó dos libros: Vida extinta, 1911, y Lanterna verde, 1911, ejerció importante influencia sobre la generación modernista, en el momento en que diversas tendencias debatían su predominio en la poesia brasilera. A su muerte, una sociedad de amigos se constituyó con su nombre, y editó sus Obras en 1937. En su segundo libro mostró una poesía libre, fuerte, original, de la que es una nuena muestra el poema que traducimos, que es el más conocido y admirado.)
EL EPITÁFIO QUE NO FUE GRABADO
Todos sintíeron cuando entró la muerte
con un vivo temblor retardatário.
La que había de morir —la que esperaba—
cerró los ojos
fatigados de ver el mal entendido de la vida.
Los que la lloraban sabíanla sin pecado,
consoladora de los afligidos,
boca para el perdón y la indulgência,
cuerpo sin deseo,
voz sin amargor.
La que había de morir cerró los ojos,
fatigados pero tranquilos....
porque los que la lloraban nunca sabrían
del rencor despiadado de su boca,
dei deseo saciado de su cuerpo,
la amargura de su voz,
la angustia de arrastrar hasta el fín el alma postiza que le hicieron,
el cansancio inmenso de ahogar, secretos, en la carne ansiosa,
la perfección y el orgullo de pecar.
La que había de morir cerró los ojos para siempre
y los que la lloraban
nunca supieron de aquel que, junto al lecho,
cuando paróse el corazón exhausto,
fue el más distante,
el más indiferente,
el que no sollozó,
el que no pudo alzar los párpados pesados,
el que sintió clamar en la sangre la desesperación de sobrevivir,
el que estranguló en la garganta el grito desgarrado de los solitarios,.
el que depositó, sobre Ia serenidad de la muerte purificadora,
la redención dei silencio
como votiva piedra de sepulcro.
(De Lanterna Verde, trad. de Simón Latino.)
TEXTO EM INGLÊS – TEXT IN ENGLISH
AN INTRODUCTION TO MODERN BRAZILIAN POETRY. Verse translations by Leonard S. Downes. [São Paulo]: Clube de Poesia do Brasil, 1954. 84 p. 14x20 cm. “ Leonard S. Downes “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
THE EPITAPH WHICH WAS NOT GRAVEN
Everyone felt it when death entered
with the hurry and bustle of the belated.
She who was do die — who was waiting for it —
closed her eyes
which were tired of witnessing the misunderstanding of life.
Those who wept for her knew she was without sin,
consolation of afflicted,
pardon and indulgence on her lips,
her body without desire,
her voice without bitterness.
She who was to die closed her eyes, tired
but tranquil eyes…
For those who wept for her would never knew
the rancor past pardon on her lips,
the satiated desire of her body,
the bitterness of her voice,
her anxiety to take her to the end the artificial
soul they had made for her,
her untold tiredness of smothering in the sensual flesh
the secret pride in the perfection o her sin.
She who was to die closed her eyes for ever
and those who wept for her
never knew of one, of all those round her bed when
her tired heart stopped,
the most distant,
the stillest,
who did not sob,
who could not raise his heavy lids,
who felt his blood cry out with the despair of going
on living,
who strangled in his throat at anguished cry of loneliness,
who reverently place upon the serenity of purifying death
the redemption of silence,
like a votive stone upon a grave.
TAVARES-BASTOS, A. D. La Poésie brésilienne contemporaine. Antologie réunie, préfacée et traduite par… Paris: Editions Seghers, 1966. 292 p. capa dura, sobrecapa.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Né à Rio Grande do Sul em 1891, mort à Auxerre em 1933.
Bibliographie: Vida extinta, 1911; Lanterna verde, 1926.
L´ÉPITAPHE QUE NE FUT PAS GRAVÉE
Tous ont senti que la mort était entrée
à un frisson pressé de retardataire.
Cella que devait mourir, celle qui attendait
ferma les yeux
lasse d´avoir regardé le malentendu de l avie.
Ceux que la pleuraient la savaient sans péché,
consolatrice des affigés,
les lèvres ouvertes pour le pardon el l´indulgence,
les corps sans désir
la voix sans amertume.
Celle que devait mourir ferma les yeux fatigues,
mais tranquilles...
ar ceux qui la pleuraient ne sauraient jamais
la rancune sans pardon de as bouche,
le désir rassaieé de son corps,
l´ameatusme de sa voix,
et son angoisse d´amoir traîné jusq´au bout l´ame postiche
qu´on lui avait donnée,
son immense lassitude d´avoir etouffé, cachés dan la chair
anxieurse,
la perfection et l´orgueil de son péché.
Celle qui devait mourir ferma les yeux por toujours
et ceux que la pleuraient
n´ont jamais rien su de celui qui fut lorsque le couer épuisé
s´arrêta
le plus éloigné,
le plus immobilse,
sans un sanglot,
qui nse leva pas ses paupières alourdies,
mais connut dans son sang le désespoir d´avoir survécu,
mais connut dans son sang le désespoir d´avoiar survécu,
et étrangle emn lui le cri déchirant du solitaire,
déposant sur la sérénité de la moart purificatrice
la rédemption du silence
comme une stèle votive funéraire.
“LANTERNA VERDE”
LE SAUR PÉTILLEUX
La mélodie murmurée
à la porte du “rancho”
épand une âme
sur le paysage vivant
inspire el expire
l´air ténu de la nuit
par les branches sonores
du chalumeau monotone.
Les crapauds se sont tus
et, infatués écoutent
chanter la reine-des-eaux des capauds
tout à côté
à la lisière de la lande
parmi les nénuphars.
Les boeufs assoupis
entrouvrant à peina
des yeux timidez
regardent la campagne
battue de lune
et s´é tonnent devant l´aube
car ils n´écoutent la lumière melodieuse
que lorsque le soleil éveille
la voix des oiseaux endormis.
Le chalumeau sonore
apporte une haleine
de poumon humain
dans l´air
que sent bom
dans la nuit claire.
Les frondaisons
font le geste
qui marque la cadence
comme des têtes
attentive à l´orchesstre.
Les deux lucarnes
de chaque côté de la porte
du “rancho” paisible
ont le douceur
d´yeux ingénus
et sourient
dans l´osr des lampes
que emplissent d´or fluide
la salle blanchie à la chaux.
Et du lierre rampante
comme une mantille
sur le toit de paille
monte l´odeur chaude
du jasmin blanc
que la musique rend plus tiède
Comme um parfum sur la peau.
Le chlalumeau monotone
allonge le parfum
dans la nuit oblongue
et la clarté unanime
n´est que luueur et parfum
dissous dans la musique,
Tout à coup, un accord
Plus large, plus fort,
soufflé dan l´angoisse,
résone et se tait
juqu´au bout de l´espace
aux limites du paysage.
Seuil le clair de lune vide
demeuere sur la terre exatique...
Et dans la lueur
suspendue des astres,
oscile
cadencé
le silence nocturne,
comme le trapèze balancé
d´où est tombé pour mourir
dans le saut tragique
la saltimbanque stupéfait.
(Idem)
ÉCRAIN 1
(Mes pensées se sont endormies)
La solitude verse une leur d´aquarium
dans sons creux de sphère en verre vert
où mês pensées sans conscience
acquièrent
pour leurs volumes instables
l´immobilité réfrangée d´un paysage sous-marin.
Une caresse d´autrefois,
mouvement lent de bulle d´air de bas en haut,
se met à monter
involuntaire
vers la surfacee de la mêmoires
et
à travers d`épaisseur de mon inertie
se papage
une vibration de cloche au fond de l´eau,
frisson liquide e mou quei ouate le silence de ma
submerge
où se traîne
flottant
flasque
glutineux
(comme un poulpe)
le résidu amorphe d´un ombri voluptueux.
- Original en français.
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VEJA e LEIA outros poetas do BRASIL em francês:
Página publicada em janeiro de 2009; ampliada em julho de 2010; ampliada e republicada em agosto de 2015.
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