PAISAGEM PARA PAVESE
"Calar é a virtude da gente."
Cesare Pavese
O sol ministra sua palestra
e o mandiocal faz yoga.
As casas, misantropas,
acasalam com a soja
e, silenciosa como uma espiga,
granula uma vila.
Os agricultores escrevem na terra.
Os arabescos da natureza
e a geometria das lavouras
bordam na cartografia
o dorso de um tapete persa.
A paisagem pensa.
Pastoras de si mesmas,
pastam, campeiras, as emas.
Os patos, na paz da lagoa,
praticam seu budismo de bóias
e a garça, na margem de lama,
deixa sua pena e seu ideograma.
A paisagem pena.
No altar da coxilha,
o evangelho do vento
converte os eucaliptos,
e o tempo destelha,
e as formigas colonizam
a antiga casa dos italianos.
A paisagem cansa.
A noite se mija
e a lua principia sua aula
na lousa da aldeia.
Sou aquele homem
que se recolhe com as ovelhas.
BUGRINHA
Para Lisiane
É em ti que penso,
quando leio o romance
do Érico Veríssimo.
Tu és Ana Terra
e eu sou um mestiço
que, num dia de vento,
na tua aldeia apeou ferido.
É em ti que penso, bugrinha,
quando em meu poema
pincelo o entardecer,
pois é em tua pele
que o dia e a noite
travam combate.
É em ti que penso, bugrinha,
quando a caminho da fronteira
passo por Santiago do Boqueirão.
É em ti, musa missioneira,
que o poeta pensa decor
para compor o refrão.
É em ti que penso,
quando penso,
bugrinha.
É em ti
que penso
em mim.