Fonte: http://www.bonvivant.com.br
EDUARDO DALL´ALBA
Escritor, doutor em Literatura Brasileira, o poeta nasceu em Caxias do Sul na primavera de 1963, mais precisamente em 4 de dezembro. Entre uma poesia e outra e com um objetivo em mente, Dall’Alba se mudou para a capital gaúcha em 1984. Em Porto Alegre foi estudar Letras na UFRGS. Em 1988, estreou na literatura com Escavação. Um livro que, segundo Dall’Alba, não foi perdoado pela crítica. Como é a primeira obra, o escritor diz que tem “um grande afeto por ela até hoje”. Publicações foram sendo editadas aqui e ali, até que em 1998, exatos dez anos após o primeiro livro, veio a consagração em nome de Vinhedo das Vontades. O livro ganhou o prêmio Açorianos de Literatura – Poesia. A qualidade do texto foi fundamental para o conhecimento. “Foi ótimo ganhar, pois era o reconhecimento de um trabalho que eu acho muito bom, que merecia na época, como em qualquer época. Me orgulho muito desse livro, pois ele é um grande insight. Também me senti ‘vingado’ porque, até então, minha poesia não era tão aceita”, afirma. Com o Açorianos na mão, Dall’Alba ganhou visibilidade. Fonte: http://www.bonvivant.com.br
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DALL´ALBA, Eduardo. Vinhedo das vontades. Introdução de Jane Tutikian. Porto Alegre: Instituto Estaduao do Livro; Fundo Nacional da Cultura, 1977. 70 p. (Coleção 2000) 14x21 cm. Capa: Flávio Wild. Col. A.M.
As palavras
As palavras, como as sementes
devem plantar-se em terra boa.
E se espalhar a toda gente
ou perdê-las no fino da garoa.
As palavras, como as sementes
devem plantar-se em terra arada,
para que o broto mesmo ingente
possa brotar do sal da terra
e assim semente, ao ver-se semeada
como ao discurso da palavra usada,
como a palavra em poema.
As palavras, colhê-las como as uvas
na hora precisa, no poema certo.
Sugar-lhes o líquido sagrado
do sentido, até que fartos
do discurso e embriagados de palavras
durmamos o sono simples dos mortais
sem nem sentido precisarmos mais.
Poema modernista
A unidade está perdida,
o tempo não é linear,
a vida não é linear,
mas o amor entra de soco.
O grito do poema
é um baque em meu coração.
No meio da rua ninguém o escuta.
Sou um pedaço de coisa
ambulando entre outras,
— algumas mortas e vivem,
outras se sabem e não —
Mas como o grito existem
para além de si mesmas
e vão deslocando no espaço
o eixo de Chronos.
A folha de papel
A folha branca colhe a pedra da poesia esfaimada.
Não a pedra por medida, antes a pedra lascada.
A folha colhe o indizível em palavra-pedra,
em sombrio reclame entre o sublime e a fome
numa cidade deserta, sem poetas e sem nome.
DALL´ALBA, Eduardo. Viola de rua. Caxias do Sul, RS: Prefeitura de Caxias do Sul, 2003. 12 p. 14x21 cm. Col. A.M.
Balada do sete-estrelo
Sete noites, setestrelo de volúpia e desespero
sete espadas setestrelo sete noites no caminho
sete luzes setestrelo sete cruzes eu sozinho
sete lâmpadas acesas, sete carrilhões na estrada
sete sinos capuchinhos balindo o selo do nada
sete rosas sete espinhos sete pedras no caminho
sete vestidos de moça sete bocas sete fomes
sete noites mal dormidas sete contas setestrelo
sete anéis sete vidas sete espigas sete vezes
debulhadas no caminho eu sozinho setestrelo
sete músicas alegres sete baladas do belo
sete anáguas sete ventos sete mares setestrelo.
Sete cadarços de arame sete sandálias de prata
sete lampiões de fogo perdidos na densa mata
sete pares de meninos sete fomes no deserto
sete anáguas sete botas sete lampiões na estrada
sete noivos sete noivas sete estrelas esta noite
sete botas sete léguas sete caminhos diversos
sete versos sete pontas sete pregos no sapato
sete pedras sete ventos sete mares sete sótãos
sete janelas abertas sete casas espiando
espiando, enxergando, olhando sem dizer nada.
A Bailarina
No voo leve que inscreve o seu passo se encaminha
o gesto claro determina pausa de mão distendida.
No salto em palco invisível, invisível se equilibra
como em uma corda fina. Ao caminhar sobre a corda
na pausa que estabelece no modo, uma bailarina.
Assim como a dança, a prece outro rigor determina
no rumor de sangue e sina e sobre si roda a fina
e exigente disciplina. E assim, no desenho claro
outro lápis descortina não apenas outro quadro
lápis de cor que se afina com o passo de Sevilha
mas o passo dentro do corpo onde o passo reto é torto
de cima da sapatilha e onde se desenha o palco
no gesto que se imagina voo leve que a alma grita
porque ali pousou e fica e assim como veio, leve
vai-se a corda que a mantinha. E em voo alto, mas breve
negando a alma e a linha nega a alma que a sustinha
como a pedra nega a onda grande e vasta como o mar
o resto é apenas silêncio, silêncio e pó, pó e ar.
Rotação
Estendida sobre acorda uma corda muito fina
invisível, mas uma corda, que esticada tange a sina,
baila em finas sapatilhas ao equilibrar-se no somenos
na translação que executa levíssima bailarina.
Estendida sobre o palco sobre o gesto distendido
onde todo grito é parco, parco, preclaro e preciso,
a bailarina percorre o voo de ave em aviso:
a dor é grande no mundo precisa de lenitivo
a dor é grande no mundo mas tudo cala o segundo
onde se vê seu sorriso. Nem todo riso é alegre
é da tristeza que rimos de coração mais leve.
Página publicada em agosto de 2014. Ampliada e republicada em dezembro de 2013.
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