DIEGO GRANDO
Nasceu em Porto Alegre em 1981. Licenciado em Letras na UFRGS e pós-graduado pela Sorbonne.
GRANDO, Diego. Desencantado carrossel. Porto Alegre: Não Editora, 2008. 66 p 12,5x18 cm. ISBN 978-85-61249-06-9 Col. A.M. (EA)
Planejamento familiar
Desculpa, meu filho,
terás de esperar.
Não é só a falta de um ventre
atraente para minha semen-
te
ou a burocracia do setor
O motivo deste atraso
mas a falta de interesse
de tão desnaturado pai.
Aguarda que eu cresça
que eu refaça o passado
(ou, pelo menos,
esqueça).
Sei que é dura essa demora
e aceitarei as queixas
que farás
sem questionar
(em muito comigo te parecerás)
e receberei orgulhoso
os presentes e tapas na cara
que me ofertarás
(por favor
não te envergonhes de fazê-los
só porque os prevejo).
Em verdade, meu filho,
não terei pressa
para que chegues
mas considera-te certo
do meu bem querer.
Em alguma ville du Sud
Procuro alguém para dividir um silêncio
que é só meu
É preciso ser capaz
de ouvir o nada
e também a barulho da lágrima seca
do bolso vazio
do postal em branco
Não havendo candidato
peço (en)carecido uma palavra
qualquer
um tapinha nas costas
um sorriso mesmo que amarelo
Não sendo pedir demais
uma indicação
do próximo trem
(e algum bom analgésico)
a tomar
GRANDO, Diego. Sétima do singular. Porto Alegre: Não-editora, 2012. 96 p. 12,5x18 cm. IBSN 978-85-61249-26-7 Capa Samir Machado de Machado. Col. A.M.
Década (obsolescência programada)
Não tenho culpa se nasci dez anos antes
se conheço a estrada
(e sei que só leva
a nada):
dez anos, uma decadência
em cento e vinte parcelas mensais.
Dez anos é coisa demais
demais em qualquer
bagagem
(qual-quer, eu disse,
com hífen nos dentes)
dos trechos riscados nos livros
aos riscos cifrados nos trechos.
Veneno para simpatia
(antídoto de afinidades)
dez anos, um muito de gente
por vir ou perdida
pendente: in-
decênio que nunca termina
de escavar nossa distância.
manifesto
de ser rançoso de hoje em diante deixo
e assumo o risco de fazer deboche.
pior que a própria culpa e o reproche
é ver correrem frases como seixos
rolados pelo leito caudaloso
de um rio antiverbal, grandiloquoso.
a gozador eu passo desde agora;
algumas marcas fiquem, muito embora.
(como esse último verso ainda se inverte
enquanto que este aparte já anuncia
discórdia pa(ren)tética e inerte:
ao som de uma nova cacofonia
o uso de minúsculas subverte
e eis-me a torturar com anestesia).
Página publicada em janeiro de 2012, ampliação e publicação em dezembro de 2013.
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