CELSO PEDRO LIMA
LIMA, Celso Pedro. Arcos de solidão. Porto Alegre: Editôra Globo, 1958. 102 p. 14x21 cm. Ilustrações e planejamento gráfico de Glênio Bianchetti. Col. A.M.
IDENTIDADE
Onde eu estou não estou:
sou alguém que se procura.
Escolher-me a cada instante
é a minha atroz aventura.
O que eu sou ainda não sou
— não acabo de tornar-me.
O templo em que me construo
se projeta no amanhã,
e as pedras com que se eleva
são pedras só do meu chão.
Onde vou cego me vou:
sobrevoa noite rasa.
Não me explica hoje nem ido
— Sou futuro, sou desígnio.
Sou uma flecha lançada
contra o alvo do que serei,
cruzando por sobre abismos
num ímpeto ansiado e cego.
Mas quando o voo acabar,
serei céu ou caos sem fim.
O que estou ainda não sou
— sou alguém que se edifica.
O que eu me faço, me faz
quem me pôs à minha busca.
NÃO SOU APENAS UM
Não sou apenas um nesta oferenda:
é um tumulto de ondas subterrâneas,
impulsos e energias confluindo
de gerações inumeráveis:
Sou quantos me fizeram
este ser humano e frágil
e sou os incontáveis
que se ligam à tua vide
pela seiva que imaginaste
à nossa comum humanidade.
Não sou apenas um neste doar-me:
dou-me diverso e inumerável;
mas quantos sou, oferto em luz e sombra,
a fim de sermos todos um em ti.
EU SOU A MINHA ANGUSTIA
Eu sou a minha angústia de buscar-te
a bordo dessa nau que jamais parte:
nas velas de meus sonhos arde a flama
dum pôr-de-sol sobre um antigo oceano.
(Ó ânsia de pureza ambicionada,
voam-te pássaros em céus de nada!)
Eu sou meu desespero de querer-te,
guerreiro medieval de braço inerte:
hostes ocultas no ar, num atropelo,
solapam muro e base do castelo.
(Ó vento dos meus claustros de silêncio,
confunde ao inimigo, expulsa, vence-o!)
Eu sou a minha solidão numa ilha
perdida, aonde não chega nunca a filha-
do-rei, nem alma viva: lá sou pedra
ao vento, ao sol, em meio ao que não medra.
(Ó ilha que me sou ao desamparo!
Inferno que me tem a um céu tão claro!)
Página publicada em janeiro de 2013.
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