CâNDIDO DE CAMPOS
CAMPOS, Cândido de. “Antonio João de Jesus”. Poema. Rio de Janeiro: Ediex Gráfica e Editora, 1966. 03 p. 13,5x20 cm ( Luis Cândido C. de Campos )Obs. na capa aparece: "Record Editora"; Menção honrosa no concurso de poesia do Instituto Nacional do Mate 1965$]*. Col. A.M. (EA) Juri composto por Antônio Olinto, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Com nenhum dos mais de mil candidatos mereceu os primeiros prêmios, deram menções honrosas a “Menção Honrosa”.
SER PRETO É COMO SER HOMEM
Fera acuada, encolhida
Na toca onde a flor não medra
Ah, homem dentro da vida
Na sua muralha de pedra!
Ah, dor da humana ferida
Que é riso mas sempre dor!
Ah, solidão repartida
Que é morte a ecoar no amor!
Ah, face branca, tingida
Por dentro com negra cor!
Ser preto é como ser homem.
Clube secreto que é o mesmo,
Margeando sempre o caminho
Onde o homem segue a esmo
Fechando a porta ao carinho.
Clube onde o homem se fecha
Na náusea de estar sozinho
E onde o sol, por uma brecha,
Mente que Deus é o vizinho.
Ah, dor no peito encerrada
Barrando a entrada do irmão!
Ah, solidão represada
Na pedra do coração!
Ser preto é como ser homem.
Pedra que é flor de tão frágil,
Que um sopro pode quebrar.
Que o homem, com gesto ágil,
Não deixa o pranto orvalhar.
Ah, flor que o ímpeto impele
E impede que alguém a toque!
Flor que, tocada, repele
Como um soco ou como um choque.
Flor que sozinha fenece,
Sem saber por qual ou quem
A mão do impossível tece
Seu núcleo de Mal e Bem,
Ser preto é como ser homem.
Dentro de um círculo estreito,
Nu e faminto me vejo.
Solidão ou preconceito,
Contra os outros me protejo.
O mundo, em torno, é o convite
Que aceito pra rejeitar,
E pra estreitar o limite
Onde me deixo matar.
Ah, que água apagará
As chamas que me consomem?
Ah, quem me libertará?
Ser preto é como ser homem.
BATISMO
— Como se chamará?
— Digamos, João.
— A mãe queria António, me falara.
— Digamos, João Antônio.
— Antônio João.
— In nomine Patris...
— De quem era?
— Filii...
— Seu pai? Nunca fiquei sabendo bem.
— Et Spiritus Sancti.
— O pobre!
— Amen.
DA ESPOSA
Colocarás teu sim como uma vela
Numa mesa, ao fechar-se o teu postigo.
E será sempre o sim, sempre o sim,
O teu grilhão a te levar comigo.
O sim à minha cólera,
O sim à minha implicância,
O sim a todos os nãos que eu trago
Da torturada infância.
O sim queimando como uma brasa na boca.
O sim, o sim, o sim, o sim.
Um prazer que termina mal começa,
Um sofrer que se arrasta até o fim.
DO PATRÃO
Meu íntimo inimigo tu serás.
Minha imagem no aço refletida.
Imagem que me odeia, por detrás
De um sorriso que é lâmpada estendida.
Oito horas de vida, cada dia
Tu me darás, agradecendo a paga.
Farei de ti uma parcela fria
Que se soma, divide ou que se apaga.
Dos teus braços farei duas roldanas,
E do fundo de ti, fundo de mina,
Trarei forças preciosas, porque humanas,
E deixarei após uma ruína.
Mas farei de tal modo e com tal arte
A exploração do teu cadáver vivo,
Que tu serias o primeiro a odiar-te
Se eu não te conservasse meu cativo.
Página publicada em agosto de 2012.
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