ARY TRENTIN
(1932-2002)
Ary N. Trentin, poeta e fotógrafo gaúcho.
TRENTIN, Ary. Investiduras. Introdução de José Clemente Pozenato. Porto Alegre: Momento, Instituto Estadual do Livro, 1976. 53 p. (Coleção Poesiasual, v. 14) 14x21 cm. “Orelha do livro por Armindo Trevisan”. Col. A.M.
EMPOSTAÇÃO
Herói de osso e tropelias
vens chegando. Morto o cavalo
morta a euforia
a voz e o sonho
paralíticos.
Não és um. És muitos.
Todos artesãos de teu corpo
e tua fala
no músculo uníssono
do curral. E a palavra
é a carroça que te move
as rédeas entre os dentes.
Mas não falas. Levas teu féretro
e o açoite da solidão
acuada dentro dos ossos.
Mesmo o pão ou o pasto
tua ideia e teu ódio
se consomem no estrume.
Vens chegando
sem medalhas no peito
feito viagem.
Teus desejos
cães amatilhados
ladram e engatilham
novos ladridos. Compõem o canto
e aguilhoam no dente
a lucidez inventariada.
Vens chegando. No rosto
os olhos jungidos
pela aurora e pela treva
o sol colado ao corpo
cerzimento
que a noite entreteceu.
Herói de osso e tropelias.
Vens chegando de andadura
em andadura.
Não tens adornos e alforje
só os pés
as mandíbulas
e a palavra sem fisionomia.
Vens chegando. Quem vai medir
o arroubo do teu sonho?
O roubo do teu rosto?
Quem vai descarnar
a alegria que te molda
e a clareza do teu olho?
Vens chegando. O mundo
é tua bagagem e ferida.
CUNHAGEM
Trazes o mundo na bagagem
mas o que vale é a ferida.
Incisura mais funda
a golpe de facão
na memória desnuda.
De salivas
passos e pressas
vem esta ceifa
em lutas e vícios
em raivas e nada.
Teu suor é o sangue
que escorre nas estrias
dos braços aperrados.
Homem sem lastro. Só
o coice da palavra
baqueia a armadura
da solidão
garra que fisga
a carne pelas entranhas
sem alinho e aviso.
Mas a palavra por dentro
agarrada de emboscada
é dor que se entala
de arremesso: armamento
aprendido cedo
o passo armado
na doma e na espreita.
Trazes o mundo na bagagem,
E alguns bálsamos
de tocaia.
Página publicada em dezembro de 2013
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