POESIA ERÓTICA
ANTENOR MORAES
(Taquari, Rio Grande do Sul, Brasil, 1881-
São Paulo, SP. 1955)
LIVRO DOS POEMAS. LIVRO DOS SONETOS; LIVRO DO CORPO; LIVRO DOS DESAFOROS; LIVRO DAS CORTESÃS; LIVRO DOS BICHOS. Org. Sergio Faraco. Porto Alegre: L.P. & M., 2009. 624 p. ISBN 978-85-254-1839-1839-5
TEUS SEIOS
São teus seios o lagoa onde eu navego
pelas noites de amor, sem rota certa.
Tua nívea camisa, um pouco aberta,
e a margem florente desse pego.
No meu batel — Amor — eu escorrego
à flor do seio teu que fica alerta
e nesse lago que a tremer desperta,
o meu destino ao teu destino entrego.
Teu cabelo – tormenta dessa noite,
aborda o meu batel e o entrelaça,
tentando sucumbi-lo em tais anseios.
E assim batido por tão forte açoite,
treme e se embala, e range, e se espedaça,
e naufraga nas ondas de teus seios!
A GALERA DE CLEÓPATRA
Ei-la em pé num gesto vencedor
olhando o velho mar que chora e canta
debaixo de seus pés. A carne em flor
treme e palpita, estua e se levanta
o níveo colo real pleno de amor.
Foge-lhe a voz sonora da garganta.
Fere as cordas da lira num tremor
de quem na majestade se quebranta.
Das purpurinas velas da galera
anjos fugindo a doce primavera
cobrem-lhe o corpo nu todo de flores.
E a galera desliza à luz da lua,
como um sonho a fugir, levando nua
a rainha do amor cantando amores.
POESIA ECOLÓGICA
O FAVO
Do cedro secular, guardado qual tesouro,
entre o verde ramal que todo em fogo arde,
no dilúvio de luz bendito desta tarde
vejo, pleno de mel, brilhando o favo de ouro.
No roseiral em flor, alígeras centelhas
cruzam faiscantes no ar, dourando a atmosfera
e sob um céu de amor, sorrindo a primavera
assiste ao festival solene das abelhas.
E quando o fulvo sol, cansado, em agonia,
ensanguenta de luz a flor, o ramo e o pomo,
para mais realçar seu trono de grandeza:
— Entre o verde ramal, que em chamas perecia,
vejo ainda brilhar o favo de ouro como
hóstia cheia de mel no altar da natureza.
O AVISO DAS NÚPCIAS
Andou, durante o dia, o enxame em seu tropel
à procura da flor no matagal escuro,
zumbindo entre o ramal de onde exsurge maduro
o fruto rubro e lindo a gotejar de mel.
Quais centelhas no ar, precipites voando,
as abelhas, à tarde, à colmeia retornam.
E ante os astros que o céu maravilhoso adornam,
a quietude se faz entre o dourado bando.
Do silêncio da noite, a virgem detentora
do reino de amanhã, alarma a tribo toda,
cantando entre os zangões o seu hino de amor...
E chegada a manhã, o enxame todo estoura...
E adeja e zumbe... e vai, no seu festim de boda,
adejando, no ar, sobre os campos em flor.
A CORUJA
Vejo-a pousada e imensamente triste,
como a pensar em leis, duras, severas,
como que na saudade inda persiste
a recordar amores de outras eras;
como um sábio, a pensar se além existe
um outro mundo e outras primaveras,
ou como quem abandonado, assiste
o esfrangalhar de todas as quimeras...
Vejo, assim, a coruja além pousada
naquele galho de cipreste torto,
que para o céu os braços alevanta:
é uma sombra a gemer abandonada...
A saudade, à procura de algum morto...
Erradia visão de alguma santa!...
Página publicada em junho de 2020
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