YOLANDA JORDÃO
Nasceu em São Paulo (SP), em 5 de abril de 1913. Poetisa, teatróloga. Veio para Brasília em 1970. Prêmio Olavo Bilac, ABL (1977). Pert. Associação Nacional de Escritores e a Academia Brasiliense de Letras. Partic. das antologias Brasília na poesia brasileira, 1982, org. de Joanyr de Oliveira; Nem madeira nem ferro podem fazer cativo quem na aventura vive, 1986, Thesaurus; Planalto em poesia, 1987, org. de Napoleão Valadares; Capital poems, 1989, Thesaurus. Bibl.: Fuga, 1936; Campos cercados, 1942; Poesias, 1957; Ponte de pedra, 1970; Retrato oblíquo, 1973; Biografia do edifício e anexos, 1978; Manual de escritos, 1979; Antologia, 1983, e outras obras. Faleceu em 27 de novembro de 1990.
POESÍE DE YOLANDA JORDÃO EN FRANÇAIS...
“Completa em sua condição humana, Yolanda Jordão vê o mundo e o corta, coma aguda faca da palavra, para mostrar-nos a sua essência de desamparada beleza e para prevenir-nos, com experiente inteligência, espírito lúdico e sutil ironia, das enganosas formas que muitas vezes o recobrem.” Da orelha do livro:
JORDÃO, Yolanda. Retrato oblíquo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973. 71 p. 13,5x21 cm. Capa de Eugenio Hirsch. Col. Bibl. Antonio Miranda
AQUARELA
Têmpera parca
xilogravura
o pincel marca
simples rasura
Desenho ensaia
rara figura
platéia vaia
e desfigura
De pincelagem
em pincelagem
quebra-se a imagem
do personagem
Desfeito o tema
ato se encerra
a vida é pena
fora da tela.
EVOCANDO
Pagam-se hipotecas ao tempo
no polir das sílabas
para novos significados
Destilam-se vivências
assegurando identidade
na oficina do espírito
Afiam-se lâminas
inoxidáveis de memória
que se empilham à noite
casualmente
na fonte retroativa
do calendário às avessas
Colhem-se vozes velhas
ecoadas em carícia
através um vento lírico
Despejam-se imagens
predestinadas a cair
no ângulo esgarçado
do derradeiro limbo
Trocam-se passaportes
obrigatoriamente
isentos de assinatura
regulamento ou carimbo
AOS GRITOS
À força de acumular
máscaras aprazíveis
arrebatam-se os diques
uma tarde sem mais
Que a alma se ensope
do jorro desta acidez
da caudal de um ódio
figurado em descrença
Que à tona a impureza
salte livre e desnuda
na violência da queda
do incontrolável jogo
Aos berros e solavancos
em borbotões soltada
inunde as selva
outrora veladas
De
Yolanda Jordão
AUTOLOGIA
Rio de Janeiro: Edições Antares;
Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1983.
173 p.
DESARMONIA
A palavra a ser pletora
há de se armar abraçada
a toda consanguínea família
dos entrechos vibráteis dados:
— nunca esquecer a entrada
na hora exata de soltar o canto.
De cada palavra usada
há um punhado de brotos
esperdiçados
sem fresta delgada
que possam desabrochar.
Se acaso o ouvinte
atentar somente no som
vibrado naquele instante
— da nota seca, de um só teor —
áspera ela chegará trinando mal.
Quantas notas conterá um acorde,
afastado das vibrações espúrias,
para ligar em conjunto
o tanto que os dedos alcançam?
EXECUÇÃO
Um olho de terra e outro de algas
as mãos de árvores e os pés de ervas.
Ficaremos presos na voz da raiz
do coração em primeira escolha.
Depois extirparemos a roupa de nossos sinais.
lavaremos as mãos no sangue assim
fazendo um fogo da cor de água morta
que vai nos devorar para nos liberar enfim
JORDÃO, Yolanda. Autologia II. Prefácio de Abgar Renault. Brasília: Thesaurus, 1987. Capa: retrato da autora por Rosa Lunaro, pico de pena, fim dos anos 60. 122 p. 14x21 cm. Col. A.M.
MOMENTO SERÁFICO
Cabendo-se na ausência
navega-se pelas coisas
flutuando sem se buscar.
Nada se pergunta nem se suspeita
no silêncio que estremece
em branco no puro ar.
Alçando-se cortinas de seda virgem
inaugura-se as vesperais
do canto irresponsável e livre.
Antes havia apenas um quase
nos caminhos tímidos
nos abismos nostálgicos
onde a voz tropeçava
em palavras estranguladas
sufocando fugas fátuas.
Muitas vezes nas sílabas secas
estava todo um oceano
com dimensões de naufrágio.
Hoje porém num resgate de inocência
o olhar sobe às nuvens
onde tormentas quedam-se apaziguadas.
Através da espuma de águas
que devoram o acessório
a ausência em que se cabe
é um doce estar ao sereno
manso com carícia de tão ténue
leve como asa de tão rasa.
JORDÃO, Yolanda. Ponte de pedra. Rio de Janeiro: Editora Sabiá Limitada, 1970. 103 p. 14x21 cm Col. Bibl. Antonio Miranda
RELÓGIO
Quando sairei daqui? "Nunca".
Até quando ficarei aqui? "Sempre".
Assim bate o relógio do Inferno,
disseram as freiras do colégio.
Pesadelo de vigílias insones
nas minhas noites aurorais.
Hoje sair é sempre
ficar é que nunca
Relógio só o do pulso
jamais o do inferno
Sem pesadelo convocam-se, pontuais,
os ponteiros da demência.
A PRAÇA
Depressa, escrever depressa
que o tempo é premente.
Encher de sentido
o que já nasceu vazio.
Depressa, depressa
que o pessoal tem sede
de beber, derramar e conter
o muito, o muito de nada.
Minha gente vamos correr
vamos depressa, vamos
que o tempo é escasso
o beco sem saída
e o vento parou
na boca-calle
da rua transversal
que leva à praça fechada
dos soturnos que ficaram calados.
JORDÃO, Yolanda. Biografia do edifício e anexos. Rio de Janeiro: Imago Ediora Lda; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1976. 89 p. 14x21 cm. Série Poesia Imago. Direção de Jayme Salomão. Col. Bibl. Antonio Miranda
ALQUIMIA
O recinto de uma morte sempre postergada
na busca turva de impossíveis vozes
são desencontros paralelos
de pesadelos que voltam cada vez
e mais o resto que se perde na vigília
exasperada das palavras de papel
Monte de cinzas como provas
de uma última etiqueta final
Não poder ir nunca mais além
ou intentar caminhos em busca dos seus mortos
com seus códigos no laboratório da noite
Apoiar-se de qualquer maneira
no halo em que se está enlaçado
encerrado no que se é
e na alegria dura dessa alquimia demente
Deixar pois as mãos quietas
palmas para cima
olhos brancos para o teto
ou tomar um comprimido
com instruções bem detalhadas
e bastante água para que não encalhe
na garganta seca a sucção idiota
a portas fechadas sem final de surpresas
repetindo ao espelho seu retrato remoto
JORDÃO, Yolanda. Manual de escritos. Brasília: Thesaurus; Instituto Nacional do Livro, 1978. 123 p. 13,5x21 cm. Inclui poemas e também “Alguns textos, contos, artigos.” Col. Bibl. Antonio Miranda.
A PALAVRA
Pomo exíguo a palavra gasosa
— broto do espinho.
Víscera sem jaca no momento exato
faz-se mister no minuto que passa.
Esbanjada é a saliva que não constrói,
entretanto o adubo advém na fartura
do atributo que a terra submissa
devolve em eucarística alvura.
Vinde, pomo visceral, no gume
que por si só brota o lume,
purificando a baba da boca
e o lixo das coisas que não têm rosto.
POÉSIE EM FRANÇAIS
REVISTA DA ACADEMIA BRASILIENSE DE LETRAS. Direção: Antonio Carlos Osorio. Brasília. No. 10 – Março 1991. Ex. bibl.Antonio Miranda
POEMAS DE YOLANDA JORD�O
POEMAS DE YOLANDA JORDÃO
(do livro Antologia)
COEURS BAS
Les deux coeurs
— le sombre et le clair —
Ce qui bat au dehors
et ce qui au fond
ne bouge pas.
Tous les deux seront
libres de voler
et s'ils ne veulent pas
tant pire sera le cas.
Quant à moi,
parbleu,
je m'en fiche
entre eu.
Demain serait-il donc hier?
Ou les dates sont celles qui trompent?
Est-ce que le jour et la nuit
ont les deux les mêmes couleurs
pour tous les pauvres gens aveugles
ainsi comme vient le soleil
troubler le repos du sommeil?
Dis-moi, qu'est-ce que c'est la paix
puisque rien n'éxiste au-delà
de la liberté. Liberté!
— Coeurs bas, par ou on vous attire?
ÇA VA SANS DIRE
La douleur: ça va sans dire.
Et les pleurs — ceux-là plongent au fond
de tout ce qui n'est pas à la surface
des choses vaines et blanches, décolorées
de vibration, d'haleine vive, de soif
d'une eau pure et sans légende.
Venir, parcourir tous les coins
nouveaux et sans connaissance encore
de ses trous et s'éteindre à bout
du corps sans même se donner compte
de la poussière jaillisssante des pores
du ventre profond des choses inconnues.
Et venir et rester ou se laisser aller
sans se retourner parce que, on sait,
la laideur qui monte du fond au fond
jamais lavera la nouvelle laideur
qui joint, à la fin, les bouts de
la ligne parcourue d'un coin à l'autre
dans tous ce qui s'approche
sans qu'elle,.au moins, nous touche.
Viens, alors, étends-moi ta main
et dis-moi, par Dieu, ce qui reste.
Donne-moi un lit au linge immaculé
ou je puisse m'éteindre sans bouger.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA – Ano VI No. 8 – Brasília 1982. Diretor responsável: José Jezer de Oliveira.
DOIS POEMAS
DE
YOLANDA JORDÃO
O PLEITO
Busco no ar as alturas
de amplo ressurgimento.
Nesta noite salpicos
de luz em pirilampos
erguem do cemitério
das palavras inúteis
aquela única que disser
a outrem o que vale saber:
— o suor da camisa empapada,
o rosto sujo sulcado de ânsias,
unhas encardidas focinhando a terra
buscando sementes de vago lucro.
Quebrando vértebras, dorso encurvado
no labor sequente de outro dia,
vão nervos esfolados
pleiteando um socorro.
Busco no ar a placa solene
da palavra-moeda
que pague, dispensando juros,
restituição dispersa
dos muitos bens devidos.
DA PERDIDA FACE
O ventree concebido de expressões antigas
a formar feto inócuo carregado de sêmen.
Injetado por incógnita paternidade
escolhida algures, talvez em sonho,
talvez na epilepsia de uma madrugada
onde morcegos e aranhas pisavam tetos
e debruçavam silêncios arranhando o corpo.
Morta a gestação prometida
nunca desfraldarás tua causa perdida.
Gaiola sem fuga de asas
nem patas que mexeriam folhas
procurando abrigo mel e sombra.
Não mais cantarás no silvo da tarde
o parto pretérito em ato falhado.
Nem o sangue em jorro abortado
dirá do exterior cortado.
Adúltera palavra resumindo seiva
dissipa a face da fêmea exangue.
Hoje a gravidez é hóstia impura,
é gesto, é vento vazio de cavalos saciados,
primazia assumida em negação
às voragens de pastos sem ternura,
hoje a expressão do ventre é o girassol extinto.
*
Página ampliada em abril de 2021
Página publicada em janeiro de 2009; ampliada e republicada em julho de 2010; ampliada e republicada em março de 2013. AMPLIADA e republicada em maio de 2014; ampliada em junho de 2019.
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