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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

WELLINGTON KALIL

 

 

Wellington Kalil de Campos Alves, natural de Teresópolis-RJ, radicado em Belo
Horizonte-MG.Poeta, humanista e ambientalista, cursou Psicologia - Inspirado pelo conceito de modernidade líquida do filósofo Sygmunt Bauman, cunhou a expressão "palavra líquida" , cujo conceito estético pretende decompor as palavras com um sentido de derretimento, liquefazendo e indefinindo o texto. "Assim, a palavra
líquida:

· é fluída;

· seu ritmo é incerto;

· é imprevisível.

Isto abre um novo paradigma, pois agora é preciso pensar a palavra com uma ótica fluídica de semântica descritiva e não mais no seu sentido formal."

Dessa maneira, procura descrever/escrever/rever/ver e ler, visando derruir a forma original, transmutando-a e decompondo-a causando uma outra narrativa a partir do inesperado ritmo, cuja estética se abre para novas imagens, sentidos e sons ali contidos, logrando fugir do ramerrão plástico vigente, tentando traduzir o significado líquido do mundo e da humanidade através das palavras.

Ao utilizar esse recurso como fonte de denúncia da decomposição de valores sociais e humanos, o autor deseja abrir uma nova janela de dimensão artística e literária, a partir do desmantelamento das palavras que tanto pode indicar uma volatilidade como separação ou divisão, desenhando o sentido de opressão, indícios desta sociedade distópica que insistimos em suportar, brutalmente constrangida por ideias de repressão e totalitárias, cujo tecido tende a se tornar, cada vez mais, embrutecido, intolerante e corruptível.

Autor dos seguintes livros de poesias:
1) "Meio que o fim" (Orobó Edições/2002) Edição Esgotada;
2) "Ultimatum" – (Edição artesanal/2003);
3) "Outra Coisa", (Edição artesanal/2004);
4) "Lágrimas Chorando Cebolas" (Edição artesanal/2006). -Participação na Revista Cult – (Editora 17) nº 71/2003-
Excertos do livro de poesias, MERA Madrugada – Revista Cult – (Editora 17) nº 71/2

 

 

       FAROFA QUÂNTICA

 

Ela não sabe
mas quando ela passa
mesmo que ela nunca tenha passado
minha língua se afia salivando um verso inculto e belo
um sabor de paladar se espalha entre aspas
desalinhando a palavra nos desfiladeiros da garganta
enquanto a lua brilha linguada no horizonte
e um elegante ganido de caninos de estridente linhagem
irrompe na biosfera/fera/era da noite

 

Deus exu encarregado de receber as oferendas
vem segurar a barra para que tudo fique numa boa
ele oficia como o mensageiro entre o orum e o Aiyê
dissecando o samba esotérico
no repique do atabaque/baque/que ata e desata baque

 

Na mão lírica um falo ereto
simbolizando a fertilidade
na contramão um patuá de farinha intrínseca
incorporado ao alguidar


Em cima do altar esculpido na rocha
figura o chicote cerimonial de jesus cristo

 

Sobre uma coluna de ouro reluzente
a borduna do índio brasileiro

Ao centro o cajado patriarcal de abraão
glorificado num carro alegórico para desfilar no carnaval

 

Couraça de lobisomem na soleira da porta
e uma fileira de sal grosso por precaução

 

Orelhas enganchadas num arranjo de garranchos
em ramos de arruda para espantar mau-olhado
e definhar olho-gordo

 

Online a lua debruçada na janela debruada de maria
tudo nela é sorriso sua bunda sua energia sua afável companhia

 

Banquete arregalado em gamela de jequitibá
regado com azeite de bicho e recheio de lua cheia
farejando traços longilíneos no suculento pescoço

 

Então um quântico vaivém
ora como língua ou lâmina
ora como lâmina ou língua

 

 

 

 

CADEIRA DE BALANÇO VERDE-GAIO

 

Pela fresta/resta/esta janela
a tarde/arde/de exclamação no balanço do desmaio do sol

uma cadeira verde-gaio debruça pensativa no balanço do balaio
fumando um cigarro pelo avesso o fumacê da fumaça do balanço  
verde-gaio

 

Outra cadeira de balanço verde-gaio olha de soslaio
pra cadeira de balanço verde-gaio engajada na cor
debruçada na janela tomando a brisa de maio
que vai balançando a caminho da praia
parafraseando a cadeira de balanço verde-gaio

 

No clima verde-gaio eu entro e saio cambaleio e caio da janela
como um signo cambaio me apoio no balanço da cadeira verde-
gaio
ouvindo jambalaya on the bayou
levanto e caio na real no balaio da cadeira de balanço verde-
gaio

 

Essa cadeira/eira/ira e beira de balanço verde-gaio parte de       
mim
boa parte dela é flash
o resto é flashback

 

 

 

 

 

QUILHA

 

Estou muito em vão
entre o mar e a engenharia de nix
esquecido nesta quilha
onde murmura o meu quinhão
no clímax do escuro

 

Que a balestilha cravada na lida
arfagens no tombadilho do meu tórax
e as estrelas-guias adernaram nas entrelinhas
desde beirute à meia-noite

 

Que o cedro do líbano se partiu numa nuvem cogumelo
assim como a indumentária do pavilhão da explosão estocada no porto
cartas bússolas bainhas e espadas a bordo
caixas eixos pinos pregos bússolas agulhas hinos e memórias
a geometria desfigurada na eterna morfologia do tempo
ao redor ao redor e ao redor


Que a beirute celestial minha mente e o mar e o além e o além-mar o
leste e o oeste
e os parâmetros aqui assinalados/inalados/alados
seguem desnorteados como o hit da escuma
no beatbox da arrebentação

 

 

 

 

O HOMEM É O HOMEM DO HOMEM

 

Até aqui eu ouvi que o homem é o lobo do homem
estou certo de que revivi/vivi/vi e não venci
daqui onde estou passei noites em claro
escrevendo por você pra você e por mim
não aquilo que você quis que eu escrevesse
mas aquilo que você não sabe que quer
que eu te escreva

 

Também atirei palavras ao vento
joguei conversa fora conversei fiado
rasquei notas de cem taquei pedra em avião
fui chamado de louco e fui louco sim
filosofei nas rodas de botequim
eu cri na liberdade de expressão
preguei a paz e o amor
nos epigramas da solidão
e conforme aprendi debalde atirei rosas
para quem me atirou paus e pedras

 

Desci aos infernos
ao terceiro dia ressurgi dentre os mortos-vivos
que para mim são os outros e para os outros sou eu

 

Foi em nome de mim que fiz do fim de noite
uma noite a fim de qualquer direção

 

Lápis e papel na mão
deixei a folha em branco para sempre
porque deu branco ou derruída inspiração
coração partido/tido/ido e havido sem rumo

 

Entanto o homem é homem do homem
padeço pelo que eu sou e pelas palavras por desdizer/dizer/dizer e dizer padeço pelos meus pés apegados ao chão embora eu quisesse voar
padeço pelos versos que habitam meus lábios ressecados de tanto mentir padeço pelos poemas da minha geração
se os gestos e as palavras que ensaiei
eu nunca apresentarei nem aqueles de gaveta eu irei guardar
se nada do que eu tenho embora nada tenha levarei comigo
onde a palavra/lavra/a bala da expiação
na desabalada/abalada/balada/alada/da noite

 

***

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Página publicada em dezembro de 2020

 

 


 

 

 
 
 
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