VIVIEN KOGUT
Vivien Kogut Lessa de Sá, é carioca de 1969. Mestre em literatura pela PUC - Rio, é professora, especialista em literatura inglesa. Livros publicados: - Água Rara; Durante a Noite.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 13. Número 20. Março 2005. Revista trimestral de poesia. Editor Luciano Trigo. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca Nacional, 2005. Ilus. Ex. bibl. Antonio Miranda
A foto
No nosso quintal de sol
sorriso de dente de leite
e cheiro de ar puro.
0 vento dança
entre os braços rodando,
pulos de zig-zag,
estátua estufada de riso.
0 tempo sai pela janela
do meu abraço.
Voa se enegrecendo e atravessa,
as palavras se desprendem no caminho
vão queimando pedaços
nave sumindo no breu.
0 espaço distante é terra escura,
estrondo e cataclisma dobrando as beiradas.
Além delas só poeira amarela e revoada de lixo.
Apalpo o caminho pelo pó, o resto de carcaça
chego até a cena:
estendida, olhos enormes de medo
suor frio, urina na calça
partes faltando, sangrando na maca
a criança do fundo da noite
me olha.
E pingando os restos
sem escrita para essa foto
fecho seus olhos com as mãos.
Pelo oceano
O sargaço espeta o fundo
escuro do meu silêncio.
Caixa fechada de tempo
sob o limo do navio.
Na viagem borrascosa
a história perdeu-se na água
toda a mercadoria valiosa
nunca mais encontrada.
Em algum lugar viveu esta madeira
a calmaria do tempo contínuo.
Agora é esperar que o mar coma
a cada dia o resíduo.
Em algum lugar estas palavras
já foram outra língua
agora são mar de sargaço
escrita sem tinta.
Depois, o silêncio
Um grito urgente atravessa a mata
Bebê desesperado e agonia sem fundo.
Os vidros quebrados entortam a vista
a água irrompe, sem intervalo.
Depois falta palavra.
Uma criança miúda abra a caixa —
depósito de vida toda guardado —
o tecido da pele ardendo
casca pesando que enruga as pontas
e na escuridão do fundo
se precipita.
Na tua floresta
Enquanto chove
nos teus olhos, você no tempo
abre trilha.
pedra lisa sonde a luz descansa.
Enquanto o ar
alisa teus pelos, a pele
fina, couro de seda
pinga em seiva o leite forte
tua voz vermelha no tronco lanhado,
chamando.
Enquanto chove
em você
me aninho entre as gotas.
Nossa sombra —
rocha viva no deserto.
Página publicada em julho de 2018
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