VICTOR LEONARDI
Victor Leonardi nasceu no dia 15 de outubro de 1942, na cidade de Araras, interior do Estado de São Paulo, onde passou a infância e o início da adolescência. Foi aluno de escolas públicas e morava ao lado da biblioteca municipal, que ele frequentou assiduamente a partir de 1950. Lia um livro por dia. Seu pai era médico. Sua mãe, professora.
Quando completou 14 anos, em 1956, fez sua primeira viagem internacional, para o Uruguai e a Argentina. A partir desse momento, nunca mais parou de viajar. Ler, escrever e viajar são três constantes em sua vida.
Estudou na Universidade de Paris, foi professor na Universidade de Brasília, professor-visitante na Unicamp, na Universidade Federal da Paraíba, na Universidade do Amazonas e na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
O editor Massao Ohno, de São Paulo, publicou dois livros de poesia de autoria de Victor Leonardi: Livro verde das horas e Território do escritor. O terceiro livro de poesia – A arte de viajar à deriva e ressurgir com paixão – foi editado no Rio em 2003. A Editora Paralelo 15, de Brasília, publicou os poemas dos livros Em sintonia com o imprevisível, em 2008 e Tambores e letras na guerra que anula o sinal de morte, em 2010. Leia mais sobre o autor em seu blog: http://www.victorleonardi.blogspot.com.br
O PRINCÍPIO SEM PRINCÍPIO
A poesia nunca é maldita
Mesmo quando o poeta come ópio
Ou é um marido complacente
Ou se chama Gregório de Matos.
A lei da magia sempre foi a lei da oposição.
Words, Words, Words, continua dizendo Hamlet
Enquanto nós batalhamos (por escrito) pelo equilíbrio
Pela construção da vida
De forma muitos vezes maldita.
Quase sempre maldita.
O CONHECIMENTO DAS COISAS QUE SÃO
Sempre que o vento é forte, em Brasília, as águas do lago se agitam
E a poeira vermelha se levanta, em redemoinho, como se quisesse dançar.
As águas não quiseram se agitar, elas simplesmente se agitaram.
O vento também não quis ventar, ou a poeira dançar
Isso tudo aconteceu independentemente deles.
Assim também as minhas imagens poéticas, que nunca me pedem licença para surgir.
Elas sobem à tona e acontecem, sozinhas, independentemente de meus sentidos.
E no entanto elas aconteceram de mim. Fora de minha personalidade
Mas dentro de uma individualidade mais vasta, que até hoje eu não sei qual é
Assim como a poeira vermelha nunca pensou em deifnir a sua natureza.
OS SILÊNCIOS DO LIVRO
Uma parreira quando cresce, na primavera, não tem
/nenhum objetivo utilitário. Ou esotérico.
Não é Ísis, nem Maya, nem Porta do Santuário Oculto.
É simplesmente parreira.
E no entanto vai crescendo, concentrada em seu silêncio
Com as raízes na terra
E a cara voltada para o ar: para a água da chuva
E o fogo do Sol.
Dessa plena posse de si mesma nascem os cachos de uva
Que Homero citou duzentas vezes na Ilíada
E que Noé (depois da fermentação) gostava tanto.
Noé lavrador embriagou-se com o vinho de sua vinha
E se pôs nu dentro da tenda, como diz o Gênesis.
A parreira continuou lá, unidade vida, pessoa sem ser humana
Sem nunca ter sido personagem:
Guardando silêncio sobre os seus desejos e projetos
(eu antes não aceitava, mas hoje admiro esses silêncios)
Para não poluí-los com as nossas preocupações.
NA CURVA DO CAMINHO
Um belo dia
A esperança foi-se embora
Do povoado da serra.
Foi vestida de luto.
Noite preta, fundo de praça
Por toda parte um cheiro antigo
De telhados-musgos
Coloniais.
Só ficaram as roupas
Amarelas
Nas molduras dos retratos.
― São onde e meia, falta pouco!
Na curva do caminho
Eu venho chegando.
Sozinho.
Procurando algum semelhante:
Pelo menos um
Nem que seja apenas um.
LEONARDI, Victor. Livro verde das horas. Poesia. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1999. 102 p. 16x22,5 cm. Capa: Arcangelo Ianelli. Col. A.M. (EA)
A idade da glória
Visões diferentes de assuntos que se cruzam
Nenhuma sequência ou linearidade entre as histórias
Há inclusive repetições, como no Velho Testamento
Com suas duas versões possíveis, eloísta e iaveísta.
E no entanto meu personagem principal é sempre o mesmo:
O tema do relógio de areia, das idades do mundo.
Dizem que a graça e a glória são as duas últimas idades.
Dizem também que as manifestações da vida
Precisam ser afinadas como os instrumentos de uma orquestra.
LEONARDI, Victor. Território do escritor – diminuto e heroico. São Paulo: Massao Ohno Editor, 2000. 118 p. 16x23 cm. Capa: óleo de Arcangelo Ianelli. Col. A.M. (EA)
Possibilidades inversas
Crescendo sem ajuda de fora
Muito mais do que autoconsciente
E viajando sem cessar:
Um poeta não escreve sobre o que já sabe
Mas sobre o que pretende conhecer...
Taça, espuma e garra.
Livre para ser livre
Sou meus desejos e corpo:
Metalurgia, pluma de águia
Autodeterminante até o fim.
Enamorado, com certeza
Sempre enamorado.
O papiro é a imagem vigorosa
Do mundo em gestação.
Escrever de forma livre.
Nenhuma dependência.
Nem sombra de subordinação.
LEONARDI, Victor. A arte de viajar à deriva e ressurgir com paixão. Rio de Janeiro: Instituto Diversidade Brasil, 2003. 82 p. 16x21,5 cm. Col. A.M. (EA)
O mundo das palavras
Santo Antonio dos Carrapatos.
São Miguel do Gostoso.
É cada nome...
Morei em um lugar chamado Rio Bonito do Lumiar!
Nunca vi um nome com tanto sabor de esconderijo.
A cabeça no espaço
Na primeira parte de minha vida eu era meio pragmático.
Sabia conferir, pesar, medir, planejar.
Depois fiquei desligado.
Não usei relógio durante dez anos.
Não li jornal durante três ou quatro.
Nunca me fez falta.
Ursos não se alegram sem liberdade
As árvores não pararam de crescer.
A chuva chove sem se justificar.
Não sou obrigado a entrar em crise só porque o Estado está em crise!
As instituições são transitórias, mas não a minha paixão.
Incondicional.
Permanente.
LEONARDI, Victor. Em sintonia com o imprevisível. Brasília: Paralelo 15, 2008. 56 p. ISBN 978-85-86315-22-2 Col. A.M. (EA)
Soluções que não resolvem
Não procuro palavras, são elas que me acham,
Mas investigo, sim, o desconhecido:
Emboscada é a principal especialidade de um poeta,
Quem trabalha para elevar o pensamento está
participando de uma grande conspiração...
Fui perdendo o rumo,
Perguntando aqui e ali.
O homem originou-se de suas lágrimas, assim como os peixes
Não sou crédulo nem mestre da dúvida,
Tudo que ganhei e perdi não foi por acaso:
Flor-semente,
Todos os trilhos da força.
O despertar e o responder.
Os peixes sem água perecem.
LEONARDI, Victor. A arte de viajar à deriva e ressurgir com paixão. Rio de Janeiro: Instituto Diversidade Brasil, 2003. 82 p. 16x21,5 cm. Col. A.M. (EA)
O mundo das palavras
Santo Antonio dos Carrapatos.
São Miguel do Gostoso.
É cada nome...
Morei em um lugar chamado Rio Bonito do Lumiar!
Nunca vi um nome com tanto sabor de esconderijo.
A cabeça no espaço
Na primeira parte de minha vida eu era meio pragmático.
Sabia conferir, pesar, medir, planejar.
Depois fiquei desligado.
Não usei relógio durante dez anos.
Não li jornal durante três ou quatro.
Nunca me fez falta.
Ursos não se alegram sem liberdade
As árvores não pararam de crescer.
A chuva chove sem se justificar.
Não sou obrigado a entrar em crise só porque o Estado está em crise!
As instituições são transitórias, mas não a minha paixão.
Incondicional.
Permanente.
LEONARDI, Victor. Em sintonia com o imprevisível. Brasília: Paralelo 15, 2008. 56 p. ISBN 978-85-86315-22-2 Col. A.M. (EA)
Soluções que não resolvem
Não procuro palavras, são elas que me acham,
Mas investigo, sim, o desconhecido:
Emboscada é a principal especialidade de um poeta,
Quem trabalha para elevar o pensamento está
participando de uma grande conspiração...
Fui perdendo o rumo,
Perguntando aqui e ali.
O homem originou-se de suas lágrimas, assim como os peixes
Não sou crédulo nem mestre da dúvida,
Tudo que ganhei e perdi não foi por acaso:
Flor-semente,
Todos os trilhos da força.
O despertar e o responder.
Os peixes sem água perecem.
LEONARDI, Victor. Tambores e letras na guerra que anula o sinal da morte. Brasília: Paralelo 15, 2010. 64 p. 14X21 cm. ISBN 978-85-86315-65-7 Col. A.M. (EA)
Construindo uma linguagem
Na era da desumanidade
A amizade é uma forma de harmonia.
A bobeira está dominando o mundo...
E a feiura tomou conta da linguagem massificada!
Com tanta decomposição
E destruição
Não pode haver felicidade duradoura,
E então aqui vou eu, sozinho,
Sem seguir rotas predeterminadas,
Procurando encontrar não sei muito bem o quê.
Minha batalha não é uma simples briga de rua.
E uma harmonia de tensões opostas.
O pólen
Os porões são muitos, e é difícil purificá-los,
Pois o mau cheiro infesta tudo quando o pensamento
caótico
Entra em decomposição.
Porém os bons livros acabam chegando, sem
necessidade de propaganda,
As mãos dos leitores para os quais foram escritos:
As raízes crescem sem serem vistas
E o pólen esvoaçante fecunda muitas flores,
Sem cobrar dinheiro algum.
A boa leitura perfuma o ambiente
E rejuvenesce!
Melhor que isso só jabuticaba.
LEONARDI, Victor. Nasci no país que tem nome de árvore. Poesia. Brasília: Gaia Produções, 2912. 194 p. 16x23 cm. ISBN978-85-64313-64318-01-9 Col. A.M.
Poetas e bebedores de bons vinhos
Transito por vários tempos e diferentes espaços
Como se o mundo fosse
(e ele de fato é)
Aberto para a livre circulação de poetas,
Afores,
Músicos,
Xamãs,
Loucos,
Grandes viajantes,
Bebedores de bons vinhos
E alguns leitores de ficção.
Esse é o mundo dos Atlantes
Da Grande Deusa
Da carne que enfeitiça o Além
Das almas penadas
Das coisas assombrosas que existem em Minas
E da fusão quotidiana de tempo e eternidade.
Infinito é o mundo em que um poeta nasce.
O país que tem nome de árvore faz parte dessa infinidade.
Sinto isso como algo predestinado:
A poesia sempre me levou para além dos limites das
subdivisões.
A mobilidade mental é um dom extraordinário. Quase
xamânico.
O arcano das letras
A casinha onde me hospedaram, tantas vezes, na ilha grega
de Samos,
Tinha um jasmineiro na porta de entrada
E várias oliveiras no quintal.
Não ficava muito longe das ruínas do templo da deusa Hera
E de uma pequena encosta rochosa do Mar Egeu.
Foi aí que aprendi, como historiador,
A relação que existe entre as letras do alfabeto grego,
Os números
E os quatro elementos: terra, água, ar e fogo.
Devo à Grécia essa descoberta extraordinária.
Passados tantos anos, continuo, como um grego arcaico,
Buscando, aqui na Mantiqueira, graças ao arcano das letras,
A escrita original, anterior a toda anterioridade.
Vento-sul
Entre a meia-noite e as cinco da manhã
Aqui
No meio da floresta
A hermenêutica não me serve para nada.
Uma coruja piou
E o vento-sul começou há pouco.
Os troncos das árvores estão rangendo de frio.
As raízes e o pólen
O país onde nasci tem nome de árvore.
Estou aprendendo com ele,
Lentamente,
A ser uma pessoa.
Não tenho pressa alguma.
Não sou uma consequência,
Sou um princípio:
Não abro mão de minha liberdade de ir e vir.
Como não existem árvores andantes,
Esvoaçantes, viageiras,
Sinto-me mais próximo do pólen do que das raízes.
O pólen voa, viaja sem rumo,
Erra, acerta e fecunda.
Fotografia do poeta quando jovem, em 1963, quando iniciou a escrever poesia.
Página preparada por Salomão Sousa e publicada em fevereiro de 2009ampliada e republicada em julho de 2012. Ampliada e republicada em janeiro de 2014.
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