ROSANE CARNEIRO
Rosane Carneiro é autora de Excesso (edição independente, 1999) e Prova (Editora Ibis Libris, 2004). Já integrou diversas antologias, incluindo 80 Poetas do Rio, da I Mostra de Poesia Moacyr Félix (Editora Logos), e Poemas Cariocas (Ibis Libris Editora). Também foi publicada pela revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional. Em 2004, a poesia de Rosane foi incluída e analisada em estudo sobre
as novas vozes da poesia feminina carioca, o livro Além do cânone, organizado pela professora Helena Parente Cunha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também integra e é uma das inspiradoras da coletânea Ponte de versos, uma antologia carioca. Rosane organizou os eventos Ponte de Versos, no Jardim Botânico, e Poema Expresso, na Glória. É carioca, redatora e mestre em Literatura Brasileira pela UFRJ.
De
Rosane Carneiro
CORPO ESTRANHO
Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2009
90p.
Neste seu pequeno livro-corpo “indevido”, Rosane Carneiro não presume a fatal destinação dos seres, desde o “ovo” condenados a uma vita breve. Evoé, ruge a poetisa, convidando homens e mulheres ao renascimento de Dionísio, seja nesta existência bailarina, seja em outras de um aquém-túmulo. E se a vida pode ser “memória do corpo” ou “carne da história”, por um lado indica aquilo que resiste, por outro o que sacia a fome de si e do alheio. Ou seja, a fronteira entre o corpo inibido e o corpo desejante: “Ao alcance dos olhos a cura /o que não se procura / não se prescreve /receita em descoberta”. Leonardo Vieira de Almeida
As modulações de Eros, tão presentes em Prova, livro anterior de Rosane Carneiro, ressurgem ainda mais intensas e bem trabalhadas neste Corpo estranho. Na busca de palavras que digam a força da matéria, Rosane defronta-se com a “carne da aurora”, deseja a “embriaguez da luz”. Na sua poesia, transforma-se estranho em entranha, pois o outro já surge sob o signo da interioridade: “germine em mim /a pele do homem amado”. Sorver o corpo da paisagem (“os músculos do vento”) ou perder-se na paisagem do corpo são movimentos que apontam para a mesma direção: a da palavra poética entendida como a prática de uma erosgrafia.
Antonio Carlos Sechin
Página preparada e enviada por Luiz Otávio Oliani
MÚSCULOS face a face
feixes de força iluminados
no eixo das fibras
fusão entre o que fende
e compacta
fissura
de ser fita
seda e cetim
do que foi carne
e hoje é fístula
de forma emoldurada
ENTRANHADOS NA CARNE da aurora
dialogam pássaros
entre vísceras de árvores
a argumentar aos músculos do vento
o encadeamento do tempo
articulações da existência
Bege, sanguínea e suspensa
a criatura da manhã
nutre a teia daqueles galos
e gera do púlpito de batimentos
reflexões nos homens,
insones rebentos
FOLHAS FRUTOS fontes figos
a fundo te imagino
figuras febril
cálido bendito
fugidio ao toque porém
flanas deveras no sonho
feliz e permitido
SEGUE O DIÁLOGO com o tempo
erupção de tratados e pactos
de um longínquo estar
pelas entranhas do universo
antepassado presente
refletindo a abóbada dos séculos
e egrégoras de todas as eras
escoar épocas
prossegue o diálogo
vestir vocábulos
envergar a palavra
para traduzir
o mundo primevo
o mundo velho
o mundo eterno
DO CORPO fazer miséria
altitude para o tombo
vácuo para o limite
fundo para o trote
Do corpo miserê de ideias
perfumes, lâncomes, beauties e batons
ossos vestidos em luxo
apenas para nu ao final dormir
Trapiche o corpo
gosta de vadiagem
ou vadiação
?
Para sumir de si
basta que ele queira
estar contigo e ser outro
vagar indefenso sem juízo
Para ser de ti estranho
nada celeste
puro delito
inteiro presente
mas de todo santo
Extraído de
POESIA SEMPRE. Revista semestral de poesia. ANO 9 – NÚMERO 14. AGOSTO 2001. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2001. 222 p. ilus. col. Editor geral Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626 Ex. bibl. Antonio Miranda.
Non line
Dá-me da miséria do mundo
e da solidão da vida em gomos
Existência on-line
em tomos
Mas meus frames
somente eu decido
Mais torto que direito
ou bonito
A vastidão do viver
ainda vejo
em cada
pedaço
Sobrevive do viver
Ainda vejo
em cada pedaço
Sobrevoo sem deriva
E desfaço:
não necessito
de mosaicos
Olhos de poesia
Ponderei
em olhos castanhos
azul que não há no mar
um poema avelã
de um verso pomar
a juvenília escorrendo
pombos no ar
a poesia me mira tal
que já não enxergo
enredo
desmancho
penetro
neste olhar
no olhar
no olhar castanho
Página publicada em fevereiro de 2010; página ampliada em junho de 2018 |