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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

RONALDO SANTOS

 

 

Nasceu em 1948 na praia de Icaraí, cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Poeta e letrista de renome.

 

sou senhor de mim mesmo
não sou dono dos meus desejos
à vezes bato na porta errada
às vezes sou a favor da porrada
vez em quando sou carinhoso
às vezes não sou de nada

 


ENTRADA FRANCA-1973

 

a loucura andou me procurando

bateu á minha testa

baralho de pensamentos

a loucura andou me procurando

rondou minha casa

largou-me entre deus e diabo

e depois foi embora.

não me amou.

o louco dentro de mim não me quis

apenas mandou mudar a realidade.

 

dia d

 

sentei no bar

pedi uma cana

copo sobre o balcão

gritei: GARRAFA

bebi.

depois quebrei a garrafa

prendi o gargalo entre os dedos

e mirei minha garganta.

pensei dois s e g u n d o s

e enterrei, sem medo, em um transeunte.

 

 

14 BIS -1979

 

chamei o barman de garçom

seria a mesma coisa te chamar de suzie ou lili

a única atitude para resolver o impasse

é assumir definitivamente o nome roberval tailor

e pagar a conta com uma folha de bananeira

 

*

 

quem não vê não merece a luz que come

 

*

 

conversa fiada também é informação

 

*

 

se vier me procurar direi a verdade

foi inútil a última tentativa

o abandono de causa sem razão

não vou falar da covardia ou medo

a gente sabe que todo mundo vacila

mas combinamos de outro jeito

e não perdoávamos erros alheios

falarei horas seguidas e acabaremos bêbados

dormindo com o cigarro aceso

e o incêndio esquecido

 

*

 

ela é carioca mas é paranóica
empenhou o coração por um beijo
bebeu sem dinheiro
deixou um santinho de ouro em cima do balcão

                   pro Charles

*


um lance de dados jamais abolirá os doidos
 
                   um lance de doidos jamais abolirá os dados

 

 

*“Nuvem Cigana foi um dos raros coletivos que alterou toda a cultura de seu

1 tempo, e deixou rastros visíveis até hoje. Se não tivesse existido, em meados da década de 1970, certamente não teriam surgido, ou ao menos com tanto impacto, algumas das principais manifestações culturais dos últimos trinta e poucos anos: a poesia falada, o teatro de besteirol, o rock brasileiro da década de 1980, a renovação do carnaval de rua carioca, entre outros. Por isso, surpreende que pouco se saiba sobre o grupo.” Sergio Cohn

 

SÉRGIO COHN, poeta e editor, organizou e publicou a obra NUVEM CIGANA – POESIA & DELÍRIO NO RIO DOS ANOS 70 (azougue editorial, 2009)), com todo o historial do grupo e suas descendências. Mais informações em WWW.azougue.com.br

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Fragmentos de poema extraído de

 

 

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder.  Retrato de época: poesia marginal anos 70.   Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.  363 p.  ilus. “Este trabalho foi apresentado como dissertação de metrado, sob a orientação de Gilberto Velho, ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Feral do Rio de Janeiro.” [Edição de texto: Afonso Henriques Neto.]    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

(...) do livro Entrada franca cujo subtítulo afirma É O QUE DIZEM MEUS OLHOS, publicado dem 1973. O livro é aberto com o seguinte texto:

 

 

        abrir aos gritos e pontapés as portas do mun-
do. é terrível demais, sinto-me triste, triste
e em paz por achar tão estranho, a incapacida-
de de compreender como chegaram a isso. Como,
vivendo assim, beijam os filhos e trepam com
as mulheres. (homens passam acorrentados pelos
intermináveis corredores do fórum)

        Eu lhe asseguro, baby — a raça humana não presta

        Só quero que Deus me perdoe, seja benevolente
contigo e os amaldiçoe. Sentir tudo — fundo in-
finito — a desproteção total.
Quero dizer sim um dia. o não como tiro cer-
teiro.
Eu nem quero as palavras — os olhos como lança-
chamas.

        Eu lhe asseguro, baby — a raça humana não presta

 

        (...)

 

                Sem dar tempo suficiente
a vida me come aos pedaços.
O que sobre, eu junto as migalhas
e engulo de vez

                        a morte em mim não mata nada
a não ser o corpo
de mim não leva nada
a não ser o morto

                A loucura andou me procurando
bateu à minha porta
baralho de pensamentos
A loucura andou me procurando
rondou minha casa
largou-me entre deus e diabo
e depois foi embora.
não me amou.
o louco dentro de mim não me quis
apenas mandou mudar a realidade.

                        nos dia sol
são gaivota por aí
amando os peixes
e as pessoas

                Ontem eu perguntaria por quê?
Hoje, passo e registro.
Quando paro mais tempo,
as fotografia fica mais nítida,
com muito contraste.
Mas às vezes, meu coração
que é de carne
tem contrações violentas
e uma estranha matéria
jorra de minha pupila
e aí,
a lente fica toda embaçada

                        já me disseram mais de duas vezes
agora eu digo por onde vou me perder
com o que tenho na cabeça
na cabeça os pés
na rua do mundo.
olhos p/ros lados
não pinta nada
nos muros e nas bocas.
nas bocas lábios pintados de vermelho.

 

 

                ARREGAÇA

             ninguém samba fora      
quando a coisa rola
ofício da carne
osso do carburilho

                    vista alegre
brilho no olhar
colírio

             pra quem entende de assalto
saltos mortais e alegria
pra quem se chega sorrindo
nas bocadas do subúrbio

                    vista alegre
paraíso de olhos vermelhos
nem pensa em chorar

             no morro da providência
pipas tem outro sentido
se tem cruza no céu
tudo azul
mas se o céu fica nu
malando abre o olho
sarta de banda
se manda

              crianças vigiam
e sacam polícia
pelo andar
pelo medo
pelo cheiro

             Homens da Lei
é uzomi
Cela de Detenção
é cúbico
Realidade
é sufoco

             quando o sol dá meio-dia
é maçarico na cuca
quando pintam as estrelas
é hora do lobo
do roubo
e de manhã cedinho
o dia já começa muito louco  

 

 

Página ampliada e republicada em novembro de 2019

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