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RICARDO THOMÉ

 

 

(Rio de Janeiro), é poeta, romancista e doutor em Literatura Brasileira. Organizou e prefaciou Melhores poemas de Ivan Junqueira (2003) e publicou os romances Cão danado solto na noite (1999) e A hora em que os lobos choram (2002), e o livro de poesia Arranjo para cinco vozes (2005). 

RICARDO THOMÉ

 

 

Poema inconformado

 

Se você tivesse morrido

eu lhe teria enterrado,

faria rezar uma missa

de sete dias de finado.

 

Ou, então, se tivesse se ido

em um boeing pro fim do mundo,

essa saudade que me atiça

eu mandava que fosse junto.

 

Se exilado na Cochinchina

em endereço ignorado,

ou lá no cafundó do Judas

eu me teria conformado.

 

Se depois dos quintos dos infernos,

onde o zebu perdeu as botas,

eu desistiria, afinal,

de pôr fé nas suas lorotas.

 

Ou se para os raios que o partam

tivesse lhe enviado Deus,

eu abdicava de vez

de sonhar com os beijos seus.

 

Porém, sabê-lo aqui por perto

dá ganas de pô-lo num jegue,

mandá-lo, com todo o respeito,

para o diabo que o carregue.

Por sabê-lo aqui bem perto,

belo como nunca se viu,

me dá vontade de mandá-lo

lá para a dona que o pariu!

 

 

Canção triste

 

Fica comigo, seu moço,

fica comigo, me abraça,

não tenha pressa, isso passa,

fica aqui, to no caroço,

to comigo-não-há-quem-possa,

eu tô que é feito uma joça,

eu to que é tipo no gesso,

no anverso de mim, no avesso.

 

Eu tô no fundo do poço,

no oco do oco mais oco,

to na lama, na poça,

fossa mais fossa do fosso.

Eu tô comigo-nem-eu-posso,

eu to que é um treco,um troço,

no toco do osso, na corda,

bem no olho desse sufoco.

 

Não troça de mim, seu moço,

por favor, não faça troça.

Que essa joça é tão sem bossa,

e essa bossa é tão insossa,

e eu ainda sou tão moça,

pra morrer assim tão cedo,

pra viver assim com medo,

pra penar assim, minha nossa!

 

Tô comigo-ninguém-pode,

não faz troça, não me mace,

ta tudo insosso, assim, alface,

não debocha, não me fode.

Eu to na força, no impasse,

só por um triz, por um passo,

e até que isso passe,

fica comigo, seu moço!

 

 

 

Pô,  Ema!

(Exercício poético)

 

Ser lã para o teu corpo, e alegre sê-lo,

Seguir-te até a China, até a Marte,

colar, grudar em ti por tanto amar-te

como fosses a carta e eu fosse o selo.

 

Eu que todo a amava se toda a via

(tamanho amor, assim, onde cabê-lo?),

amava cada fio de teu cabelo

e amava-a ainda mais e mais, todavia.

 

(Quando passar a morte a sua foice

sobre a vida mais rica que é a tua,

terei a saudade de ti que atua

no meu lembrar-te, Ema, e o tudo que foi-se).

 

Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), Número 26, Ano 14, 2007.

POESIA VIVA. Ano 14 – No. 38–Novembro de 2008

Rio de Janeiro: UAPÊ Espaço Cultural Barra Ltda. 

Editora Uape@terra.com.br        Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

SONETO DA CURA

Quando eu já não mais souber de mim,
quando, para mim, tu fores eu,
quando a todo não eu disser sim
e em toda luz perceber o breu;
quando, em mim, ao outro eu enxergar,
e saber-me, assim, parte do Todo,
amar tudo os que não posso amar,
aceitar o ouro e também o lodo;
então, enfim, estarei curado,
livre do cárcere-ego, enfim!
E entre o belo lago e o sujo mangue
eu serei dos dois enamorado:
que a todo yang corresponde um yin
e a todo yin corresponde um yang.

 

*

Página ampliada e republicada em janeiro de 2022

Página publicada em novembro de 2009.

 

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