REGINA POUCHAIN
Regina Pouchain é carioca, poeta, analista de imagens, designer gráfica, artista intermídia, pós-graduada em Filosofia da Ciência na UFRJ. Atualmente organiza arquivo de Poemas Visuais Nacionais e Internacionais, trabalhando na criação de Poemas Matemáticos, Cromatização de Poemas Virtuais e Fotopoemas. Em co-autoria com o poeta gráfico Wlademir Dias-Pino vem desenvolvendo há alguns anos o projeto Contrapoemas – fusão cibernética entre palavra e imagem. Editora do fanzine Sulfato Ferroso, mantém na internete, na área da visualidade, os blogs Sophotos e o zineblog Lambuja –
www.lambuja.blogspot.com www.sophotoscom.blogspot.com
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POEMAS VISUAIS DA ARTISTA EM NOSSA PÁGINA
Z – Revista de Poesia. Ano I, no. 2 – agosto-setembro de 2012.
Editor: Paco Cac. Projeto gráfico/Capa: Fernando Aquino.
Brasília, DF, ISSN 2238-3778
Lápis-lázuli
Lâminas que sol
Brilhos ácidos overdoses reflexos
Céu de janeiro prismas sextavados
Excessos brancos pigmentos
Pontos de areia oceanografia
Pestana que úmidas algas
Granizo vidraças
Contras celestes recessivas
Gotas luzas corais que conchas
Ostras se tímido ousados raios
Se vidrados glóbulos alumínio
Gutural
Saudades sombras mórbidas
Cantaria obscura sal-gema
Chuvas ácidas
Gravitam fósseis frios
Escurecem escurecem
Narinas embaçam grades
Catracas finas vidraças
Bolhas bafos bocas de insônia
Eriçam medos tártaros
Segunda-feira manhãs tombadas
Oleosas manhãs
Lama limo lodo buracos negros
Amores não salvam
Colapsados engasgam
Táteis asperezas
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FLOR-TITÂNIO
Manhãs letais que crescem.
Amor estrangulado em âmbar.
Delírio de fogo que se encarna.
A voz minúscula e asmática,
Que brota dos interstícios da terra.
Corpo alterado, sofrimento retroativo.
Azul alarme, um piano irrompe.
Cidades agudas sangram alumínio.
Memórias agarradas ao que cavam.
Sob o silêncio desse ínfimo sábado.
Um derrame de mar vertical.
Musa de areia pilhada.
A boca engole o mergulho.
No alvo das imagens coagidas.
Coração pedra-pomes.
Um ego-ânsia magma invertido.
Feridas visuais, legendas átonas.
Esguio como o tempo.
Dor de guardar, alta, intacta.
Um cavalo de fogo desce a colina.
Mundo estrábico, excesso vocal.
O amor é cítrico.
Desligar é construir mundos.
Minúscula paisagem, ostentação simétrica.
Saara silêncio, sementes que desistem.
O mercúrio que sara o bote.
Eu, carne de papel, sangue de imagens
Cérebro capitular.
Entre sondas, vazios intangíveis.
O infinito escorre.
Pálpebras soberanas.
Sonora mulher nanquim.
Histórias no granito da pele.
O sal imantado das dúvidas.
Beijo alçapão, alegria acústica.
Ontologia para teus desenhos.
Os frutos que nos comem.
Vontade férrea, o mel e os tiros.
Envelhecer é cansar-se de trajetórias.
A juventude é geométrica.
Na artéria das palavras iradas.
Farpas invadem o poema.
Musa errática em clorofila.
Fraturas do vento abissal.
A beleza-limite que se desloca.
No cinza céu-da-boca da ausência.
Convulsões da febre caligráfica.
Na enlaçada volumetria do teu corpo.
O homem, um hiato entre duas dores:
Nascimento e morte.
Gravitar-te com escamas e seios góticos.
A loucura que em nós exubera.
As dimensões da insônia.
Vértebras do degelo.
No absoluto da singularidade:
Arte-apropriação.
Um relógio transtornado.
Ilhas ilegíveis fogem da luz.
Una como a morte.
Meia noite incomensurável.
Beijo as estepes de meus sonhos geológicos.
Humos: desejos que jazem.
Águas barrocas, ruptura concêntrica.
Espera sem raízes.
Anatomia da luz, silêncio celular.
A força íntima da minha substância.
Os homens e seus confins.
As gargantas da falta.
Um defunto que cresce com os anos.
Peixes que desistem dos cardumes.
Enigmas que só ele me propõe.
O vôo e a nervura-derme das linhas.
Ser intransferível.
Pisar uvas nos escombros.
Beijo perpendicular, aluvião.
Heroína imóvel arfando quedas.
Mulher rarefeita, asas pintadas turquesas.
Brochuras no vácuo entre
Dez mil metros de pvc.
No microcosmo da dor.
A terra invisível te esculpe.
Riso-calcário, boca- enxofre.
Soerguida pelas ervas.
O outono no rastro subterrâneo do teu corpo.
Se o que te cobre as entranhas é o mel das estrelas.
A areia espia tua passagem líquida.
Nua entre o nada e nada.
O nascimento funda a lágrima.
No sal-açúcar molecular de mim.
As pedras só esperam pelo sol.
TERNOESTATICOPOEMA
austenita cementita perlita
aços martensíticos ferríticos
corpos nossos liga inconel zirconio zircalloy
temperáveis seios meus
esferas torres em minha boca língua ternoestável
retificação fracionamento alternadores
vasos de absorção abraços teus compressores
nosso calor permutadores dedos dessalgadores
refinados dedos reatores tanques de acumulação
caldeiras fornos refervedores
beijos corrosivos beijos válvulas descontroladas
craqueamentos hidrodesulfurização
linhas de transferências tubulações
drenagens cremes óleos graxos íntimas destilações
liga níquel molibdênio cromo manganês
orgasmos bombas titânio
bombas de engrenagens bombas de fuso
helicoidais bombas de vácuo bombas centrífugas
diafragmas bombas
OXYPETALUM EX
oxype coria se salamacina
talum pachy bem como
conspec llatum fitosterina
cierum tênias tônus induzem
thaises tendras tentaculatas
tereba terebella terebrátula terebridae
tergo tergonya tetraymena tedroxina
tetrastigmata oxype coria se salamacina
NEW LINE
piritionato d pantenol
metilparabeno benzofenona
trietalomalina poliquaternário
hidrosilato protéico queratinina
cetílico trimetil amônio
izotiazolona polialquileno
ciclometicone carboxivinílico
ginko biloba hidantoína parabeno
lauril éter entretanto fenoxietanol
palmitato de octila por vezes hidroxipropil
dircaboxilato não obstante metilcelulose
dietalomalina seiva por vezes de mutamba
HORTO GRAPHIA
ibiris amara
vanda onomea
dracaena magarita
bromeliácea supervivum
passiflora alata
victoria rex
strelitzia reginae
pétrea volubilis
rosácea floribunda
POUCHAIN, Regina. Gôngora Minax. Rio de Janeiro: Edições Sinal, 2000. 32 pranchas soltas. 30X42 cm. Composição gráfica de Wlademir Dias-Pino. Autografado pela autora. Ex. bibl. Antonio Miranda, autografado pela autora.
POUCHAIN, Regina. Partitura maghnética: uma composição serialista. Rio de Janeiro: Barriester´s, 1991. 126 p.
“Há, em Regina Pouchain, a palavrivência que se faz literatura através de uma doce leitura doce (...) Só que Regina Pouchain avança em sua palavrivência, segundo indicações contidas no pré fácil: uma literatura fundada no serialismo como base estilístico-informacional, sem perder de vista a retomada do surrealismo, fonte-matriz de muitas de suas preocupações literárias. Em se tratando de um primeiro livro — e este o é: livro livre — , a autora reconstrói suas vivências intelectuais e existenciais da forma a mais aberta possível. Quase musicalmente.” MOACY CIRNE
(fragmento)
memória de gases saindo do forno
noiva de kafka/ transparência gris
visões de campo caatingas
grunhidos
é tão difícil subir à tona
engajamentos/ responder cartas/ aero planos/
ano que vem vou ao Brasil
brilho nos lábios alarido
à coluna vertebral um molde/ fazer ginástica/
trocar ideias
fetiche
pedra de ônix à inabilidade dos dedos
oh! é tão incrível ser artista
Por falar em Kafka, acabei de ler "O Processo". É impressionante sua atualidade e mais ainda que até hoje Kafka seja considerado "persona non grata" porque viveu fora de sua terra de origem e tenha escrito em língua alemã, foi o que disse um comerciante que curioso nos perguntou: "Vocês
falam português de Portugal ou do Brasil? Conhecem Álvaro Cunhal? Será que no Brasil podemos encontrar ao menos uns vinte camaradas? Quando procurei o museu Kafka para visitar em Praga encontrei do lado medieval da cidade uma casa que mais parecia ser um pequeno barraco e que me chamou a atenção, ter o pé direito muito baixo, o que me fez pensar
que deveria obrigá-lo a se curvar para entrar. Restaurado e permanentemente fechado à visitação, na fachada, numa pequena placa escrito em tcheco, podia-se ler: "Aqui viveu Franz Kafka". No centro da cidade, num prédio comercial de esquina, no alto da parede, pude ver sua fisionomia esculpida e a mesma frase. Do lado de fora como para instigar a imaginação dos transeuntes, alguém que não podia ser visto datilografava. Esse fato me fez lembrar um outro ocorrido no Centro George Pompidou, onde perguntei a uma moça se podia informar onde ficava a casa de Proust. Respondeu-me em francês dulcíssimo: "Perdão, senhora, mas eu não sei quem é esse senhor".
POUCHAIN, Regina. Provenientes do azul. Rio de Janeiro: Sinal, 2015. 160 p. ilus.. 21x22 Fotografias em preto e branco e aforismos. “ Regina Pouchain “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
a memória nos provê de translúcidos fotogramas
o rumor centrífugo do ego
a terra é a flor incandescente
que cega o sol
os desejos mudam porque o mundo nos entorta
saberes e morreres
âmago: esse lugar impossível
a musculatura de mármore do tempo
uma alegria que esvoaça
na turbulência do dar rumo
Página publicada em maio de 2008; ampliação e republicação em janeiro de 2015; ampliada e republicada em agosto de 2015. Ampliada e republicada em junho de 2018.
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