Foto: wikipedia
RAUL PEDERNEIRAS
Mestre de Direito e caricaturista �D filho de pais gaúchos, nasceu no Rio de Janeiro. Desde tenra idade perpetra rimas e faz bonecos, conceituando-se um dos melhores humoristas do Brasil. Em 1898 lançou o seu livro de estréia "Com Licença” e, em 1936, "Musa Travêssa" �D ruma de rimas sem rumo...
Extraído de:
TIGRE, Bastos; SOLDON, Renato. Musa gaiata (Antologia da Poesia Cômica Brasileira). Edição completa. Rio de Janeiro: Editorial Unidade Limitada, 1949. 130 p [CONSERVANDO A ORTOGRAFIA ORIGINAL]
RAUL PEDERNEIRAS ― mestre de Direito e caricaturista ― filho de pais gaúchos, nasceu no Distrito Federal. Desde tenra idade perpetra rimas e faz bonecos, conceituando-se um dos melhores humoristas do Brasil. Em 1898 lançou o seu livro de estréia "Com Licença” e, em 1936, "Musa Travêssa" ― ruma de rimas sem rumo...
Dêste último destacamos a poesia “Pouca Roupa". Interessantissima sátira ao preconceito do trato femenlno:
― E' ― moda a comprida sóla
num salão ou numa rua,
mas é costme, na praia,
que a dama sáia sem sáia,
em prestações quasi núa...
Se vai sentada no bonde,
aparenta um ar sizudo,
puxa a sáia, a perna esconde ...
Mas, na praia e não sei onde,
mostra a perna e quasi tudo ...
Na rua enrubece, córa,
se um nada ofende a figura;
― isso é por ora, ou por hora,
― compostura é cá por fóra,
― na praia é descom.postura
O novo costume ensosso
progride de dia em dia
e aumento mais o alvoroço,
porque o nú em carne e osso
exige fotografia.
Muitas damas, nas revistas,
em grupos bem detalhados,
mostram-se quasi nudistas,
aguçando mais as vistas
dos velhos desamparados ...
Com tal gôsto manifesto,
não deve a dama ter gana,
se a gravura der no texto:
― "As lindas coxas e o resto
da senhorita Fulana”.
Como o tempo é de exp ansão,
há fundadas esperanças,
do nú entrar em salão,
uma vez que os nus estão
expostos nas vizinhanças...
Que vale o traje comprido
se o recato nunca poupa?
― Acho muito divertido
trazer na rua escondido,
o que já vimos sem roupa ...
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
TUDO PASSA
Vai longe a temporada
Em que vibrava tôda a alacridade,
Acordando a cidade
Ao toque da alvorada.
Hoje procuro embalde
E nada mais consigo
Ver e gozar dêsse costume antigo
Na vida de arrabalde.
De manhã, cedo,
Ao luzir da alvorada o rosicler,
Vinha a vaca de leite
A tanger um chocalho de arremêdo.
Idade morta
Que passou aos domínios da legenda,
Da voz fanhosa do padeiro à porta,
Do falsete infantil do caixeiro da venda...
Que é do china-marreco?
Onde o irmão das almas?
Já não se goza, pelas horas calmas,
Do mascate o pausado teco-teco...
Nem a voz singular
Do marmanjola a rua a percorrer,
A gritar:
— "Eh! garrafas vazias pra vender!"
Não mais ecoa
A voz da gente primitiva e ordeira,
Que punha no arrabalde um aspecto de feira,
A vender os "perus de roda boa".
Nunca mais vejo
O folguedo esquisito,
De minha meninice o maior fraco:
O velho carcamano do realejo,
Ao som do "Pirolito",
A dançar o macaco.
A tradição, corrida de vergonha,
Sente e lastima o grito desprezado
Da velha preta-mina da pamonha
E mendobi torrado.
Como é desolador
O que resta da antiga vida sã!
Aí, pela manhã,
Passa, de quando em quando, o amolador...
Um ou outro vejête,
Com canoas de rodas colossais,
Segue, a vender sorvete
Ou balas peitorais. ..
Êstes, saibam vocês,
Não valem os boieiros jingadores,
Com as bandejas sob cobertores,
E o clássico pregão: — "Bala, freguês!"
Do boieiro de antanho era afamada
A cantarola rápida e ruidosa:
"Coco à baiana, abacaxi, queimada,
Hortelã, lima e rosa!"
E tudo a fenecer, como se fôsse
A cidade em pessoa que estrebucha...
Onde o batuque da caninha-doce?
E o molecote da cocada-puxa?
Hoje procuro embalde
O sabor das lendáriass sensações.
Não mais clangora a vida do arrabalde
Na alta onomatopeia dos pregões...
(“Musa Travessa”)
TROVAS 5 - [Seleção de Edson Guedes de Morais] Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013. 5 v. 17x12 cm. edição artesanal, capa plástica e espiralada.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Página publicada em dezembro de 2019
|