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PEDRO PAULO DE SENA MADUREIRA
Pedro Paulo de Sena Madureira. Tem exercido influência importante na cultura brasileira desde os anos 1960, sobretudo no meio editorial. Trabalhou com Antonio Houaiss e também com Carlos Lacerda, na Editora Nova Fronteira. Criou, com a família Siciliano, o grupo editorial do mesmo nome. Publicou dois livros de poesia (Devastação, Imago, 1976; Rumor de Facas, Companhia das Letras, 1989).
De
Pedro Paulo de Sena Madureira
RUMOR DE FACAS
Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989
As palavras querem romper
as amarras do poema.
Recusam-se a guardar o silencio
que entre o meu e o teu olhar
se lê.
Nada a fazer.
As palavras se anulam
na memoria.
Poesia:
luz que não se vê.
Mas o amor,
ei-lo: é o sonho
de urna página
entre nós
para sempre vazia.
Voz da treva
foz sem rio
praias amordaçadas
espumas imóveis
ferrugem nas pálpebras
Clausuras no ar
gritos desmantelados
corpos atónitos
línguas turvas
cavalos — nuvens? —
palavras e dúvidas
Armaduras
espectros condecorados
espadas atarefadas
O resto —
ferro e ossos
OUTROS POEMAS:
Assim esqueço
Assim esqueço
e me renego.
Assim me abro
me aperto
e renasço ou desespero.
Assim me ergo
no cume deste lume
que não enxergo.
Assim me entrego
me prendo
reaprendo o que sonego.
Assim me transpasso
e integro o aço que me caça
com a brasa de sua acha.
Assim a hora e sua mora
assim do tempo os juros
que pago e não reclamo.
Assim — que não se apaga
— este fogo, cresce e lastra
o laivo túrgido
de um astro que me castra
e no chão fúlgido de minha queda
(urtiga que medra e me exaspera)
de era em era
de pedra em pedra
caído em meu mistério
assim de raiva
e sonho recomeço.
O Olhar Branco
O olhar branco
preso ao vazio
depois que as coisas ficaram por ser vistas.
O silêncio branco
despido de harmonia
depois que as palavras ficaram por ser ditas.
A morte branca
sem grito
sem cruz
sem glória
no avesso da história
depois que a agonia toda ficou por ser escrita.
MADUREIRA, Pedro Paulo de Sena. Devastação. Mordaçãs e revelações. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976. 129 p. (Série Poesia Imago) 14x21 cm. Capa: Mauro Kleiman. Col. A.M.
EXÍLIO
Dentro de cada rosto vai-se
e perde o passo antes certo
que não se quisera passo, mas silêncio.
Se em vão caminha e nada encontra,
um rosto e cada ruga, cada cancro
conferem o périplo e o decretam
desde sempre, nas frias manhãs do tempo, nulo.
Mármores, fátua memória de um crime,
ou qualquer música degredada em pranto,
nada falta, mas fasta, imóvel, sucessiva
uma lua basta e sua lousa, desterro.
Letras, pedras, fomes, por entre grades paisagem
ou rosto informe no fundo de uma página,
vai a viagem ontem e esquece, urro ou
simples erro.
LAUTRÉAMONT, QUASE FÁBULA
Se o lodo e sua lama fíngidoramente
lavam em grama curta como fero arame -
uma lua lívida, quando a cravar-lhe agulhas tenras,
qual vegetal esponja, uma aranha louca a passeia
e no passeio destila hábil o teor de sua negra fama,,
o ácido branco, a gosma de seu veneno, enquanto,
atarantada pelo ouro macio do precioso terreno,
não se decide a matar em êxtase, cumprindo seu pecado,
ou a furtar um simples raio, e seus meneios»
com que espante menos o horrível pelo,
de fato lodo e lama em pântano de água dura
secam ramas (grades) em raro adorno,
tal que o covarde astro,
obedecendo a equívoco doloroso e certo,
afoga seu desenho na poça amarga,
mas não apaga sobre si em luz tão magra
o ônix único do escandaloso inseto.
Página publicada em abril de 2011, ampliada e republicada em janeiro de 2013.
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