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PABLO SIMPSON
Pablo Simpson Kilzer Amorim - Bacharel e Licenciado em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (1998), Mestrado (2001) e Doutorado (2006) em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, com sanduíche na Université Marc Bloch de Strasbourg, e Pós-doutorado pela Université Paris III - Sorbonne Nouvelle/ Fondation Maison des Sciences de l'Homme e pela Universidade de São Paulo (2010).
Especialista em literatura brasileira e francesa, tem parte de sua produção crítica dedicada à poesia brasileira do século XIX, especialmente Castro Alves, à poesia brasileira do século XX, com ensaios dedicados a Mário de Andrade e à poesia da geração de 1930, e à poesia francesa do século XX, sobretudo voltados à obra de Yves Bonnefoy. Além disso, traduziu poetas como Pierre Jean Jouve, Max Jacob e Jean Grosjean, além de romancistas como Georges Bernanos, Michel Henry e Louis-René des Forêts, cuja edição de Le Bavard prepara atualmente.
Publicou também livros sobre a poesia árcade brasileira e o gênero da crônica. Foi Leitor de Literatura e Civilização Brasileira na Université de Yaoundé I nos Camarões por dois anos.
É professor do Departamento de Letras Modernas do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", São José do Rio Preto. Fonte da biografia: www.escavador.com
HERA 1972-2005. Antonio Brasileiro et al.. organizadores. Salvador, BA: Fundação Pedro Calmón; Feira de Santana, UFES Editora, 2010. 712 p. fac-símile. ilus. (Memória da Literatura Baiana). ISBN 978-SS85-99799-14-7 Ex. bibl. Antonio Miranda
VI
Podes sondar-me com o coração, visitar-me pela noite,
provar-me com o fogo.
Murmúrio nenhum acharás em mim.
Minha boca não transgrediu, como costumam os homens.
Observei a palavra dos teus lábios, no caminho proscrito,
mantendo os meus cuidados.
Meus pés não tropeçaram nas tuas pegadas.
III
A inclinação dos pássaros, asas fendidas.
Riscaram o horizonte anterior ao sono.
Ali estiveras também com tuas asas,
talhando este vento com que vimos tocar-nos.
Ventos de cigano e de agora, azulam
a peregrinação do fogo em nossas mãos,
e os umbrais do silêncio repousados.
IX
Vás. Eu canto em tua boca:
a areia e o mar estão unidos
Foi preciso abastecer as gruas,
preencher este círculo de imagens,
e então um olhar se erguera para o rio.
Um mastro e um leme esta palavra
fincada. E os mundos, teu semblante.
Vou trazendo o catre pleno
de origens. Depois,
nos molharemos.
VIII
Tangida a cítara, ela.
Para que os lilases se percam.
Há um pouco de flores
misturando-se ao sono.
Os contornos na dobra
cerzida em seu sândalo.
Outrora dirimir destes gestos
o perfume,
o ocre da boca,
a saliva.
E nos tocamos com o fogo que irrompia
amarelos mais densos. O crepúsculo
hasteado.
SALAMANDRA – REVISTA DE POESIA. Número 1. Campinas, São Paulo, Outubro de 2001. Editores: Pablo Simpson e Pedro Marques. Capa e diagramação: Pablo Simpson. Apoio: Instituto de Estudos da Linguagem e do Centro Acadêmico de Letras e Linguística – UNICAMP. Ex. bibl. Antonio Miranda.
DUPLO
Os dois debruçavam o mar de seus umbigos.
Tivesse outrora nuvem nos olhos, a espuma
fresca do oceano me recorda. O azul das águas se abate
contra minhas pernas frias.
Eu não retornava para apaziguar os anjos,
de aljavas e arcos dentro em mim, senão
para que o sol dourasse seus pescoços, suspensos da terra.
Mas saíste deles, das reentrâncias da areia,
da súbita miragem divisada.
MODULAÇÕES PARA DANÇA
Os riscos laranjas do céu cruzam a tarde,
com suas casas erguidas da terra, firmes no solo.
Dessa tarde inscrita em veias rubras nuvens,
o sono dos pastos, oblíquos do monte.
Vejo teus braços no súbito e alto crepúsculo.
É nele que te ergues agora. Nele te sangras.
Nele tua morte afia-se, dança horizontal.
SOLAR, PAINEIRAS
O anúncio da voz cruza teu rosto branco.
As tardes se evocam em ti, guirlandas e arcos de sol. Observo a casa engastada nas pedras.
Também quis curvar-me sombra aos temores do vento,
esconder-me nos homens. Também quis curvar-me
aos desígnios da luta: eu e o mundo.
Mas o ocaso da tarde inclina-me as sombras duras do corpo.
O anjo sem equilíbrio da tarde risca no ar
denso azul de chuva.
As águas então se afeiçoam a mim, súbito
uma poça se forma em meus pés,
prende-me os passos.
Mas miro-me nas ladeiras da tarde que se erguem de ti.
Miro-me na veste luminosa que se dobra em teu peito:
na íntima claridade do nome.
E vejo uma chuva fria transborda
um verde seguro na margem de teu olho.
PRELÚDIOS
I
As tardes de casa
ficaram vazias:
Rosa vinha cantar.
Os elevadores não trazem mais notícias.
Vinha cantar e outras mulheres
se passaram em frente ao prédio, devem lembrar-se
da dicção tranquila, dos braços nus de Rosa na janela
e do oceano.
O oceano se banhava nas sonoridades
inesperadas do timbre tímido de Rosa, e no sigilo
das palavras
suspensas como vidro.
II
Eu acolho teu corpo
porque vens, assim
mansamente
dobrá-lo sobre o meu.
Luar. Curvo de neblinas.
Porque torces o dorso,
depois.
E desnudas o ombro plano, tímida
horizontal.
OUTRAS VOZES
Haverá em tuas vozes a conquista
desses mortos erguidos em ti, conjugados no corpo?
Serão eles esta inflexão púrpura dos gestos
trazidos na dobra de tuas ancas?
De tuas marés ladeando as rijas voltas do homem.
Um sopro afeito à estática irrompe dos ecos —
da multiplicação dos cantos —
pássaros dúbios saltados nesta lâmpada.
Afronta o convívio do outro. Mas não construo-te
senão no outro. E de suas somas íntimas.
De suas sombras.
Desta varanda em que o cintilar de teus olhos,
cuja origem distendo em espirais, vem apagar-se, desfazer-se
como nuvens partidas diante deste outro.
Página publicada em janeiro de 2019; Página publicada em setembro de 2019
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