NARCISA AMÁLIA
(1852-1924)
Narcisa Amália de Campos (São João da Barra, 3 de abril de 1856 — Rio de Janeiro, 24 de junho de 1924) foi uma poeta brasileira. Foi a primeira jornalista profissional do Brasil. Movida por forte sensibilidade social, combateu a opressão da mulher, o regime escravista, segundo Sílvia Paixão, “um dos raros nomes femininos que falam de identidade nacional” e busca sua própria identidade “numa poética uterina que imprime o retorno ao lugar de origem”.
Obra: Nebulosas
Fonte: Wikipedia
Ver também>>> UM SONETO DE RAIMUNDO CORREIA / sobre NARCISA AMÁLIA, por ALEXEI BUENO – ENSAIOS
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
RESIGNAÇÃO
No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia,
Aos trêmulos rutilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.
E vejo o perpassar das sombras castas
Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.
Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores,
Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!
Eu voava feliz nos ínvios serros
Empós das borboletas matizadas...
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!...
Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos:
Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.
Mas que importa esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...
Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto,
Que a luz doura de suaves lumes!
No silêncio das noites perfumosas
Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.
Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram,
E perdem-se em desvios tortuosos!...
POR QUE SOU FORTE
a Ezequiel Freire
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
Resende, 7.9.1886.
AMÁLIA, Narcisa. Por que sou forte. Jaboatão, PE: Editora Guararapes, 2015. 28 p. ilus. col. 20x13 cm Editor: Edson Guedes de Morais “Narcisa Amália” Ex. bibl. Antonio Miranda
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TEXTO EN ESPAÑOL
Tradução de ADOVALDO FERNANDES SAMPAIO
PERFIL DE ESCLAVA
Cuando entreabro los ojos a la luz que nace,
Golpeando las sombras y la pérfida indolencia,
Veo tras la discreta transparência
Del níveo cortinaje uma criatura.
Pupila de gacela, viva y mansa,
Con sereno temor, coge la llama.
La frente sumergida en palidez... Sonriendo de inocência
— Risa que trae angustia o esperanza...
He ahí el boceto fugaz de una viva estatua
Que — los brazos en cruz — surge en la sombra
Silenciosa, atenta, pensativa.
¿Estatua? No, que esta necia cárcel
Ha de quebrantar, mísera cautiva,
Ese amor de madre que oculta la mujer.
Extraído de la obra
VOCES FEMENINAS DE LA POESÍA BRASILEÑA
Goiânia: Editora Oriente, s.d.
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SONETOS. v.1.Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 154 p. 16,5 x 11 cm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 148 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses. Ex. bibl. Antonio Miranda
A MENSAGEIRA – Revista literária dedicada à mulher brasileira. VOLUME II. São Paulo. SP: Imprensa Oficial do Estaddo S.A. IMESP. Edição fac-similar. 246 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
OUVINDO UM PÁSSARO
I
Longe, n´um valle de arvoredo umbroso,
gorgeia um pintassilgo enamorado;
ouço-lhe o trino meigo e lamentoso,
o accento apaixonado...
E scismo, em volta na volupia doce,
como se outr´ave enamorada eu fosse.
II
Ao madrigal do passaro responde,
dentro em meu peito, um límpido gorgeio...
— E´minh´alma que trila, sobre a fronde
da crença, amante o seio!...
— Aves se affectos, scismas e luares,
compreendem-se e casam-se nos ares!...
III
O coração de onde deserta o sonho
é desolado como um Campo-Santo;
cinge-o nos élos frios um medonho
réptil, — o Desencanto,
Quando ele guáia e em prantos se abebéra,
fogem, voando, o Amor e a Primavera.
IV
Ai! da creança, que lhe brinca á porta!...
Ai! do sedento, que o demande!... Móra
na cryspa esconsa, da Esperança mórta
a sombra , que apavora...
— Negreje a noute, resplandeça o dia,
mésta, uma estrige, nos salgueiros pía!
V
Por isso guardo o sonho meu captivo,
há longos annos, neste cófre d´alma,
—Canto, emudeço, e, incompreendida, vivo
triste, silente, calma,
a esse gorgeio magico, distante,
— o ouvido atento, — a alma saudosa e amante.
Página publicada em maio de 2008; ampliada em julho de 2018; ampliada em julho 2019.
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