MURILO MIRANDA
Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, quando era o antigo Distrito Federal, capital do Brasil, em 11 de junho de 1913. Foi aluno dos colégios Aldridge e Otati, formou-se em Direito pela Faculdade do Rio. Quando cursava o segundo ano jurídico, fundou a Revista Acadêmica, aí está a explicação do estranho título da combativa publicação, que, como já notou Valdemar Cavalcanti, também era bissexta, e às vezes magnificamente em certos números especiais consagrados a grandes figuras das artes e das letras.
Miranda não ficou só nisso: fez-se ainda editor e nos deu duas esplêndidas edições de luxo — o Mangue, desenhos de Lasar Segall, com prefácios de Mário de Andrade e Manuel Bandeira, e Poemas traduzidos, de Manuel Bandeira com ilustrações de Guignard.
Na capa dessas publicações aparecem como firma editora as letras
R. A., iniciais da mesma Revista Acadêmica.
ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS BISSEXTOS CONTEMPORÂNEOS. Organização: MANUEL BANDEIRA.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996. 298 p, 12 x 18 cm.
ISBN 979-85-209-0699-O Ex. bibl. Antonio Miranda
“Bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.” MANUEL BANDEIRA
POEMA
A minha ideia de ti, musa loura, cresce em silêncio,
No silêncio imenso que o vento vai recolhendo
Para formar o teu corpo indefinido e sem idade.
A tua voz feita de mistério nunca se desperdiçou no espaço,
Porque em verdade eu já te ouço desde o primeiro som,
Os teus pensamentos cheios de nostalgia
Descansam aos meus olhos sem luz e sem cor
E o teu sorriso banhado em doçura, tranquilo e acolhedor,
Desce sobre mim como se fosse a bênção de minha mãe...
Fica comigo, anjo louro, velando o meu destino,
Que assim empreenderei decidido a jornada definitiva,
Caminhando ao sabor dos teus gestos impenitentes...
BEIJOS
Em teus gestos as ilusões se precisam
Exatas,
Em tua fronte os desejos se abrigam
Salvos,
E voluptuosamente sem teus lábios
A aurora se espreguiça,
Agitando perfumes
Na madrugada...
O meu amor,
Ergue em teus lábios firmes o dia nascente...
Em teus lábios o dia renasce
No perfume dos teus beijos,
Na madrugada
Em paz...
CANÇÃO DA VERDADE
Ao vago sonho
Abandonado,
Uma voz ouço
Em solidão,
A voz do vento
Que suave chega,
Numa palavra
Só de perdão.
Ao vago sonho
Abandonado,
Uma voz ouço
Em solidão,
A voz do vento,
Que suave chega,
Chora em silêncio,
No coração
POEMA
Tua lembrança é uma paisagem perfumada
De jardins floridos anoitecendo
Por onde os teus pés sem destino
Vão passando...
A tarde se despede em teus olhos negros,
Acenando em teus lábios um furtivo adeus
É a noite que já palpita na primeira estrela
Ensaia em teus cabelos outros perfumes...
Por entre a imensa sugestão das flores
Vais caminhando na tarde mansa,
Que se desfaz em teus cabelos
Soltos...
POEMA PARA MANUEL BANDEIRA
Tudo quanto existe em ti
De mais propenso ao silêncio,
A solidão insondável,
Chora e ri com o mesmo gozo,
Os mesmos risos e lágrimas.
Na grave voz que soluça,
No desengano de tudo,
Tua ironia é volúpia:
— Uma volúpia esquisita;
Feita de tudo e de nada.
NOME
O teu nome
Tem para mim
A vaporosa
Forma de um beijo,
Cuja beleza
Está no segredo
De ser desejo.
É beijo, flor
Cujo perfume
Mal se adivinha.
Mas na lembrança
É como um sonho,
Que se espreguiça
Pelo silêncio,
No fim sem fundo
Do pensamento.
Aurora que se aproxima
Por cima da noite infinda
Como um sorriso longínquo
Que já acolhe e acaricia.
Página publicada em maio de 2020
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