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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MERCIA PESSÔA

 

Mercia Pessôa nasceu e mora no Rio de Janeiro. Poeta, é autora de Súrnia, (1996),  Zoa (2016) e Augusta (2019).  Doutora em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, com o tema “ Veredas Fáusticas da Narrativa: Almas Mortas e Grande Sertão” (2005), Mestre em Poética (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ com  a dissertação “Misoginias Poéticas? A fragmentação do gênero em Gógol “(1998), é especialista em língua e literatura russa (1990).

 

 

       

  (do livro: Súrnia. Rio de Janeiro: 7Letras, 1996.) 

 

Uma mulher e sua quarta-feira de cinzas

 

Tenho febre de lebre, anoiteço

Quase sem cor. De cor: “As horas

Que contém a forma

Na casa do sonho transcorreram”

Já não há mais rima para quedo

Que não seja medo

E talvez

Não haja conteúdo tampouco

O verso tornou-se um hiato

Entre o aposto e a eterna aposta

Seu reverso – uma partilha

Sem ponto final

E o que me resta jogar? Senão refutar

As palavras em perdas e ganhos. Para depois

Sorrir, sem fazer carnaval, demonstrando

O corpo e os dentes

Ao etéreo namorado

 

 

 

Meus olhos se enchem de lágrimas

 

Tudo se turva em recusas escuras

Mário de Andrade

Em verdade

Tu nada disseste. Apenas

Adeus, numa atonia sem Deus. Em silêncio

Saías, depois de beijos de lua cheia. Quando

Era dia e quase tudo precipitava-se pela monotonia

Do adeus, tão desprovido de paisagem

Ele tende a ser ardente, mas está fadado a ser breve

E logo eu, que jamais concedera uma alegoria

Assim, já numa urgência de mim

Por três vezes, adeus respondi

 

 

      

   (do livro: Zoa. Rio de Janeiro: 7Letras, 2016.)

 

 

Difícil saber

Onde estão

As pontas. Alinhá-las

Uma a uma. Desfazer

Os emaranhados. Vez

Que um nó

Atravessou a trama

E não houve

Desenlace. Posto

Cem vezes ou mais

Verbessern

Outro verbo

Outra língua

Era o chão, a lamber

Eram os gatos, ciscados

Nos ouvidos, aves

Eriçadas, as penas

E os gatos aos pares

Patas, garras

E grunhidos notívagos

O medo que atravessa a noite

Como se aos pântanos fosse

E somente aos pântanos, quase grito

Não importa a forma

Bruscas, as mãos

Não alcançam os nós

Tangenciam vieses. Um esforço

De demasiada vigília apenas

E o continuum

Não se sabe

Se a fio, ele irá partir

E logo romper

O que é só

O esgarçamento

Da palavra

Em seu lugar

Zoa

 

      

   (do livro: Augusta. Rio de Janeiro: 7Letras, 2019.)

 

 

 

Porque as páginas em papel

Têm um final. Virá-las

Já não é o mesmo que segui-las

Me adianto

Em letras, palavras

E números

Não é um início

Era para ser a metade

Minha metade

São três

Horas contínuas

Continuadas

E o porquê da repetição

Não me satisfaz. Falta uma

Razão. E todas

As vezes

Que digo sim

Quero fugir

Da moça franzina

A devorar uma maçã

Vermelha

Com os dentes afiados

Em certo desejo

Devoluto

Quero fugir

Da mulher

De laço

Cor de rosa

Tatuado na panturrilha

Replicado

Em miniaturas

Na estampa da saia

Nos detalhes dos sapatos

E dos óculos

E mais

Do marido de aluguel

Que realiza pequenas

Reformas domésticas

Quero fugir

Dos homens das esfihas

Espalhados pela cidade

E tantos outros

Que vão

Das algazarras

Às rodas de jogo

Não era

Nenhuma das leis de Newton

Nenhum dos anjos caídos

Era como não dormir

E depois abrir as janelas

Rever

O casal

A trocar promessas

Em despedida

Em meio a entrada do passadiço

Entre a Sede da General Severiano

E o Rio Sul

Com os transeuntes a desviar

Dos amantes

Como se ali

Não houvesse

Eles

Como um obstáculo

Ah! O amor

A estrela solitária

O previsível

Sol

É preciso persistir

Mas também saber

Abandonar

Coloco

As minhas mãos

Sobre as suas. Temerária

Que sou, prolongo as horas

Afora isso, quase enlouqueci

Contando os números

As inúmeras vezes

Que não vou dizer

O seu nome

Ainda ontem

Era só uma madrugada fria

Hoje são as rolinhas

Enfileiradas, ora quietas

Ora agitadas

Lado a lado

Posso contá-las

Uma a uma

Duas, três vezes

Quatro, cinco, seis

Multiplicadas as sequências

Há um movimento

De bater de asas. E logo elas

Se precipitam

As andorinhas

A voar

E eu me refaço

Naquela manhã

Augusta

Aos olhos

De bem querer

O vinho

A dança

A Zorba

Grécia

Como não voltar

A Atenas, Mykonos

Santorine

Ao estado

De embriaguez

E tez

De flor amarela

Mar de Egeu

As pequenas coisas

Existem, estão por aí

Sobre uma tigela leve

O dispor de pães

A xícara de café

Solúvel

As sobras

Espalham-se pelas beiradas

Há dias não saio de casa

Existe uma camada grossa

Que convida ao risco

Aos movimentos aleatórios

Que desfazem

O extenso acúmulo das partículas

Em estado de repouso e pó

E sobre as prateleiras

Livros em desalinho

Envelhecidos

Esquecidos

A leitura

Não satisfaz

Quero sair

E me volto

À feira livre

Às primeiras sensações

Do dia

Ao aforismo

Do ritmo pulsante

Moça bonita não paga

Mas também não leva

 

 

 

 

 

 

 

 

Página publicada em agosto de 2020


 

 

 
 
 
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