MÁRIO DE ALENCAR
Mário Cochrane de Alencar (Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1872 — Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1925) foi um advogado, poeta, jornalista, contista e romancista brasileiro. [Também conhecido na literatura por Mário C. de Alencar, ou simplesmente Marcio Alencar.]Filho de José de Alencar, foi membro da Academia Brasileira de Letras. Autor de folhetins, teve muito dos seus escritos em prosa e poesia dispersa entre jornais e revistas.
Utilizou-se de pseudônimos como Deina e John Alone em algumas publicações em periódicos. Colaborou com vários órgãos de imprensa do Rio de Janeiro/RJ, desde a adolescência, tais como: Almanaque Brasileiro Garnier, Brasilea (1917), Correio do Povo (1980); Gazeta de Notícias (1894); O Imparcial e A Imprensa (1900), Jornal do Commercio, O Mundo Literário, Renascença, Revista Brasileira (1895-1899), Revista da ABL e Revista da Língua Portuguesa, além de alguns periódicos paulistas. Ocupante da cadeira 21, foi eleito em 31 de outubro de 1905, na sucessão de José do Patrocínio.
Obras: 1888 Lágrimas; 1902 Versos; 1903 Ode cívica ao Brasil; 1906 Dicionário de rimas; 1910 Alguns escritos; 1912 O que tinha de ser; 1913 Se eu fosse político; 1914 A Semana; 1919 Catulo da Paixão Cearense: sertão em flor; 1920 Contos e impressões. Fonte da biografia: wikipedia
MARINHA
Sopra o terral. A noite é calma e faz luar.
Intercadente
Soa na praia, mansamente,
A voz do mar.
Os homens dormem; dorme a terra, e no ar sereno
Nenhum ruído
Perturba o encanto recolhido
Do luar pleno.
No azul profundo a lúa branca pelo céu
Sem nuvens vaga
E cobre o mar, vaga por vaga,
De um branco véu.
Longe, a mercê da branda aragem, vai passando
Tarda falua;
Nas pandas velas bate a lua
De-quando-em-quando.
Sobre a falua alguém, de amor talvez, lá vai
Cantando, e o vento
Traz para a terra o sonolento
Som que se esvai;
Som que se esvai no espaço e ao qual o rumor d'água,
Como um gemido,
Faz estribilho indefinido
De inquieta mágoa.
Algum marujo vai talvez do coração
As brandas queixas
Dizendo assim nessas endechas
À viração.
Enquanto lá no azul profundo em que flutua,
Indiferente
À térra, ao mar, à humana gente
Abre-se a lua.
(De: Versos. Rio de Janeiro, H. Garnier, 1909)
OCASO
Hora calma da tarde que adormece.
O céu é tão límpido que ainda
O sol está no céu, e já aparece
O fulgor das estrelas. Tarde linda!
A terra está quieta, recolhida,
Olhando o espaço. O ar se cala: e até
Parece que suspende agora a vida
Em tudo, como em êxtase de fé.
Dobram-se meus joelhos para a terra,
E os meus olhos se perdem na amplidão.
E minh´alma que aos poucos se descerra
Do corpo, vai onde os olhos não vao.
E ficou imóvel, mudo, sem sentido.
Do que há torno a mim, e dentro sinto
Outro mundo em que vivo, já vivido,
Talvez quando o meu corpo era indistinto.
E estou assim como quem vai sentindo
Que o sono vem e as pálpebras fechou;
Outro mundo em que vivo, já vivido,
Talvez quando o meu corpo era indistinto.
E estou assim como quem vai sentido
Que o sono vem e as pálpebras fechou;
E acordado não está, nem está dormindo,
E está n´um sonho. Assim eu estou.
(De: Versos. Rio de Janeiro, H. Garnier, 1909)
Entre árvores ao pé de água corrente
Nem tudo, sábio Horácio, o que aspiravas
E a Mecenas pedias, é o que aspiro.
A mim basta-me um plácido retiro,
Entre árvores, ao pé da água corrente,
Ouvindo a voz das musas que invocavas.
Com isso apenas viverei contente.
Longe da turba inquieta que aborreço,
Nem teria ambições, nem cuidaria
De haver glórias da terra. Na poesia
É o grande prêmio dela o vago sonho,
Com que eu, vivendo embora, a vida esqueço
E num mundo melhor viver suponho.
Tão alto não irei no imenso espaço
Que toque os astros como tu, amigo.
Mas sei que astros e céus tenho comigo
Enquanto com estes sonhos bons me iludo;
E como as aves cantam, versos faço.
Isso - que vale o mais? - vale-me tudo.
REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
O AFRICANO
Costuma estar ao sol, de pé, junto à porteira
Da fazenda, onde, escravo, arastou toda a vida.
De um dos olhos é cego, e já do outro a cegueira
Lhe vai grudando à face a pálpebra caída.
Do corpo seminu, sob a pele entanguida
Se esboça a secular ossada quase inteira.
E a aparência êle tem, esguia e denegrida,
De um tronco solitário em queimada clareira.
Dizem que ensandeceu de dor no mesmo dia
Em que morreu seu dono; outros, de nostalgia;
Outros, que é feiticeiro e simula surdez,
Porque, às vezes, lhe vem súbita vida estranha,
E êle pula e descanta e risos arreganha,
E ágil ginga no jongo ao batuque dos pés.
Página publicada em maio de 2000. Ampliada em dezembro de 2019. |