MARIALZIRA PERESTRELLO
Carioca, médica, psicanalista e escritora. Começou a escrever poemas aos 45 anos e, em 2007, com 90 anos, publicou um novo livro pela editora Nova Razão Cultural. Personalidade das mais ricas da vida intelectual brasileira. O Conselho Nacional de Mulheres do Brasil elege-a como uma das ''Dez mulheres de 2004''. Viúva de Danilo Perestrello, psiquiatra pioneiro da psicanálise no Brasil. Uma dos fundadores da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro. Incentivada por José Paulo Moreira da Fonseca, que apresentou o livro, estreou em 1972com o livro Há um quadrado de céu que não viram. Diz artigo de Sérgio Paulo Rouanet, publicado pelo Jornal do Brasil, que se encontra na página da Academia Brasileira de Letras: “Caracterizam essa poesia a musicalidade, o intenso lirismo, a ausência de artifício, uma sensualidade discreta e até mesmo uma certa gravidade religiosa, que por estranho que pareça se harmoniza bem com o agnosticismo da autora, porque é uma religião panteísta, como a de Spinoza (''Deus sive natura'') toda feita de reverência e deslumbramento diante do céu, do mar e da vida vegetal.” Sempre foi saudada por grandes escritores: Guuilherme de Figueiredo, Érico Veríssimo, Alphonsus de Guimaraens Filho, José Cândido de Carvalho e tantos outros.
Bibliografia: Há um quadrado de céu que não viram, Rio de Janeiro, José Olympio, 1972; Nosso canto a nosso jeito, Rio de Janeiro, José Olympio, 1975; Ruas caladas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978; Mãos dadas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989; A música persiste... Rio de Janeiro, Imago, 1995; Tudo é presente, Rio de Janeiro, Imago, 2001; Caminhos da vida, Rio de Janeiro, Imago, 2003; Pedaços da Vida e Futuro esquecido (romance), editora Galo Branco, 2005; A barca branca, Nova Razão Cultural, 2007 (este seu último livro retrata a ilha de Paquetá, onde a autora mora).
Página preparada por Salomão Sousa.
RETRATO
In memoriam
Alta, esbelta,
envolta em chamas,
os apertados lábios,
finos e firmes,
o sorriso escondido e mau,
o olhar a penetrar
— intrusa —
a mulher do quadro encheu a sala.
Do belo rosto de Dorian Gray
só ressurgia
o reverso de todo o mal
do crime, do abismo.
Mas aqui?
Por que o pintor me vira assim?
Correram os anos
o quadro ainda enche a sala toda.
Hoje indago triste a essa dama:
“quando sou mesmo você”?
“quando você é mesmo eu”?
E a mulher não mais me assusta
TEMPO DE ESPERA
Até quando
esse cruzar de braços, impotente,
essa espera?
Até quando
ó Senhor Tempo
o teu domínio?
E tu, Morte,
Por que não te apressaste?
Por que não chegaste antes
Que o Inexorável nos aprisionasse?
Bem-vinda terias sido à casa nossa!
II
Triste é a espera
que mina aos poucos
aos poucos.
Onde nós dois
que nos olhávamos
que nos falávamos
que nos tínhamos?
Agora somos sombras,
sombras defazendo-se.
E quase nem lembramos
de quem as sombras somos.
Quando o futuro for passado
Quando eu for velha,
murcha e bem seca,
quando os seios que amaste
não forem mais o que hoje são.
Quando o colorido escurecer
E o escuro embranquecer,
quando o olhar amortecer,
o andar trôpego duvidar
e ruga funda me visitar,
Quando formos já dois velhos
(sim, um dia, pouco a pouco,
tudo isto há de chegar!)
quando o futuro for presente
e o presente passado...
longos diálogos viverão
junto a silêncios,
junto a suspiros.
Quando eu for velha, bem velha,
que canto terei em mim?
BARCAROLA
Nosso barco nos levará
onde as ilhas são douradas
as serras são silêncio
os homens são irmãos.
DE TODOS
De todos os meus quadros
prefiro os quadrados de céu
pois alguém que faz o tempo
pinta meu mundo também
RIQUEZA
Cecília, disseste:
“Não sou rica nem pobre, sou poeta”.
Amiga, esqueceste:
Nós, poetas, mesmo pobres não somos ricos?
1992
FRÍO
A Marie Langer
In Memoriam
Noche de niebla y tiniebla
Siente frío la gente.
Un frío más allá del frío:
Ella se murió.
¿Quié es la mujer suave y fuerte.
Detrás de la niebla e la tiniebla?
¿Quién es ella
Casi tímida casi guerrera?
Tiresias mujer
Hija de Freud y de Marx
Entre obreros del pensar.
Sabía hablar callar sonreir.
Maestra de obreros
¿Quiés es ella?
Aún en tierra seca
Lo que plantaba vivía.
Con sus ojos muy azules
Miraba las estrellas
Cuidba a los que sufrían
Ya quienes ni lágrimas tenían.
Mujer amor Mujer coraje.
¿Entiendes ahora, amigo?
Este frío es más allá del frío:
Marie Langer se fue!
Rio, dezembro, 1987.
Página publicada em janeiro de 2008. |