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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


MARCUS VINICIUS QUIROGA

MARCUS VINICIUS QUIROGA

 

Poeta, contista, crítico e ensaísta, doutor em Literatura Brasileira; membro do Pen Clube; ex-colaborador do suplemento Idéias e dos jornais Panorama, Poesia Viva e RIOLETRAS.   

 

Livros publicados: Campo de trigo maduro (prêmio Biblioteca Nacional); Manual de instruções para cegos (prêmio Cidade de Juiz de fora – referência especial); Modus Vivendi (prêmio Fábrica de Livros); O cinematógrafo (prêmio UBE-SP/Editora Scortecci); Vida, a respeito de (prêmio Livraria Asabeça-Editora Scortecci); Passaporte para o país das palavras (prêmio Fábrica de Livros – hours concours  e Afonso Felix de Sousa da UBE-RJ); O xadrez e as palavras (prêmio Paulo Mendes Campos da UBE-RJ  e Jabuti da CBL),  língua e os desertos ou Para ler Graciliano Ramos (prêmio cidade de Recife – menção honrosa  e Paulo Mendes Campos da UBE-RJ – menção honrosa).

 

 

ARQUITETURA E ASAS

 

Quem planeja, desenha limiares,

não superfícies fechadas, paredes

não toldos, telhas, tetos, mas áreas

que se soltam das linhas das maquetes

No ofício de ver o ainda invisível,

argamassa desejos com pó de asa,

porque dentro de toda pedra vive

o avesso da pedra, de nome audácia

 

Quem habita, joga no espaço uma âncora,

sente o peso do porão e fantasmas,

entra em contato com o que havia antes,

que o tempo é também uma espécie de casca

Logo quem habita uma casa, habita

os dias que se abrem em quartos, salas

com janelas de fundos, cuja vista

é paisagem interna, temporária

 

Quem planeja, desenha perspectivas,

não supõe o inesperado despejo,

interdito de muros, cerca viva,

separação sem recurso ou apelo,

traça no papel a vida viável,

o chão que nasce através dos passos,

com arquitetura que se sabe ave

e não se prende às regras da sintaxe

 

Quem as habita, habita limiares

como se para além da régua e compasso

houvesse a morada solta nos ares

dentro de insuspeitos tempos e espaços

Quem do concreto um dia se desgarra

faz casas só de sonhos e presságios

 

   (De Vida, a respeito de)

 

QUIROGA, Marcus Vinicius.  O cinematógrafo.   São Paulo: Scortecci, 2006.   ISBN  85-366-0664-9  “Vencedor do I Prêmio de Literatura UBE/Scortecci 2005.”   “ Marcus Vinicius Quiroga “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

PERPETUUM MÓBILE DE MAGRITTE

 

olhar é um exercício de peso

requer músculos para abstrair

e manter o objeto em equilíbrio

 

o reflexo torna-se o espelho

e move-se ao redor de si mesmo

mecânico, preciso, presto

 

a ilusão deforma a figura

em jogo de sombra e geometria:

engano à primeira vista

 

com o tempo vê-se o truque

mas ele faz parte do quadro

como pergunta que, se pintada,

 

propõe pensar outros ângulos

desfazer o até então familiar

e lugar-comum fora de lugar

 

recupera o espanto

a efemeridade perpétua

do homem preso na tela

 

o rosto se movimenta, círculo

de observações da mesma cena:

nenhum objeto é idêntico

 

o que é magritte ou chirico

também não se sabe, se lado a lado

fingem afinidades e correlatos

 

em um mundo que se desloca

permanentemente e sem propósito

estranho, quanto mais próximo,

 

e, se aos olhos surpresa joga

em móvel exercício de peso,

busca a visão sem excesso, seca

 

       (De O cinematógrafo)

 

QUIROGA, Marcus Vinicius.  Manual de instruções para cegos.  Rio de Janeiro: 7Letras; Juiz de Fora, MG: FUNALFA, 2004.  58 p.  12X19 cm.  ISBN 85-7577-118-3   Capa: Ligia Lacerda.  “ Marcus Vinicius Quiroga “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

NAVEGAÇÃO À DERIVA

 

quem navega à deriva

sabe que há vida além dos mares nos mapas

além das bússolas, astrolábios, diários de bordo

além das lendas dos monstros marinhos, dos mitos

 

quem navega à deriva

acredita que há nos mares miragens, portos

inesperados, ilhas flutuantes, botes e salva-vidas

água potável, aves voando sobre terra, vertigem

 

quem navega à deriva

aprende que há mares dentro do mar à vista

profundidade secreta, origem do mundo, poesia

escrita cifrada à espera de quem lhe dê sentido

 

quem navega à deriva

se perde da costa, do farol na torre, dos olhares

atentos, dos radares, das cartas de navegação

imigra para mares de imprevista dicção

 

         (De  Manual de instruções para cegos)

 

QUIROGA, Marcus Vinicius.  O Xadrez e as palavras. Rio de Janeiro: RTC Edições e Publicações, 2007.   99 p.  (Coleção Letras do Rio, vol. I)  14 x21 cm.    Diagramação e capa: Marcia Leite.  “Prêmio Paulo Mendes Campos”  “ Marcus Vinicius Quiroga “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

COMPOSIÇÃO EM PRETO E BRANCO

 

fosse a pintura recomposta

com tonalidades preta e branca

para que habitassem, mesmo opostas,

o espaço da tela

fossem as figuras ovaladas,

como as fez um dia mestre Grego

nem tão santas, nem tão profanas,

lado a lado postas

fosse o predomínio do tom preto

como do profundo sobre o plano

para que só uma fresta,

uma réstia de luz se insinuasse,

espécie de anunciação,

às avessas, e queimasse o quadro

com fogo discreto, mas permanente,

e se desse a fuga

por aquela réstia de luz,

na tela sobrasse a ausência

e no canto a assinatura de um poeta

 

         (De O xadrez e as palavras)

 

QUIROGA, Marcus Vinicius.  Campo de trigo maduro.  “ Prêmio Biblioteca Nacional “.  Rio de Janeiro: RTC Edições e Publicações, 2006.   116 P.   14X21 cm.  ISBN 85-7577-118-3  “ Marcus Vinicius Quiroga “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

IRREVERSÍVEL

 

desapareceu num quadro de Van Gogh

sem deixar vestígios

 

quem sabe o líquido que existia em sua taça?

talvez as palavras não tenham sido suficientemente tácitas

 

seria capturado num leilão tardio?

 

ou sob a forma de um trigo teria amadurecido

 

a paisagem e o desvario

 

(De Campo de trigo maduro)

 

 

 

GOYA

 

o quadro de Goya me devora

 

olhares

com dentes engolem

as primaveras

sobre a mesa da sala

nada

 

não mais flores mortas enfeitando o dia

                                        na vida cômoda

 

o quadro de Goya

                                      rejeita

a cor que não for sombra

 

 

         (De Campo de trigo maduro)

 

Marcus Vinicius Quiroga

De

Marcus Vinicius Quiroga
COMPOSIÇÕES EM PRETO E BRANCO
Rio de Janeiro: LitBras, 2009
140 p.  ISBN 978-85--87096-13-5

Prêmio Vivaldi Moreira da
Academia Mineira de Letras - Menção honrosa

 

A CAMISA  SETE  DE  MANÉ  GARRINCHA

                            para Alfredo Jacinto Melo

 Ele dribla João-joãos e até a sombra,
para e espera que o adversário retorne.
Então repete o drible e, como cabe ao ponta,
cruza na área oposta a precisa pelota. 

Desliza no gramado e, leve feito uma ave,
foge dos estilingues que miram seu corpo.
Seu vôo é solto na hora em que lhe dão o passe
e, mesmo baixo, sobe no ar e marca o gol. 

Finge-se de invisível aos olhos dos beques
e dribla o jogo com seus lugares-comuns.
Ri por dentro de tudo como se um moleque
que sempre prega peças na terra do nunca. 

E, se alguém lhe pergunta de onde o seu driblar,
de onde o truque de seus pé que se mexem mágicos,
responde com um sopro e se faz pluma no ar: 

Mané é apelido de menino-pássaro 

 

O TABULEIRO DE XADREZ  

A mesa posta só lembra a espera,
talvez a espera da morte, da peste,
ou jogo de xadrez com o propósito
de adiá-la, deixá-la à espera, só,
na ante-sala da vida, de ironia. 

Em uma hora decerto serviriam
vinho sobre a toalha de xadrez,
para que a morte então perdesse a vez
no jogo e, sem olhar para o relógio,
esquecesse que a vida torna ao pó. 

Com tudo em seu lugar, a mesa em ordem,
não há medo diante de tal morte.
Talvez seja afetuosa e aprecie
a boa prosa e cálices de vinho,
enquanto o tempo e o jogo passam lentos. 

Na casa limpa, olham-se frente a frente
e brindam, mas no fundo esperam ainda
que a outra se embriague com o tinto.
Na toalha aparece estranha nódoa:
marca suja da vida, despropósito.

 

 

 

 PALAVRA-CHAVE: FUTEBOL E POESIA

Página publicada em outubro de 2008., ampliada e republicada em junho 2010

 

 

 



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