LUIZ PAIVA DE CASTRO
Nasceu em 27 de maio de 1932, no Rio de Janeiro, RJ. Poeta, contista, novelista, romancista, ensaísta, teatrólogo, diplomado em medicina, professor, psiquiatra.
Bibliografia: Poesia - Pélaso, 1959; Pássaros na alfândega, 1963; O ofício das coisas, 1964; Guia poético da cidade do Rio de Janeiro, 1965; O país dos homens calados, 1967; Oratório cénico Rio de Janeiro, 1968; Verde país de meninos, 1969; Praça do Suspiro, 1982; O ar de uma raiz, 1982; RAL (Rio Amazonas Luz), 1972; Ponte da Saudade, 1972; Campo Verde (o futebol no sonho brasileiro), 1972; O ideador (poema da independência), 1972; Objetos internos, 1973; Jacatirama, 1973; Cantiga de maio, 1974; Tauantinsurya, 1975; Corpo inteiro, 1975; O cometa é um homem a cavalo, 1978. Contos - Feliz ano velho, 1968; Espaço para o brinquedo, 1974; Vamos passear no jardim do Corcovado, 1975. Teatro - O aquário, 1970. Ficção ens. - Indagações sobre a natureza da estrela, 1971. Novela - Seu Genésio, um homem do campo, 1975. Romance - O misterioso espírito das árvores, 1976; Ensaio e poesia - O galo é um homem que canta, 1980. Prémio: Saint-Exupéry, O Globo, 1959.
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OLIVEIRA, Joanyr de, org. Poetas dos anos 30. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 2016. 380 p. ISBN 978-85-40904095 Ex. bibl. Antonio Miranda
ELA VEIO COM O VESTIDO BRANCO
É de Nazca o vestido branco, é de Paracas,
com as flores azuis, é de Mochica
com o pássaro amarelo, é de onde veio,
o vestido que ela pôs, de onde ela veio,
da terra, de onde ela veio, da água,
o vestido que ela pôs veio do sol
e veio do ar, é pano antigo, de fiação
sentida pelas mãos, de pano que se mostra
em Lima, Quito, em casas japonesas
abertas para se ver de perto apenas uma hora
por dia e nenhuma hora por noite,
o vestido de pano de Mochica, de Nazca,
o vestido de Paracas, o vestido que o sol fia
nas altas aldeias do oriente americano,
ela vestiu de noite, para ser visto de noite
com as flores azuis no pano, e as floras azuis nos olhos
para ser vista a cada instante da noite
com seu vestido branco de Nazca, com suas flores
azuis de Nazca, e de Paracas, e de Mochica,
de onde ela vio, do fogo onde ela veio,
da água, da luz, do vento, da terra,
de onde ela veio,
com seu vestido branco de flores azuis
de onde ela veio
dentro da noite com o pássaro amarelo.
Uma História de Maçãs
Aqui há um silêncio azul que fala
para a pedra.
Vem das estrelas, e desce, e
se debruça na mata.
Deve ser assim em Quito onde as
montanhas também são azuis
e há madeira muito leve para navegar no céu.
Há madeira leve nos braços para navegar nos sonhos.
Aqui também há uma macieira mais antiga que as
outras
e esta macieira tanto está no pomar como está na
alma.
Sei que em Quito há uma macieira que eu gostaria de
ver
e vou levando as maçãs para saber o gosto
muito perto das maçãs de Quito e daqui.
Só que eu posso muito bem ser em Quito a maçã de
Quito
como aqui pode ser de Quito a maçã daqui.
Como pode ser do céu a maçã de Quito e daqui.
Como pode ser da lua verde na mata a maçã de Quito
e daqui.
Como pode ser de Quito o que espero que me encontre
aqui.
Como pode ser daqui o que espero encontrar em Quito.
O que importa é que o gosto da maçã daqui me
importa
porque de Quito a maçã veio aqui e daqui eu vou
para Quito.
Vamos aproximar as maçãs que temos dentro do peito.
Vamos deixar bem perto uma maçã da outra.
A maçã doce de Quito bem se parece com minha maçã
muito doce.
E ninguém diria que a macieira daqui daria maçã tão
doce
nem a macieira de Quito seria capaz de entregar
assim cada maçã.
O pelo da pele da maçã de Quito é amarelo como o
sol de Quito.
O pelo da minha maçã sozinha aqui é escuro como a
minha noite.
Este ano fez frio aqui, não vai dar quase maçãs.
Mas este ano fez sol em Quito e a macieira está
bonita.
Tempo atrás aqui deu maçãs debaixo do sol enquanto
em Quito fazia frio.
No entanto amanhã quando eu for com a maçã a Quito
ou quando Quito vier com a maçã aqui,
quando dentro do peito cada maçã estiver no peito,
eu contarei de novo esta história de maçãs
para quem ouvirá desde o início a minha história
na maçã dos olhos, na maçã do rosto, na maçã do
corpo,
e desde Quito me veio trazendo pela mão a
cordilheira
que eram as ovelhas, e eram as plantas e eram as
maçãs,
e eram coisas tristes também, muito tristes mesmo,
e eram coisas doces, muito doces mesmo,
de quem veio de Quito me trazendo a cordilheira
nas ovelhas, nas plantas, nas maçãs.
DE NÃO PENSAR O SONHO, SE PENSA
O arquiteto quase não fala quando pensa na cidade
que o homem diz que quer fazer quando ele pensa
na cidade de onde veio no planalto de onde veio.
O arquiteto quase não pensa quando ele fala
com o homem que veio do planalto de onde veio,
com o riso de quem faz a tristeza que se sente
e que não pode ficar onde ele fica no centro onde fica
na alma de dentro do planalto da alma onde ele fica
e o que o arquiteto fala para o homem é que o planalto
onde estão é exatamente o salto do coração vazio
para o rio forte onde se acha na pedra o diamante
e nesse instante o arquiteto diz que faz o que já foi
feito
por ser o homem que ali está de seu sonho o sujeito
como o arquiteto que ali está é o sujeito de seu sonho
e um e outro como o antigo arquiteto de contratador
fazem o lago a galera o palácio a Xica e a quimera
de se inventar no planalto o que ninguém pudera
imaginar que tivesse vindo assim de onde viera
pela mão do homem que só por si se transpusera
do centro da história que o quis ao centro do país
levando o sol como um cometa pela longa raiz
que o arquiteto toma nas mãos olhando o homem
e quase não fala quando nas coisas assim madruga
e o que pensam que é fuga dos dois no espaço
é o abraço grande do sol que neles se divide
sem ficar onde incide primeiro ficando inteiro
no arquiteto que não pensa mas faz a cidade e a crença
de que no homem que sonha há uma verdade densa
como no homem que pensa até que ele ponha
essa verdade que é só densa porque ele sonha.
Página publicada em janeiro de 2020
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