LUIZ OLAVO FONTES
Luiz Olavo Fontes é conhecido por sua atuação no período da nossa poesia marginal e da Nuvem Cigana, aparecendo em antologias que lançaram aquela moçada anárquica mas, a seu modo, contestadora da ditadura militar. Autor de uma obra considerável, vale mencionar o seu "Livro do príncipe" em que esbanja criatividade e uma erudição enviesada... Inventa textos e declarações bem engendradas para figuras da cultura universal como Lao Tsé, Santo Agostinho, Julio Cortazar, General Mac Arthur, Rousseau, Proudhon, Jorge Luis Borges e até Marilyn Monroe, seja parodiando seja parafraseando, para dar sustentação a um príncipe que vai do sério ao grotesco, do verossímel ao absurdo, do apócrifo ao suposto... Divertido, cruel, vai da farsa ao paroxismo, Vale a pena conferir. É divertido, é instigante, e até pedagógico... Dá receitas extravagantes e despistadoras, cria aforismos desconcertantes.... sem evitar o besteirol. Quem quiser, que leve a sério. A. M.
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De
Luis Olavo Fontes
LIVRO DO PRÍNCIPE
Espantosos escritos de um príncipe no exílio
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007
104 p. ISBN 978-85-86579-95-0
INFÂNCIA DO PRÍNCIPE
Sonhava construir um caminho de ferro
Em território índio
E viajar de paquete
pelas Ìndias
DECLARAÇÃO DO PRÍNCIPE
A religião é o ópio do povo.
Eu, como não sou religioso, tomo ópio mesmo.
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O absoluto está
absolutamente
obsoleto.
DA SÉRIE: SOFISMAS INSOFISMÁVEIS
Todo gago escreve melhor do que fala.
SUSPIRO DO PRÍNCIPE
O pior dos suspiros é o último.
INDAGAÇÃO DO PRÍNCIPE
O que era mesmo aquilo
que nós mais queríamos?
Extraído de
HOLLANDA, Heloisa Buarque de, seleção e introdução.
26 POETAS HOJE. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. 206 p. ilus. 18 cm. (Coleção de Bolsos Labor, 1)
Inclui os poetas: Adauto, Afonso Henriques Neto, Ana Cristina César, Antonio Carlos de Brito, Antonio Carlos Sechin, Bernardo Vilhena, Carlos Saldanha, Chacal, Charles, Eudoro Augusto, Flávio Aguiar, Francisco Alvim, Geraldo Eduardo Carneiro, Isabel Câmara, João Carlos Pádua, Leila Miccolis,s Leonardo Fróes, Luiz Olavo Fontes, Ricardo G. Ramos, Roberto Piva, Torquato Neto, Vera Pedrosa, Waly Sailormoon, Zulmira Ribeiro.
Relicário 74
ah vida ingrata+
chovem gatos sapatos lagos
há dias
impedem minha ida à praia
remate de males
o verão desaba lerdo
dezembro natal frio como teus lábios
foi-se a namorada
fugiu com um polonês de butique
pra Petrópolis
é vislumbrar a felicidade e
levar a porrada
longo caminha da testa à terra|
semana passada atolei no inferno
solidão me esganou
sem mais cartilagem todo morto
telefono para mamãe combinamos
esquiar na Europa até março
ir a muitas boates
esquecer-te pelo menos lá tenho
Dominique Sanda que me ama
Cegueira
tenho vontade de ver
as coisas como realmente são
mas só consigo ver
através de meus olhos
Sol
ouvindo
o movimento dos barcos
ondas surdas
garrafas tarrafas
explodindo
à margem
nasce
Valor
a vinda
valeu a pena
noite janta
a carne viva
dia abre
a boca do tigre
ao lado da cama
gente que joga
e amansa
antes de conhecer a dança
a vinda valeu
a pena
Retrato
à noite chapadões sombreados
ponteiam o esqueleto das margens
o vapor resfolegante expelindo
vagalumes carbonizados
quantas estrelas tanta água
penso no meu amor lendo Drummond
com lentes de contato
nervosa e linda sublinhando adjetivos
treva ambulante
a paisagem se descasca
as mesmas estrelas
as águas que passam
meu radar está quebrado
esqueci a mentira
aclarou-se o mormaço
a noite veste cabelos louros
recém-cortados
Meu amor de soslaio
Faz tanto calor no Rio de Janeiro
que é bom sentir essa neve
partir de seu olhar
Sequências
nos encontramos no elevador
depois nos beijamos
descobrimos então que não nos conhecíamos
que éramos do mesmo sexo que
não podíamos nos beijar na boca
não dormi nada essa noite
é dia tenho um almoço curto
demais o verão com seu suvaco peludo
cheirando a ovo
um mistério..
Lúcifer
um dia todos os peixes
puseram a cabeça para fora da lagoa
e me olharam
Desconstrução
nas paredes da casa resistem
fotofrangalhos de tempo
a memória se estafa no living
o futuro espera no hall
as janelas todas cerradas
encobrindo as vozes do sol
à procura de um silêncio escuto
enquanto meu olhar foge
pela porta dos fundos
Criação
penso antes do grito
um abraço de locomotivas
o trem
chacoalhando os líquidos
e os óvulos e ovos e
outras químicas
primeiro era só submersão
e uma fome submarina
um dia o espaço faltou
e a bolsa estourou
a vida
Fug 42
Tude a paranoia os assaxinatos têm me persg
Timamente não sei razão não devo deixar pis
Ercito principalmente a insegurança a total fal
Tias principalmente mínimis no mais nu sem sol
Emos partir viver no exilis
Poema d´alba
virou dia
e o grilo
virou passarinho
tentou dormir
pra não ficar sozinho
Últimos sons da tarde
o bairro que vejo em frente é silvestre
a blusa que ele veste organza
os sinos que oiço são de cosme velho
nas axilas do corcovado seu cheiro sexy
a tarde estremece mostrando feridas
desbravaram a mata me tomaram ela
só as andorinhas se equilibram
o sol escapuliu de fininho
trovões batem bastões de entrada
nostálgica a noite assovia
e cumprimenta os ausentes
Propriedade privada
não tenho nada comigo
só o medo
e medo não é coisa que se diga
Página publicada em julho de 2010; ampliada e republicada em junho de 2018.
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