LUCIA FONSECA
Formada em Historia Natural, trabalhou alguns anos em pesquisa, com artigos publicados na área de genética humana. Entre 980-2000, atuou em administração de ciências, na Financiadora de Estudos e Pesquisas – FINEP. Começou a escrever regularmente no início da década de 70, publicando poemas em suplementos literários de alguns jornais.
Em 1980 aparece o primeiro livro, Invenções do Silêncio, pela Livraria José Olympio Editora. Nesse mesmo ano recebe o Prêmio Emílio Moura da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais, com Rede Fluvial, publicado em 83, também pela José Olympio. Publicou ouros livros em poesia, romance e memórias, participando ainda de antologias e livros de contos.
O Paraíso era antes é o oitavo trabalho e o primeiro em que aparece como ilustradora. É casada, tem três filhos e três netos, a quem o referido livro é dedicado.
“Conheço a pessoa e acompanho a obra da autora há anos. Nas funções de pesquisa e administração na Capes, no CNPq e na UnB cruzei com Lucia algumas vezes. Eu também encarava a literatura como uma atividade paralela, mas com a mesma intensidade que ela, e li trabalhos dela com admiração. Foi um prazer receber e publicar seus textos no Portal de Poesia.” Antonio Miranda
De
O PARAÍSO ERA ANTES
poemas e ilustrações
Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2008.
ISBN 978-85-98348-14-8
RETORNO
4
Meu olhar dos cinco anos,
grave e atento — o rosto sério,
as plantas oferecidas,
toda a natureza quieta,
um segredo em cada pedra,
cada semente — um mistério.
Tocar uma sensitiva
— olhos e dedos alertas —
ver meu toque se espraiando
como arrepio correndo,
traço riscado na espinha,
rápida escala ao piano.
Olhos abertos diante
daqueles outros — fechados,
fina linha verde — clara
de folíolos ordenados
par de lábios que nos calam
a resposta desejada.
Meu olhar dos cinco anos:
a menina toda quieta.
Um segredo em cada esquina
pelos caminhos do tato,
sem saber o tempo todo
que eu mesma era a sensitiva
de mim para mim — fechada.
SEMPRE
I
Verão
No centro da folha
palpita a cigarra,
seu sonho dourado
escorre na tarde.
Nos sono da folha
palpita a cigarra,
seu grito de ferro
é mel que borbulha
fervendo, escorrendo
no sono da tarde.
No sono da tarde
crepita a cigarra,
qual trêmula chama,
fogueira que estala,
serrote de cobre
serrando os azuis,
cortando os fantasmas
das árvores mortas.
No centro da tarde
palpita a cigarra,
deusa diminuta
nutrida das horas,
da cor que circula,
resina que escorre
do seio da tarde.
Picado no centro,
palpita, sangrando,
e vai desmaiando
o coração da tarde.
A CASA
5
Desenho
O pingo de luz desliza sobre o fio da tela,
como uma roldana sobre um cabo.
E vai-nos desvendando seu caminho.
6
Aquário
Os frutos verdes à sombra do fícus.
Pequenos estalos espalhados sob os pés.
O colo de bronze das estátuas.
As mãos desvendando o mistério dos traços imóveis
de tudo ausentes.
O sol em silêncio,
o amplo quadrante da praça,
os quatro cantos do vento: infância.
De
cantares
Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2007
NOTURNO II
Eu creio em noites
RAINER MARIA RILKE
Aqui é noite.
Definitiva noite
como dentro de um fruto.
Um peixe que se percebesse só no oceano
talvez sentisse medo.
E no entanto é só que ele nada
o mais das vezes. Aqui é noite.
Apalpo sementes no ventre escuro do sono.
Tudo é tão quieto, calado, enrodilhado em pelúcia.
Que longas, as gestações!
O mendigo, o palhaço, o príncipe, o bêbado, o triste
se fazem assim, no escuro — só mais tarde, sob as luzes
serão coroados.
Nessa hora, entre todas, a mais silenciosa,
imóveis dormem sonhos e poemas — sementes na bruma.
Ouvir-lhes o silêncio, o sono,
confiar — eis tudo.
RESÍDUO
Palavras brotaram desconexas e esparsas.
Sua seiva era de lágrimas.
Incompreensível.
E rosas são as que ficaram fenecendo
em meus jardins de pasmo.
Caules se inclinam, se adelgaçam
no crescer, no confiar.
Verde-tenro se quebram, estalando leve,
choram seiva.
Navios se afastam do cais
e brechas surgem onde o corpo afunda
nutrindo vazios.
De tudo que fomos de caules,
de pequenas pedras, de penugem;
de tudo que fomos de sutil e tênue,
de troca de pólen e seiva,
de pequena ternura;
de tudo que fomos de fremir de abelhas,
de corola e aquiescência e espanto,
resta esse campo desolado na manhã
coberto de geada e assombro.
ESTRADA
Por todas as curvas do caminho
há sempre um paraíso perdido,
um amor abortado
um podia ter sido
aberto em flores vermelhas.
Adiante o que é: áspera dormida estrada branca.
TEMPO
Vê-se a noite. Os relógios calam.
Um pêssego apodreceu no aparador.
O tempo põe manhãs nos dias, flores em cada primavera,
o que se vê é a morte.
E flores roxas como gritos,
insônias e febres.
A criança constrói de espanto balbucio e olhar,
constrói de leite pétalas internas.
Os relógios calam.
A vida nos vive, garganta aberta.
E a luz que pousa sobre a lua
vai perseguida por um véu de sombra
— caçada.
O tempo põe manhãs nos dias, flores em cada primavera.
Um pêssego apodreceu no aparador.
O que se vê é a morte. Os relógios calam.
Editora da Palavra
helena ortiz22@gmail.com
fone/fax 2257-4962, Rio de Janeiro
Página publicada em março de 2008
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