Solidão da madrugada
Quatro horas da manhã,
a chuva iniciou seu ritual de verão.
É cheiro de terra molhada,
é cheiro de vida! Logo a passarada
despertará a aurora.
Oh, renascença da alma
— caminhada de descobertas diárias, —
abarcar perpétuo da vida!
Quando se viaja cego pela madrugada,
cada segundo é semeadura.
A poesia pura escoa pelos dedos
e perde-se na eternidade.
Resguardo a saudade por meus parnasos
sem medo da marginália
que, durante a noite de inspiração,
açoita o cabaré dos seres pensantes.
A padaria ao lado de casa,
exala um delicioso cheirinho de pão.
É pão fresquinho, primeiro poema...
solidão quente, igual a gente,
igual ao padeiro, igual ao poeta.
Epitáfio
Por favor,
sem sombras ou amparos de inúmeras feições,
sem brados desmontados de queixos caídos no chão,
nem risos de um escárnio ou gritos de horror,
tampouco o silêncio odioso entre uma
ou outra oração.
Por favor.
Só lendas e sendas de um vibrante trovador,
bocas cantando os versos de uma canção,
dedos volitando pelas cordas de um violão
e alegria, nostalgia, sem medo, angústia ou dor.
Por favor.
Ode à palavra chilena
Vem, Pablo Neruda, abraçar teu Chile,
com os versos campesinos de um asceta.
A palavra da boca te resile,
canta a vida, oh poeta!
Grita a palavra sóbria de Mistral,
igual ao violento vento francês.
Seu pranto feminino de altivez,
enche as ruas de sal.
No cântico da pátria varonil
— alcorca de muitos versos andinos, —
a palavra de ensejo pastoril,
assina-te os hinos.
Soturnos corações almejam o céu
e a boca acende o fogo das palavras.
Da arte soberana, Chile, és fiel.
Poesia tu lavras!
Acalanto
Meu filho, quando, no calar da madrugada,
fenecer os seus sentidos, sorria!
Pois este que lhe fala,
chorou suas noites amarguradas,
por não ter tido a sorte
de empenhar a morte
nos braços do pai querido.
Se a sorte deixar-lhe o peito
e, num gracejo do destino, o medo
aprisionar-lhe ante os portões do paraíso;
saiba que ajoelhado, em prece,
ao lado de seu leito, farei um pedido:
que entre um choro e outro, você dê um sorriso
nos braços do pai querido.
Meu filho, durante a noite,
a alma brinca na imensidão do céu.
Roube, de açoite, uma estrela cadente,
ou experimente, no escuro, contar planetas a granel.
Tal qual um anjo-caído,
seu sorriso estará seguro
nos braços do pai querido.
Página publicada em novembro de 2019