Foto do poeta em 1990.
JOÃO MOURA JR.
Poeta e tradutor. Nasceu no Rio de Janeiro a 14 de abril de 1950, vive em São Paulo desde a década de 80. Estréia com o livro Amarelas (1988), na coleção Claro Engima e recebeu o Prêmio Jabuti de revelação. Participou do célebre evento “ARTES E OFÍCIOS DA POESIA”, no MASP, em 1990, logo publicados os depoimentos e poemas, organização de Augusto Massi (ISBN 85-85418-04-4).
Nadando
Por incrível que pareça,
talvez o melhor estilo
para um poeta moderno
seja o estilo clássico, ou
nado de peito. Ele exige
certa contenção. Você
desliza n'água mansa-
mente, como se hesitasse.
Ao atingir a borda, é
impossível virar cam-
balhota, daí talvez ele
ser chamado clássico, ou
quem sabe é porque é o que serve
melhor para se observar
o que se passa ao redor,
isto é, fotografá-lo, ou
— evitando o anacronismo,
e já que falamos de água —
espelhá-lo, visto que o
espelho é por excelência
a metáfora do clássico.
Nadar é como uma cobra:
um constante enrodilhar-se
em pensamento por vezes
nada sublimes (que belo
traseiro ali adiante, etc.);
daí, em vez de estilo clássico,
talvez fosse mais correto
falar-se em mescla de estilos.
Nadar: um poema longo
em redondilha maior
com andamento de prosa
em que é difícil manter
o mesmo ritmo sempre
(Poe não dizia que um poema
deve necessariamente
ser breve?). Começa-se a
arfar, os músculos pesam,
respira-se irregular-
mente, o nado, apesar de
clássico, agora assemelha-se
a um poema moderno
(ou a um desaprendizado),
um poema que tivesse
uma piscina por tema,
e um nadador que insistisse,
já que escrever poesia
(principalmente hoje em dia)
é uma espécie de nada.
Nada. Nada. Nada. Nada.
A UMA JOVEM DEFUNTA
Hoje a terra é teu ninho.
Já não tiras a febre
Que tirou-te aos pouquinhos
A tão precoce verve.
E nem sentes mais frio.
Fria é tua epiderme,
Quer rói horas a fio
Um laborioso verme.
São dele agora os lábios
Teus, e o teu corpo inerme.
Nênia ou epitalâmio
Às bodas com tal verme?
MOURA JR., João. Páginas amarelas. Desenhos de Elizabeth Jobim. São Paulo: Duas Cidades, 1988. 63 p. (Col. Claro Enigma) ISBN 85-235-0005-7 Capa de Moema Cavalcanti. “Orelha” do livro por Augusto Massi. Sobrecapa de polietileno transparente. Edição de 1500 exs. e 25 foram impressos em papel Suzano Classic com a rubrica FC numerados e assinados pelo autor. Col. A.M. (EA)
NUNCA ENCONTRARÁS O ACESSO
.Nunca encontrarás o acesso
a esse país sem paisagem.
Se ele já foi descoberto,
não foi feito à tua imagem
e semelhança. A viagem
(nada de mapas, decerto)
será máquina. A engrenagem
exigirá que, desperto,
saibas ser senhor e pajem.
O país, nem longe ou perto,
não te dará camuflagem,
nem oásis nem deserto:
apenas a não-paisagem.
Teu corpo sem esqueleto.
RETRATO
Teu corpo, mesmo quedo, é movimento,
e a tal ponto tua nudez é insensata
que, como lago arado pelo vento,
a tudo atrai a si e tudo refrata.
E a quem tente ignorá-la um só momento
— não lago, e sim onda do mar —, assalta
de modo tal que é como se propensos
estivéssemos há muito a essa vaga.
Descansando, o pé descalço é a um só tempo
flavo racemo (uvas, dedos) e pata
felina pronta para o lançamento.
E não só nisso és semelhante à gata,
da qual imitas o falso alheamento
e a languidez de ninfeta extenuada.
Página publicada em janeiro de 2010, ampliada em setembro de 2012. |