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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



IVO BARROSO 

Nasceu em Ervália, Minas Gerais, em 1929 e transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1945. Cursou o Colégio Vera Cruz, bacharelou-se em Direito pela Faculdade do Catete e em Línguas e Literaturas Neolatinas pela Nacional. Foi um dos fundadores da revista Senhor e do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Foi assistente do redator-chefe das Enciclopédias Século XX, Delta Larousse e Mirador Internacional. Foi editor-chefe da revista Seleções do Reader´s Digest, em Lisboa.

Residiu na Holanda, em Portugal, na Inglaterra, na Suécia e na França. De regresso ao Brasil, após 25 anos de ausência, organizou a edição Poesia e Prosa de Charles Baudelaire para a Nova Aguilar e publicou as obras completas de Arthur Rimbaud pela Topbooks. Fez parte do Conselho Editorial da Poesia Sempre.  Prêmios Jabuti e Biblioteca Nacional. Foi tradutor de vários livros importantes de poesia e de prosa da literatura mundial.

Obras originais:  Nau dos náufragos (poesia) Lisboa; Visitações de Alcipe (poesia) Lisboa; O corvo e suas traduções (ensaio).

 

CONDIÇÃO

 

Na mão fechada

o homem segura

uma granada.

 

Dura presença

tensão amarga

que não o larga.

 

Ah se pudesse

deixar cair

esse projétil,

 

abrir os dedos

e decidido

no chão deixá-la

 

ou esquecê-la

(há quem esqueça

a própria face)

 

ou acordado:

seria um sonho

essa granada?

 

acostumar-se

com seu defeito

e (luva) usá-la

 

ou vantajosos

utilizar-se

de seu relógio;

 

no punho do ódio

hirto — escondê-la.

 

Mas ele sabe

que não o pode,

que um dia explode

 

na mão fechada,

sem estilhaços

rompendo os dedos

 

quebrando o braço,

mas lentamente

como as raízes

 

que se alimentam

de sua força,

desse impossível

 

que é soltá-la,

desse consolo

que é esquecê-la

 

e dessa angústia

que é tansportá-la.

 

(SR 9/59)

 

 

                               PÃO NOSSO

 

                   Amanhã nosso pão terá pedra — e o comeremos.

                   Ao parti-lo, amanhã, nosso pão será de pedra.

E o comeremos.

Ao se partir em dois, o pão que nossa fome espera,

será pedra,

         e o comeremos.

 

                   Pois aceitar é o que estamos

fazendo neste dia, pois aceitar

é o que viemos fazendo nestes dias

que antecedem mais um, que é este dia;

pois aceitar é o que vamos fazendo sem sentir

como quem como a pedra em vez do pão

pensando o pão.

 

Partindo-o, partiremos um seixo apenas.

Um seixo, afinal, que em vez de atirá-lo

                                               — comeremos.

 

 

É PRECISO

 

É preciso se duto

como a pedra

como a pedra que parte

como a parte da pedra.

que penetra a parede

e a parte

como a rede que não vaza

como o vaso que não quebra

como a pedra que fende

o paredão da casa

E é preciso ser fraco

é preciso ter ciso

e simulacro

É preciso todos os dias

vencer os deuses

pigmeus/Golias

É preciso ter cara

e ter coragem

É cada vez mais raro

quem assim reage

É preciso ser duro

como o murro

como o muro

e é preciso se doce

como se anteparo

de vidro

o muro fosse.

É cada vez mais raro

ser duro e doce

cada vez mais torpe

ser apenas duro

cada vez mais nulo

ser apenas doce

cada vez mais raro

cada vez mais duro

ser o muro e a nuvem

como se um só fossem

 

 

HINO A DELOS

(fragmentos)

 

Quisera estes leões voltados para o mar.

Mas os Naxos puseram-nos de frente para o Kynthos:

olhos fitos nas fáculas de Apolo.

                            Cidade aberta ao estrangeiro.

                                                                  Na praia

poderiam parecer sentinelas hostis

com o radar de seus urros sem ruídos

a varrer águas ásperas de velas.

                                      Feras jacentes,

nelas não há o pressuposto salto à espera da presa;

antes seres votivos

que ambulassem prosaicos pelas ruas despertando

respeito em vez de pânico.

                            O vento que das Cíclades

sopra por sobre a espraiada extensão desta ilha

                            exsurgente,

gastou o dorso hirsuto destes grifos

e o cansaço das eras se reflete nas ancas derreadas,

nesse olhar cujas pupilas foscas

ficaram para sempre abertas para a morte.

 

 

II

 

De há muito os deuses desertaram.

 

Lá na enseada onde se ouviam vozes

antes mesmo que o Sol se houvesse erguido

há vagas de silêncio

e as águas gastas pelas quilhas

que sem cessar entravam pelo porto

hoje se adensam em quase lodo e lembram

apenas o ferir de remos que se foram.

 

Mas eles

             presos pelos pés

                                      na pedra

que lhes serve de jaula, permanecem

reventes a Phoibos que penteia

com o garfo de seus raios as jubas aljofradas.

Ai que da orla do secluso bosque

Artêmis já não surge como outrora,

quando de suas mãos alçava à alpercatas

e os precedia à fimbria d´água

onde sedentos os leões sorviam

em mil fragmentos sua própria imagem!

 

 

IV

 

Aqui diante destes                       ou seja

leais                                                        na parada

leões, aqui de                               posição de quem

joelhos,                                        espera

a que deus orar?                                       por esperar,

se é que há                                   aprender

deuses?                                                      a pensar

Se não houver,                              a pedra,

Ora,                                                            a pura perda

        Por que orar?                         de pensar.

Orar só porque não há.

                                                        Aprender

Aqui diante deles                                            preso o pé

Delos                                                que apesar

aprender a esperar                             de preso podes

na pedra,                                                      pensar.

 

                                                      (1980)

 

 

POEMA A MEU PAI

 

Meu pai morreu longe de mim

(eu é que estava longe dele).

Tantos anos se passaram

e ainda não lhe vi a sepultura.

Continuo longe.

Mas sua presença me sacode

como um choque elétrico,

uma bebida forte que me arde

por dentro.

Está vivo nos meus dedos,

nos cabelos ralos

— a nuca dá arrepios de se ver.

Está cada vez mais perto de mim

(eu é que estou mais perto dele).

 

                   @

 

              Na ela

              inacessível

               inacessível

               o E-mail

               de Deus

 

                   (4.11.96)

 

(Extraídos de FÉLIX, Moacyr.  41 Poetas do Rio. Rio de Janeiro: Funarte, 1998.  ISBN  85-85781-72-6

 

 

 

 

 

 

BARROSO, Ivo. Nau dos náufragos.  Poemas (1950-1980).  Lisboa: 1981.  126 p.  14,5x21 cm.   Impresso na Tipografia Minerva do Comercio. Capa:  Frederico George.  Col. A.M.

 

 

NOBILÍSSIMA VISIONE

 

Como se à orla de um bosque alguma oréade

pudesse ainda surgir—surgiste, ó sílfide,

soltos cabelos, suave testa, os olhos

 

transparentes na tarde, insuspeitados

de que eu te visse vir para mim, como

se das entranhas do tempo tu viesses.

 

As árvores — sombreando corpos ávidos

de retornar ao seio da natura—

saudavam-te com verdes pensas comas.

 

Trazias pela mão 'Cupido: a ingénua

corporificação 'de um ser traquinas

de rosadas maçãs e dentes alvos

 

(em quem reconheci alguém que, embora

não sendo eu, bem certo que podia.)

 

Essa dupla visão de ti e desta

que foi gerada em ti quando eu queria

perpetuar meu gene em tua carne

 

e o momento dos nossos desencontros

impediu que eu vivesse para sempre

—essa dupla visão de tudo aquilo

 

que mais sonhei, de súbito me infunde

a ideia 'de que agora, de que mesmo

'diante desta inaudita coincidência,

 

eu não te estou a ver, mas vejo apenas

a sonhada visão que à mente, o dia

e, mais que o dia, a noite adentro acende,

 

que assim jamais podia estar aquela

que só do sonho meu está patente.

 

(Com pouco não me fui pensando, «Esquece,

que é mais uma visão que te aparece,

um sonho a mais lá dentro do teu sonho».)

 

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De

A caça virtual

e outros poemas:

antologia.

Rio de Janeiro: Record, 2001.

 

 

OBLÍVION

 

Chega a sombria nave em terra estranha

 

A âncora estira a língua em sede e bebe

a úmida areia transbordada em peixes

 

Baixa o velame os suplicantes braços

anquilosados pelas calmarias

 

O mar secou  dormiu a nave  e o casco

na praia arqueja o pútrido arcabouço

 

Donde vem o quebrar de ondas monótono

se o mar secou  se a nave empederniu

 

E que terras  que flores serão estas

curvando os grandes halos multifólios

 

Ah lótus que chamais ao doce oblívion

me enredo neste ardil do esquecimento

 

deixo no olvido a face  o gesto  e tudo

quanto a quilha cortou nas idas águas

 

Sugar o látex das rosáceas púrpuras

sem lar  e sem destino  concebido

 

sem pais  sem língua  mortas na lembrança

todas as coisas para as quais vivia

 

na paisagem humana das vivências

de novo construir da forma ansiada

 

e no mundo sem árvores sem pássaros

deitar os grãos e os átomos que trago

 

Donde vem donde vem a nau sombria

 

 

O SINO

 

Teu nome é um sino imerso no meu peito.

Um pequenino verso que nasceu já feito.

Plange tão silente na manhã festiva

de minha lama cheia,

que o não ouve a gente nem desperta a aldeia.

Nasce tão calado da emoção tão viva

que me sela a boca,

que qualquer pessoa não percebe ao lado

como o sino toca, como verso soa.

 

De
BARROSO, IvoVisitações de Alcipe.   Lisboa: Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, 1992.  40 p. ilus.  formato 14, 21 cm.  “Este livro contém dois desenhos de Mafalda Osório (actual Marqueza de Fronteira e Alorna) e quatro reproduções de retratos da 4ª. Marqueza de Alorna.”   Col. A.M. (EA)

 

LAMENTO DE/A ALCIPE

Hoje que volto
a este lugar
o vulto envolto
em singular
teia de estranhos
sentimentos
vejo que os ganhos
dos dias idos
foram momento
perdidos:
perdidos não
naquele instante
em que tão
confiante
diante da vida
a mim mos dava;
perdidos antes
quando mais tarde
fraca e covarde
sem esperança
eu os chorava
na lembrança.

 

SARABANDA

no nicho das arcadas
o luxo dos sombreiros
pavilhões de caça;
no esguicho dos repuxos,
em brancas baforadas,
a água se estilhaça
sobre o buxo dos canteiros;
dos cestos surgem frascos:
rompido o rubro lacre,
sente-se esse gosto acre
dos pêssegos e damascos;
sorvidos os refrescos,
atira-se a garrafa
na água que, diáfana
à borda da varanda,
forma uma guirlanda
de arabescos.

 

 

BARROSO, Ivo.  Poema a meu pai.  Jaboatão, PE: Editora Guararapes, 2015.   28 p.  20.5x13 cm.  Ilus.  Editor: Edson Guedes de Moraes.  Inclui o poema e também o conto "Roteiro Turístico". Edição artesanal, limitada.      Ex. bibl. Antonio Miranda

 Veja o e-book: https://issuu.com/antoniomiranda/docs/ivo_barroso

 

Página publicada em junho de 2008. ampliada e republicada em setembro de 2011.




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