VIAGEM À ITÁLIA
Ao ar puro de maio (á moda de Sandro Penna)
Ragazzo calabrese no batente da manhã. Meio-dia, sol é pino, tatuagem sob a manga, a primavera, um desvestir-se. Vai com pressa à outra loja consertar o celular. Quem sabe o espreitam, tamanha sua confiança no mero pisar, no olhar para lados, para lá e para cá, para a frente e por detrás.
Rapazzo sim, mas.. calabrese?
Roma, dois mil e dezesseis
A bunda-falo do fauno de Bernini. Homem Cavalo Pedra mausoléu de obelisco, pedra sobre pedra, polida, rotunda lançada para o alto
sursum, corda, mais e mais, para o alto, perfura, perscruta, incrusta no azul memória de dentes rasgando carnes.
Meia noite
Procuro um coliseu entre muros de Fellini e uma lua de festim.
Ruína fresca de uma vida, a liça, o riste, o risco, a cena incompleta do filme,
as faces efêmeras, aparições ruidosas, que confraternizam. Ezra Pound, Pier Paolo, vago entre livros.
Pelas ruas adjacentes, pelos cantos marginais, junto ao parque já fechado, o regazzo calabrês
ostenta o ser que nunca foi, nem será. Suspende o tempo com seu braço de academia,
seu orgulho, pequeno e vultoso, numa língua sabor de sul, para inglês ver, fotografar, postar.
Sem retorno
A sombra da terra de origem esvaneceu-se, é como fiapos de nuvem entre montanhas amenas, oliveiras, percursos de trem e um oceano inteiro, um salto interplanetário, entre estrelas apenas entrevistas. O sortilégio do Amazonas, a foz, as fontes inexauríveis do fluxo vital, os cipós entrelaçados desde um tempo
de mais esfumada lembrança: enredos transgressivos possivelmente ancestrais, é como um de-ene-ah! Tudo se tornou longínquo, lendário, material para um romance, para um devaneio solitário.
MORICONI, Ítalo. A Cidade e as ruas. Rio de Janeiro, RJ: Universidade do Estado do Rio de Janeiro –UERJ, 1992. 17 folhas soltas. 15x17 cm. (Poesia na UERJ) Programação visual: Sidney Rocha. Ex. bibl. Antonio Miranda.
O MITO
Meu olhar insolúvel
enlaça essas nuvens,
manipula suas curvas
fundas, sondáveis
e de imiscuir-se, vê:
São hetairas lúbricas,
sob o sol que de tão tropical está grego.
Estou pompeiano...
Serpente levita.
Não consigo me passar sem a lei carnívora da existência
O Cordeiro de Deus reflui, balindo,
querendo apagar o incêndio a devastar.
Tudo é conflito de figura no jardim de forças da rua sarcástica.
Pombinhas rodopiam, inexoráveis.
Meu olhar solúvel desliza,
lei metálica, entre pernas braços cunhas
fundas, vesúvias. São abismos
de velocidade, superfícies: serpente
levita.
Noturno
Colhi esse rapaz do oco da noite
entre uma esquina e antigas angústias.
O vento levava copos vazios
e voltava nas asas de velhos jornais.
Era mais um bote da cobra grande,
lição de séculos aprendida nas ruas.
Nós dois e a rua. Nós dois, oco da noite.
Poeira. Os carros retardatários...
Ninguém nos vê - cor dos prédios apagados.
Entramos no hotel os dedos ligados.
O homem maduro e o rapaz das ruas.
O nome e o inominável unidos
escada estreita acima.
Ainda belisquei o camareiro antes de fechar a porta. Flor
do oco, broto
espesso, lisura sem pêlos,
urgência de futuro
nesta última hora.
Ver o poema extraído de
POESIA... [edição mimeografada]
Uma série de edições do folheto “POESIA” impresso em mimeógrafo. Encontramos doze exemplares em um velho arquivo na biblioteca particular de Antonio Miranda... Foram editados em 1976 e 1977, com 4 a 6 páginas cada um... Nenhuma informação sobre a procedência, nem dos editores... Só encontramos esta
“A sensibilidade poética foi o fio condutor que reuniu, inicialmente, Gilvan P. Ribeiro e o saudoso José Henrique da Cruz (1957 – 2003) na articulação do folheto Poesia, em 1976, já na Universidade Federal de Juiz de Fora, após os sete primeiros exemplares terem sido editados com o apoio do Colégio Magister, em 1975.”
Fonte: https://jornalggn.com.br/
Vamos copiar e reproduzir alguns dos poemas aqui no nosso Portal, autor por autor...
POEMA de ITALO MORICONI JR.:
ATRAÇÕES DO CABARÉ SUL-ATLÂNTICO
o mendigo ferido e negro
recolhe o lixo na lanchonete
traz na testa a estrela cósmica
de que poreja sangue, merda, esperma
a mulher sem cabelos dorme
estendida no canto da loja apagada
traz no dedo o anel egípcio
de onde emana o brilho da morte
o poeta agachado percorre o solo
cata sem mãos migalhas de comida
sem pernas rola no asfalto
sem boca não logra gritar
os pivetes se agasalham de vento
na cama de areia sonhada jornais
árvores imaginárias estalam nos dedos
um menino poeira se produz na parede
ao longe no oceano a sereia entoa
o hino do apocalipse
os casais desesperados esqueceram
suas melhores carícias.
Italo Moriconi Jr.
G E O G R A F I A
o país escuro e chuvoso
ao norte do corpo está
industrial e progressista
golpes de martelo em ferro
na bigorna
o país de luz e sol
já na fronteira do corpo
terra disputada onde apenas
se pressente
são nuvens de limalhas acumuladas
no céu são marretas percorrendo
rolos de fumo encobrindo
Italo Moriconi Jr.
NOITE
Cai sobre a cidade
azul
acendendo luzes
vem
desce
toca
suave
inteiriço manto negroazul
cobre mais e mais
os telhados, as cumeeiras, as cabeleiras
deita
no chão o manto rendado
de janelas, véu
de lâmpadas pálidas
faces de gestos acostumados
homens e mulheres
chegam
do trabalho, milhões
acendendo luzes.
Italo Moriconi Jr.
IN ITALIANO
INCONTRI CON LA POESIA DEL MONDO. ENCONTROS COM A POESIA DO MUNDO. Antologia poética bilíngue. Italiano – Português. Antologia poética bilíngue. A cura di Vera Lúcia de Oliveira; Paula de Paiva Limão. Perugia, Italia: Edizioni dell´Urogallo / CILBRA – Centro di Studi Comparati Italo-Luso-Brasiliani, 2016. 242 p. Em colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade de Brasília. ISBN 978-88-97365-41-9 No. 09 908
ITALO MORICONI è poeta, critico, professore di letteratura brasiliana presso l'Universidade do Estado de Rio de Janeiro (UERJ). Possiede un titolo di dottore in Lettere conseguito presso la PUC-Rio con post dottorato in Comunicazione presso la UFRJ. E autore di antologie di prosa e poesia di grande diffusione in Brasile. Quest'anno uscirà la seconda edizione della biografia da lui scritta sulla poetessa carioca Ana Cristina Cesar: Ana Cristina Cesar - O Sangue de urna poeta. Ha curato un volume di Lettere di Carlo Fernando Abreu. Quando ha ricoperto l'incarico di editore esecutivo della casa editrice dell'UERJ (2008-201 5) ha creato la collana Ciranda da Poesia, che tuttora coordina, composta da piccoli studi critici e miniantologie su poeti contemporanei.
Le poesie di Italo Moriconi sono state tradotte in italiano
da Emma De Luca
Quatro elegias
Santuza Naves
(em memória)
Porque o fardo lhe parecia tão leve
um sangue adocicado nos percorreu,
cérebro célere -
como este terço de vida: ávida mesma.
Um riso aberto, os dramas íntimos, cabelo
espesso que voa, e foi,
cambraia navegadora,
nossas felizes bebedeiras cantantes.
Este teu silêncio esculpido
é parapeito sobre uma nova era.
Quattro elegie
Santuza Naves
(in memoria)
Perché il fardello le sembrava così lieve
un sangue addolcito ci percorse, cerebro celere -
come questo terzo di vita: la vita stessa.
Un sorriso aperto, i drammi intimi, capelli
folti che volano, e fu,
cambrì navigante,
le nostre felici sbornie cantate.
Questo tuo silenzio scolpito
è un parapetto sopra una nuova era.
Assis
(em memória de Donizete Galvão)
para Vera Lúcia de Oliveira
Haverá uma beleza no desconsolo, no abandono.
O seco esfarelar-se do pão dormido
na boca ácida, à beira da sarjeta, no
plano invisível do meio-fio.
"Trata-se apenas de um bêbado numa esquina."
Oh andrajos do homem santo
que cuspia formigas e blasfemava com as unhas.
Suas unhas eram flautas sujas,
um Hamelin de cabelo bom bril
esgueirando-se pelas pistas da Marginal,
seguido pelos ratos gordos.
E as fileiras indiferentes
de faróis no anoitecer, bruma de luz,
rumor-amor indistinto.
Assisi
(in memoria di Donizete Galvão)
per Vera Lucia de Oliveira
Ci sarà una bellezza nello sconforto, nell'abbandono.
Il secco sbriciolarsi del pane raffermo
nella bocca acida, sull'orlo del baratro, sul
piano invisibile
del ciglio della strada.
"Si tratta solo di un ubriaco ad un angolo."
Oh stracci dell'uomo santo
che sputava formiche e bestemmiava con le unghie.
Le sue unghie erano flauti sporchi,
pifferaio Hamelin con capelli di pagliette d'acciaio
svignandosela per le corsie della Marginai,
seguito da topi grassi.
E le schiere indifferenti
di fanali all'imbrunire, foschia di luce,
rumor-amor indistinto.
Pier Paolo (revisitado)
Ah, curva de um músculo.
Talhar o ragazzo transcendental
Em cada face imperfeita
Bloco branco e rude
Como os conjuntos residenciais
De um rosa desbotado, de um ocre imemorial,
Sob a luz de magnésio, no céu baldio.
Há milhares de estrelas lá no alto, olham?
Não, já não olham.
Deixar o gesto planar, num arabesco,
Pecorrer mais este ciclo lunar
Agora teus punhos, teus pneus, tua faca fria
Meu assassino terá que ser você
Para que possa outro exemplado
Fazer justiça a tanta vitória
Tanto sangue misturado.
Ah, carne, fome de forma,
Neste sítio preciso
Entre cacos, latas, detritos
Terá que ser aqui e agora
Tanto som misturado
Tanto sangue que rola
Todo esse descuido
E a maresia
(1a. Versão: in Quase sertão, 1996)
Pier Paolo (revisitato)
Ah, curva di un muscolo.
Scolpire il ragazzo trascendentale
Su ciascun lato imperfetto
Blocco bianco e ruvido
Come i complessi residenziali
Di un rosa slavato, di un ocre indefinito,
Sotto la luce di magnesio, nel cielo abbandonato.
Ci sono migliaia di stelle lassù in alto, le guardano?
No, non le guardano più.
Lasciare il gesto librarsi, in un arabesco,
Percorrere ancora questo ciclo lunare
Adesso i tuoi pugni, i tuoi pneumatici, la tua lama f
Il mio assassino dovrai essere tu
Perché possa un altro esempio di condanna
Fare giustizia a tanta vittoria
Tanto sangue misturato.
Ah, carne, fame di forma,
In questo luogo preciso
Tra cocci, lattine, detriti
Dovrà essere qui e adesso
Tanto suon misturato
Tanto sangue riverso
Tutta questa incuria
E la mareggiata.
(1°. versione Quase sertão, 1996)
À sombra da árvore
O vento apaga e empurra para o abismo
Mário Faustino
Guardaria, guardará, guardara
este segredo como um túmulo.
Foi sob um imaginário plátano que o corpo do pai -
terra oca, o ilimitado do pó.
Á beira do fim, cicio.
Luz e treva, vento e vulcão.
(Filho, te apossa do que não pode ser transferido a mais ninguém.) Teu nome não é teu, teu nome é todo teu.
Boca se fecha a sete chaves,
cheia de flores, cheia de insetos, larvas.
(1a. versão: Quase sertão, id. ih.)
All'ombra dell'albero
Il vento spegne e spinge verso l'abisso
Mario Faustino
Conserverebbe, conserverà, aveva conservato
questo segreto come un tumulo.
Fu sotto un immaginario platano che il corpo del padre -
terra vuota, l'illimitato della polvere.
Sull'orlo della fine, sussurro.
Luce e tenebra, vento e vulcano.
(Figlio, impossessati di ciò che non può essere trasmesso
a nessun [altro.)
Il tuo nome non è tuo, il tuo nome è tutto tuo.
La bocca si chiude a sette chiavi,
piena di fiori, piena di insetti, larve.
(1a. versione Quase sertão, 1996, id. ib.)
Página ampliada em janeiro de 2017. ampliada em junho de 2018. Ampliada em setembro de 2019;ampliada en nov.2019