T R A D U Ç Ã O
Igor Fernandes
Dizer das paredes: rígidas
como os corpos que não cessam
desterrá-las,
mas não cessam de
erguê-las
pois o tempo é uma morada
quase intacta –
ora se desmonta,
ora está refeita.
Dizer das paredes: pálidas
como as noites ontem brancas,
pouco a pouco desbotadas,
quase iguais ao mobiliário,
aos motivos, aos retratos,
pois o tempo é uma tintura
que se gasta:
outra em que se invista
será só máscara.
Dizer das paredes: úmidas
como as páginas pelo rosto –
sobre a linha encanações
perfuradas,
infiltrações nos tijolos
das palavras,
pois o tempo
é uma espécie de rascunho
do que amanhã foge ao punho.
Dizer das paredes: versos
como as vigas que dão força
à estrutura, como cercas
que protegem nossa sala,
arquitetam nossas portas
e se soltam, como cal,
rumo aos quartos do sensível.
Pois o tempo se constrói
de cimento. E de invisível.
Dizer das paredes: nós
como os pronomes pessoais
do caso incerto,
conjugados na labuta
da existência, pois o tempo,
mais que sólido, é ausência,
e por isso nos tramamos
rígidos, pálidos, úmidos, versos:
para preencher
nossos últimos restos.
P O É T I C A
Igor Fernandes
de um livro quase todo em formas fixas
espera-se o equilíbrio, a simetria
e como se negasse a própria sina
aponta para o oposto dessa trilha
inscrita nos ditamos de uma lógica
intrínseca ao contar, que enfim convoca
o número a contar o que o devora:
o incerto de uma linha que se dobra
arqueado o fio, a curva chega ao círculo
mas entre os pontos sempre um interstício
a rezar, mudo, o mundo em cujo início
ao caos se abriu, sem verbo ou logaritmo
embora alguma língua oculta em luta
houvesse em cada célula conjunta
e dentro delas, fosse o sopro em cura
da ruína das potências mais profundas
um livro quase todo uma polêmica
do contra, do antagônico que teima
em mãos erguer tijolo que sustenta
aquilo que o derruba em cada poema
deixar que na medida habite o semmedida, o aberto que lhe sobrevém
e na constância, o que é mudança tente
o contraponto que fecunde o rente
que em arte importa esse limite-dádiva
a contornar a fonte eterna: o nada
se dele tudo se afigura em página
a condensar na folha a força máxima.
OLIANI, Luiz Otávio, org. entre-textos. Porto Alegre: Vidráguas, 2013. 104 p. 14 x 21 ISBN 978-85-62077-16-6
Ex. bibl. Antonio Miranda
E N S A I O
Igor Fagundes
o poeta dança com as palavras
inventa pasos
coreografías
ritmos
até
o primeiro tombo.
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RABO DE ARRAIA
Luiz Otávio Oliani
ao som do berimbau batuque ginga cadência
o poeta luta
capoeira com a palavra
In: Espiral, RJ, Editora da Palavra, 2009.