HELENA ORTIZ
Nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, é jornalista e taquígrafa, Idealizou o projeto de poesia panorama da palavra – jornal de literatura. Poeta e editora (Editora da Palavra), reside no Rio de Janeiro.
De
sol sobre o dilúvio
Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2005
ISBN 85-98348-04-X
palavras feias
do escombro ao cotovelo
descendo
cintura sexo joelho
crescente carícia em cada
orifício
num afã de mãos
a latejar no escuro
senha sinal insistência
suposição talvez
de alguma improvável
resistência
explicação nenhuma
quem sabe vício
memória de outro poço
não importa
do pé ao pescoço
poema gemido
a partir da segunda estrofe
duma lonjura (parecia)
chegavam palavras feias
(ele dizia tantas)
Sem nome ou dia definido
não sentir o chão
apenas vislumbrar seus dentes
brancos bruscos cintilantes
e o grave (sábio) movimento
dos duzentos dedos
em par
posso mudar esse passado — é meu
Izacyl Guimarães Ferreira
posso mudar essa lembrança — é minha
inventar clima e cenário
azul as paredes
encher o sol
as janelas que choviam
posso abrir as portas
par em par
dar-te cor aos lábios
à face fria
ao transpor o portal
estamos juntas
e essa lembrança nem havia
fraternal
três machos sem direito a cópula
cagam três vezes ao dia
num cativeiro moderno
recolha-se a merda
banho e ração
Ralph, Mateus e Subcomandante
Pastores pastoreando, passarinhos
ó como eu gosto de animais
três machos sem direito a cópula
ouvem o canto da sereia
no quintal de seu monastério
atacam-se decepando orelhas
mordem saco lombo jugular
em meio a latidos vão fazendo
vermelha a arena do combate
agora aí estão lambendo-se
lambendo-se as feridas como irmãos
Editora da Palavra
helenaortiz22@gmail.com
Fone/fax 2557-4962 RJ
ORTIZ, Helena
Em par
Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001. 86 p.
para sempre Argentina
com quantos mil lençóis amordaçaram a noite
com quantos corpos cegos sangraram o mar
quantas e quantas noites mal dormidas
suportando passar os vendavais
o último cigarro a espera o rio
calçadas molhadas ossos frios
reflexos nas poças
os olhos de Borges
bandoneón
mar frio
maldita
dura
na repartição
são tantas as vozes
tão pouca luz na única janela
que dá para o nada
por onde o nada
também se introduz
são tantos os ruídos
timbres em volumes
variados
lembrando gansos desatinados
a cortina em coma
espera que eu a chame
manto e se teça
invólucro do assombro
o arcaico se sobrepõe
ao milénio
bug ou babel
vozes ruídos sirenes
campainhas gritos motores
na repartição
o sol nunca o ar
vazado
azedo rarefeito
nenhuma luz na janela
nem ao menos
jogar-se dela
Página publicada em março de 2008; ampliada e republicada em agosto de 2011. |