HEITOR P. FROES
Nasceu em Cachoeira, Bahia, no dia 25 de setembro de 1900.
Poeta, tradutor, médico, professor do ensino secundário e do superior, pertenceu á Academia de Letras de Bahia, á Academia de Medicina da Bahia e inúmeras outras instituições científicas e culturais
Ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1917, diplomando-se em 1922. Foi uma das expressões mais altas da cultura médica baiana
Homem de grande cultura humanística, poliglota, publicou numerosos trabalhos, dos quais destacamos "Abelhas e Vespas", "As devotas de São Biriba", "As portas da Academia", "Cara e Coroa", "Caretas e Sorrisos", "Carícias e Piparotes", "Favos e Travos", "Nozes e Vozes", "Poemas da Primavera", "Poesia em 3 tempos", "Sal de Pimenta", todas no gênero poético.
Dos contos de sua autoria, destacamos "Contos e Mais", e "Contrafábulas".
Dentre as traduções, avulta "Meus poemas... dos Outros", belíssima coletânea de poesias dos maiores vultos da literatura.
TEXTOS EM PORTUGUÊS
ENGLISH
ESPAÑOL
FRANÇAIS
ITALIANO
De
Heitor P. Fróes
Cara e coroa . Sátiras sociais.
Rio de Janeiro: Philobiblion, 1957.
Sete cadernos costurados com linha, contendo as sátiras e mais dois menores com os dados da folha de rosto e o Sumário e colofão. Acondicionados em caixa.
SÁTIRA OITAVA
ONOMÁSTICA ZOOLÓGICA
A propósito de pessoas que têm nomes de animais.
Dedicada a Manuel Bandeira
EM certo jardim zoológico,
ao tipo menos tacanho
tudo afigura-se ilógico
e tudo parece estranho :
Nele há LOBO bacharel,
PACA que serve na tropa,
ABELHA que não faz mel,
CAVALO que não galopa;
GALO que faz trocadilho,
EMA metida a engraçada,
COELHO presto no gatilho,
LEBRE que nunca é caçada;
COTIA de cabeleira,
CANÁRIO que usa bigode,
LOURO que não se empoleira,
GAIO com barbas de bode...
Há CAMELO sem corcova,
PITON que não tem peçonha,
CORUJA que não desova,
GATO que fuma maconha;
há FALCÃO que não tem garras,
LAMPREIA que constrói casas,
RATO que gosta de farras
e TANAJURA sem asas.
Há PINTO sentencioso,
PARDAL bisonho e calado,
CASTOR que vive ocioso,
PATO que fala empolado;
ROLA que é chefe de empresa,
BEZERRA que adora festa,
BOTO — almirante ou jurista;
MARTA — tipo de beleza,
CANGAMBÁ que não empesta
e GRILO que é integralista.
Há POMBO que é caçador,
CARNEIRO que faz discurso,
ARANHA que é embaixador,
BARATA que entra em concurso;
ACAUÃ que não tem penas,
ARAPONGA que não canta
e LEÃO que ruge... apenas
quando tempera a garganta.
Há PELICANO sem papo,
URSO de borla e capelo,
BEZOURO que dá sopapo,
PEIXE que corta o cabelo;
há LEITÃO que é diplomata,
RAPOSO que é deputado,
TIGRE que foge da mata,
ANEQUIM bem comportado;
SARDINHA que vive em terra,
CABRA que rema em canoa,
BACALHAU que vai à guerra,
ESPERANÇA que não voa.
Há TOURINHO sem cincerro,
ELEFANTE sem marfins,
VACA que come bezerro,
PANTERA que faz quindins;
ÁGUIA que foge das grimpas,
BÚFALO que usa gravata,
PORCO que adora águas limpas
COBRA que anda de alpargata.
Nele há também GAVIÃO
— médico, artista ou bicheiro —
e piloto de avião
que, embora ousado, é CORDEIRO;
há MARACAJÁ sem rabo,
CANGUÇU que é padre ou monge.
e a citação não acabo
porque a lista já vai longe !.
Se deseja ter renome,
amigo, não seja bobo;
mude depressa de nome
se o seu a tanto o compele :
quem não quer passar por lobo
não deve vestir-lhe a pele !
Siga à risca meu conselho,
e, inda mesmo se for COELHO,
não hesite um breve instante :
essa atitude sadia
evitará que algum dia
o tomem... por elefante ! !
Extraído de
FRÓES, Heitor P. Meus poemas dos Outros. Traduções e versões. Bahia, 1952. 312 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Embora o livro seja uma antologia de poemas de autores mundiais e brasileiros traduzidos por Heitor F. Fróes, ao final ele incluiu o poema "INOCÊNCIA", de sua autoria, que se trata de uma paráfrase de um conto de Coelho Neto, que também traduziu para os idiomas Inglês, Espanhol, Francês e Italiano:
INOCÊNCIA
Paráfrase de um conto de Coelho Neto. Por Heitor P. Fróes
— "Meu bom doutor. . ." O velho praticante,
Colhendo as rédeas, vê surgir na estrada
Uma menina magra e desgrenhada,
Trazendo ao colo pequenino infante.
— "Perdemos a Mamãe" — diz soluçante;
Deixou-nos sem dinheiro, sem pousada,
Quase mortos de fome . . . E, envergonhada,
Mostra-lhe o peito virgem, palpitante:
— "Veja, doutor, também já tenho seios,
Mas debalde ele suga!" E, com meneios
De requintado, maternal carinho,
A soluçar murmura, numa prece:
"Se o doutor os furasse . . . não parece
Que sairia leite pro maninho ? "
ENGLISH
INNOCENCE
—"Oh Doctor! Help, help me!..." on his old horse
The Doctor draws the bridle, and as he tries
The dark, he sees a maid holding by force
A new-born boy that in her frail arm lies.
—"We don't have any food, any resource, A
nd mother died" — she says with tearful eyes. . .
"And as I cann't, as yet, feed him, of course
Half dead of cold and hunger Baby cries!"
Then, blushing, she displays her little breast:
—"Look, Doctor: I'm a woman, sure I am...
But Baby sucks in vain, and has no rest;
Help me to care of him; I'm now his mother!
My nipples may be block'd; will you pierce 'em. . .
Sothat I may soon feed my little brother?"
ESPAÑOL
INOCENCIA
"Doctor, espere" — implora con temor
La desdichada y pobre criatura!
Se detiene en su marcha el buen doctor
Contemplando a joven con dulzura.
—"Ha muerto nuestra Madre; que dolor!
El Párroco le he dado sepultura. . .
Y el nene, en mis dos pechos, con furor,
La buena leche maternal procura!"
Y desabotonando lentamente
Su blusa pobre, llora la inocente
Mostrando con tristeza su hermanito:
—"Mire mis pechos" dice avergonzada;
"Si los abriese un poco... casi nada...
No podría mamar el pobrecito?!"
FRANÇAIS
INNOCENCE
—"Mon bon Docteur"... Le vieux docteur, surpris,
Tirant la bride du baudet fidèle,
Voit, au bras d'une fille qu'il meurtrit,
Un nourrisson qui cherche la mamelle.
Levant vers le vieillard ses yeux flétris
La fille explique, rougissante et belle:
"Maman est morte; l'on nous a tout pris,
Nous avons froid, et cet hiver nous gèle!"
L'autre lui dit: "Prends cette pièce blanche!"
—"Pas çà, Docteur; tenez, je serai franche..."
Et, toute en pleurs, alors, lui dévoilant
Une mamelle vierge, frémissante —
"Si vous me la perciez" — dit l'innocente,
"Ne pourrais-je nourrir ce pauvre enfant?"
ITALIANO
INNOCENCE
—"Dottore, prego!" Il vecchio e buen dottore
Guarda sorpreso, e vede nel caminho,
Portando al seno um pallido bambino,
Quella regazza smorta di dolore...
—"Ieri è morta la Mamma, mio Signore;
Noi non abbiano terro nè desitno...
E mio fratello, ancora piccolino,
Piange da farmi lacerar il cuore!"
E, sbottonando la camisa blanca,
Com verginal pudore, disse allora:
—"Guardi! Ho già seni... eppure illatte manca!"
Poi, arrossendo il viso puro e bello:
—"Se mi bucate le mammelle" — implora,
"Non potrò allattare mio fratello?"
Página publicada em agosto de 2011; ampliada em dezembro de 2017
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