Fonte: http://alfarrabio.di.uminho.pt
GONÇALVES CRESPO
(1846 - 1883)
Antônio Cândido Gonçalves Crespo nasceu no Rio de Janeiro em 1846, sendo filho de um negociante português e de uma negra. Foi estudar em Coimbra aos catorze anos de idade, onde publicou poemas na revista Folha em que também publicavam notáveis da época como Guerra Junqueira e Antero de Quental.
Fixou-se em Lisboa, onde apesar de ter adquirido a nacionalidade portuguesa, ao tempo requisito para o exercício da advocacia, pouco exerceu aquela profissão, optando antes pelo jornalismo. Foi colaborador de diversos periódicos, entre os quais O Occidente (1878-1915) e a Folha, o jornal de Coimbra em que era director João Penha, o poeta que introduziu o parnasianismo em Portugal, tendo colaborado igualmente na revista literária República das Letra (1875), dirigida pelo mesmo, de que saíram três números. Colaborou também nas revistas Renascença (1878-1879?), A Mulher (1879), Jornal do domingo (1881-1888), A Leitura ((1894-1896), Branco e Negro (1896-1898), Serões (1901-1911) e na Revista de turismo iniciada em 1916. Como poeta estreou-se com a colectânea Miniaturas, publicada em 1870.
Veja também: CARTÃO POSTAL ANTIGO COM POEMA DO AUTOR
Ver também: POÈMES EN FRANÇAIS
MATER DOLOROSA
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.
Dos céus a curva era tranquila e pura;
das gementes alcíones o bando
via-se ao longe, em círculos, voando
dos mares sobre a cérula planura.
Nas ondas se atufara o Sol radioso,
e a Lua sucedera, astro mavioso,
de alvor banhando os alcantis das fragas...
E aquela pobre mãe, não dando conta
que o Sol morrera, e que o luar desponta,
a vista embebe na amplidão das vagas...
*****
AS VELHAS NEGRAS
As velhas negras, coitadas,
Ao longe estão assentadas
Do batuque folgazão.
Pulam crioulas faceiras
Em derredor da fogueira
E das pipas de alcatrão.
Na floresta rumorosa
Esparge a lua formosa
A clara luz tropical.
Tremulam pirilampos
No verde-escuro dos campos
E nos côncavos do Val.
Que noite de paz! Que noite!
Não se ouve o estalar do açoite,
Nem as pragas do feitor!
E as pobres negras, coitadas,
Pendem as frontes cansadas
Num letárgico torpor!
E cismam: outrora, e dantes
Havia também descantes,
E o tempo era tão feliz!
Ai que profunda saudade
Da vida, da mocidade
Nas matas de seu país!
E ante o seu olhar vazio
De esperanças, frio, frio
Como um véu de viuvez,
Ressurge e chora o passado
— Pobre ninho abandonado
Que a neve alagou, desfez...
E pensam nos seus amores
Efêmeros como as flores
Que o sol queima no sertão...
Os filhos quando crescidos,
Foram levados, vendidos,
E ninguém sabe onde estão.
Conheceram muito dono:
Embalaram tanto sono
De tanta sinhá gentil!
Foram mucambas amadas.
E agora inúteis, curvadas,
Numa velhice imbecil!
No entanto o luar de prata
Envolve a colina e a mata
E os cafezais em redor!
E os negros, mostrando os dentes,
Saltam lépidos, contentes,
No batuque estrugidor.
No espaçosos e amplo terreiro
A filha do Fazendeiro,
A sinhá sentimental,
Ouve um primo recém-vindo,
Que lhe narra o poema infindo
Das noites de Portugal.
E ela avista, entre sorrisos,
De uns longínquos paraísos
A tentadora visão...
No entanto as velhas, coitadas,
Cismam ao longe assentadas
Do batuque folgazão...
CRESPO, Gonçalves. Obras Completas. Prefácio de Afrânio Peixoto da Academia Brasileira. Capa de Maria HelenaVieira da Silva. Rio de Janeiro: Edições Livros de Portugal Ltda, 1942. 221 p. 14x21,5 cm. capa dura. Foto do poeta no frontispício. “Deste livro foram tirados 250 exemplares em papel Bufon de 1ª qualidade, numerados de 1 a 250 e rubricados pelo Diretora literário desta Editora”. Col. A.M.
CONSOLAÇÃO
Quando à noite no baile esplendoroso
Vais na onda da valsa arrebatada
Com a serena fronte reclinada
Sobre o peito feliz do par ditoso...
Mal sabes tu que existe um desditoso
Faminto de te ver, oh minha amada!
E .que sente a sua alma angustiada
Longe da luz do teu olhar piedoso.
Mas quando a roxa aurora vem nascendo,
E a cotovia acorda o laranjal,
E os. astros vão de todo esmorecendo;
Eu cuido ver-te, oh lírio divinal,
As minhas cartas ávida relendo
Semi-nua no leito virginal.
1869.
ODOR Dl FEMINA
A ALBERTO PIMENTEL
Era austero e sisudo; não havia
Frade mais exemplar nesse convento:
No seu cavado rosto macilento
Um poema de lágrimas se lia.
Uma vez que na extensa livraria
Folheava o triste um livro pardacento,
Viram-no desmaiar, cair do assento,
Convulso, e torvo sobre a lágea fria.
De que morrera o venerando frade?
Em vão busco as origens da verdade,
Ninguém ma disse, explique-a quem puder.
Consta que um bibliófilo comprara
O livro estranho e que, ao abri-lo, achara
Uns dourados cabelos de mulher...
CRESPO, Gonçalves. Nocturnos. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1882. 165 p. 11 x 17 cm. Obra rara. Exemplar encadernado.
Ex. bibl. Antonio Miranda.
O VELHINHO
A J. Cesar Machado
Aquelle que ali vae triste e cançado
E mais tremente que os juncaes do brejo,
Foi outrora o mais bello e o mais amado
Entre os moços do antigo logarejo.
Nas fitas d'esse lábio desmaiado
Quantas mulheres tremulas de pejo
Não sorveram os néctares do beijo
Dos trigaes sobre o leito perfumado!
Hoje é velhinho, e falia dos francezes
Aos rapazes da eschola, e ás raparigas
Que não cançam de ouvil-o... As mais das vezes
Sobre a ponte, sósinho, ouve as cantigas
Das que lavam no rio, e o olhar extende
Ao sol que ao longe na agonia esplende. . .
O COVEIRO
A Alberto Braga
Elle entrou cabisbaixo e silencioso
Da immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;
Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
Elle era o mais antigo e o mais ruidoso
Dos freguezes da casa: ao obsceno canto
Ninguem prestava mais lascivo encanto
Ao som magoado de um violão choroso.
Mas o velho sentára-se distante
Da alegre turba, a vista lacrymante
Mergulhada nas chammas do brazido. . .
Disse um da roda: « espanta-me o coveiro! »
— Morreu-lhe ha pouco a filha. .. — distrahido
Volveu da bisca um contumaz parceiro.
ADEUS!
Uma vez, numa camara elegante,
De um contador no marmore de rosa,
Entre os mil nadas feminis que exhalam
Uns aromas subtis que nos embalam,
Vi uma concha pallida e graciosa.
Sentira eu nella um som confuso e triste,
Como o dos sinos em remota aldeia;
Pobre concha! morria de saudade
Daquella vaga e triste immensidade
Do mar que chora na deserta areia.
Olha, querida, como nessa concha,
Anda chorando em mim continuamente
Essa timida voz que tu soltaste,
Essa palavra ADEUS que murmuraste
Aos meus ouvidos languida e tremente!
FLOR DO PANTANO
A Bulhão Pato
É pequenina e séria,
E tem o gesto grave
Da filha de um burgrave,
A cândida Valeria.
Não ha flôr mais suave,
De essência mais ethérea,
E abriu-lhe a vida a chave
Do Vicio e da Miséria!
Na sua loura côma
Nunca passou o aroma
Dos beijos maternaes.
Ó crédula Ignorancia,
Esconde áquella infância
O nome vil doa paes!
FERVET AMOR
Ao dr. Antonio Candido
Dá para a cerca a estreita e humilde cella
D'essa que os seus abandonou, trocando
O calor da família ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.
Nos florões manuelinos da janella
Papeiam aves o seu ninho armando,
Veêm-se ao longe os trigos ondulando.. .
Maio sorri na pradaria bella.
Zumbe o insecto na flôr do rosmaninho:
Nas giéstas pousa a abelha ébria de gôso:
Zunem bezouros e palpita o ninho.
E a freira scisma e córa, ao vêr, ancioso,
Do seu cátre virgíneo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.
NUM LEQUE
Amar e ser amado, que ventura!
Não amar, sendo amado, é um triste horrôr!
Mas na vida ha uma noite mais escura,
É amar alguem que não tenha amor!
POÈMES EN FRANÇAIS
GONÇALVES CRESPO
POÈMES FRANÇAIS D´ÉCRIVAINS BRÉSILIENS. Choix et notes biographiques de Luz Annibal Falcão – Président de l´Alliance Francaise de Rio. Préface de Francis de Miomande. Pèrigueux, France: L´Atelier de Pierre Fanlac, Près Tour de Vésone, 1967. 118 p. 14,5x19,5 cm. Inclui poemas de autores brasileiros escritos originalmente em francês.
C'est en 1846 que naquit, aux environs de Rio, Antonio Candido Gonçalvès Crespo. Il vit le jour dans une modeste propriété appartenant à son père, le petit commerçant portugais Antonio Gonçalvès Crespo. Sa mère, Francisca Rosa était noire et le petit Antonio vécut à la campagne jusqu'à l'âge de 8 ans.
Son père l'envoya faire ses études à Rio puis au Portugal et Gonçalvès Crespo dédia à ce père son pre¬mier ouvrage « Miniaturas » en 1871. Encore étudiant au Portugal, il publia quelques poèmes dans des revues, et épousa Amalia Vaz de Carvalho, fille d'un noble portugais. En 1882, il publiait un second volume de vers « Noturnos », après avoir réussi cette chose éton¬nante pour un métis brésilien : être élu à la Chambre portugaise comme Député de Goa, aux Indes. (1878). Réélu Député en 1882, il entre à l'Académie de Lis¬bonne l'année suivante, mais il meurt en 1883 à 38 ans.
Le poème suivant est adressé à Karl Hermann. Celui-ci était un prestidigitateur d'une adresse telle qu'il éveillait partout l'étonnement et l'admiration. Sa renommée était universelle. Il vint au Brésil, recom¬mandé à l'Empereur par le Tzar en 1858 et y revint en 1866 et 1880.
A KARL HERMANN
Eh bien, le voyez-vous ce cajoleur Satan,
Aux moustaches en croc, et superbe vainqueur ?
Mesdames, le voilà : c'est Merlin, l'enchanteur !
Jeunes filles, tremblez, cet homme c'est Hermann !
S'il eut vécut au temps divin, charmant et beau,
A l'âge où souriait la reine Antoinette,
Les marquis, les abbés, et les traitants en fête
Eussent vite oublié ton nom, Cagliostro !
On nous dit qu'il connait les choses du Malin,
Qu'on sent auprès de lui la forte odeur du soufre.
Qu'il a ses doigts crochus, qu'il est sorti d'un gouffre,
Et qu'il brave l'Azur, et qu'il nous fait, enfin,
Oublier le Bon Dieu... Mais non, oh ! chose étrange !
Il est doux, il est bon, la Charité l'admire ;
Et donc que je célèbre aux accents de ma lyre
Ce Satan dont les bras sont les ailes d'un ange.
Coimbra, 1876.
LIVRO DOS POEMAS. LIVRO DOS SONETOS; LIVRO DO CORPO; LIVRO DOS DESAFOROS; LIVRO DAS CORTESÃS; LIVRO DOS BICHOS. Org. Sergio Faraco. Porto Alegre: L.P. & M., 2009. 624 p. ISBN 978-85-254-1839-1839-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
DULCE
Via-a um dia na rua. Flutuante
ao desdém lhe caía a loura trança;
como a luz dum farol, essa criança
levou-me atrás de si... triste bacante!
Era o seu nome Dulce. O povo rude
apontava-a mofando, quando a via.
Docemente sorrindo, ela dizia:
"Tu sabes, se te amei, santa virtude!"
Um dia a quis beijar; fugiu-me triste;
"Dulce me chamam", disse, "que amargura!
Este corpo, que vês, é sânie impura,
nem mais amargo fel no mundo existe.
Que torva história a minha! É breve, atende:
por minha mãe, que fomo alucinava,
lançada fui no abismo! Então amava...
Hoje sou Dulce, a lama que se vende..."
CLÁSSICOS JACKSON – VOLUME XXXIX POESIA 2º. Volume. Seleção de ARY MESQUITA. São Paulo, SP: W. M. Jacson Inc., 1952. 293 p. encadernado. 14 x 21,5 cm Ex. bib. Antonio Miranda
O MINUETE
Espaçoso é o salão: jarras a cada canto;
Admira-se o lavor do teto de pau santo.
Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:
Um enorme sofá: largas tapeçarias.
O purpúreo tapete aos olhos nos revela
Entre as garras de um tigre ansiosa uma gazela.
Retratos em redor: olhemos o primeiro:
No Toro as mãos de Afonso o armaram cavaleiro.
Era arcebispo aquele: esta foi açafata:
Que frescura sensual nos lábios de escarlata!
Olhos revendo o azul que sobre a Itália assoma:
Em finos caracóis, a loura e ondada coma:
Colo robusto e nu: cabeça triunfante:
Consta que certo rei... passemos adiante!
Este, que vês, morreu num africano areal
Por vingança cruel do áspero Pombal.
Desse olhar de expressão infinda e inenarrável
Desabrocha uma dor profunda e inconsolável.
Defronte, uma donzela, o rosto meigo e aflito,
Num êxtasis adora o pálido proscrito.
O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,
Tão cedo se desfez, ó mísera e mesquinha!
No burel escondeste o viço e a formosura,
E desmaiaste, flor, no chão de uma clausura!...
Repara nos desdéns do fofo conselheiro,
Que sorridente aspira a flor de um jasmineiro!
Em cânones doutor: no paço foi benquisto:
Orna-lhe o peito a cruz de um hábito de Cristo.
Esse outro combatendo às portas de Baiona,
Como um bravo, alcançou a rútila dragona.
Vibra flamas o olhar; cabeça erecta e audaz;
Ilumina-lhe o rosto a glória de um gilvaz.
Assistimos, ao vê-lo, às pugnas carniceiras,
E ouvimos o clangor das músicas guerreiras...
No antiquíssimo espelho, à sombra das cortinas,
Reflete-se o primor de argênteas serpentinas.
Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,
Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.
Ao lado do cofre encerra, em amorável ninho,
Antiga partitura em velho pergaminho.
Uma noite estendi a música na estante,
E o cravo suspirou... naquele mesmo instante.
Da ebúrnea palidez doentia do teclado
Manso e manso evolou-se o aroma do passado.
E vi descer do quadro a lânguida açafata
Que, ao discreto palor das lâmpadas de prata,
A fímbria alevantando azul do seu vestido,
O rosto acerejado, o gesto comovido,
A sorrir, deslizou graciosa no tapete,
Dançando airosamente o airoso minute...
FERVET AMOR
Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da família ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.
Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
Vêem-se ao longe os trigos ondulando...
Maio sorri na pradaria bela.
Zumbe o insecto na flor do rosmaninho:
Nas giestas pousa a abelha ébria de gozo:
Zunem besouros e palpita o ninho.
E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgíneo sobe o linho
Um par de borboletas amoroso.
*
Página ampliada e republicada em maio de 2023
*
Página ampliada e publicada em fevereiro de 2023
Página publicada em março de 2008, Ampliada e republicada em julho de 2013; PÁGINA ampliada em agosto de 2016.
Metadados: Poesia Negra Brasileira – Negro na Poesia – Escravatura (na Poesia) |