Fonte:www.mpbfm.com.br/letraemusicadetalhe.asp?id=6719
GERALDO CARNEIRO
Nasceu em Belo Horizonte, em 1952. Poeta, ensaísta, tradutor, dramaturgo, roteirista de cinema e TV e letrista de músicas. Autor de vários livros de poesia, desde Na busca de Sete-Estrelo (1974).
Foto: Marcos Ramos/Ag. O Globo
GERALDO CARNEIRO É AGORA IMORTAL DA ABL
O poeta e compositor Geraldo Carneiro é o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele foi eleito na tarde de hoje (27 de outubro de 2016), por 33 votos, para a cadeira número 24 da ABL, vaga desde 14 de julho com a morte do crítico teatral e ensaísta Sábato Magaldi. No total, votaram 34 acadêmicos, sendo 21 presencialmente e 13 por cartas.
CARNEIRO, Geraldo. Discurso de posse Sr. Geraldo Carneiro. Recepção Sr. Antonio Carlos Secchin. Sessão solene extraordinária do dia 31 de março de 2017. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2017. 36 p. 16x23 cm.
De
Geraldo Carneiro
POEMAS REUNIDOS
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira;
Fundação Biblioteca Nacional, 2010.
462 p. capa dura ISBN 978-85-20924-26-6
Reúne os livros deste poeta carinheiro — carioca vivido em Minas Gerais — que revela uma obra multifacética, contemporânea e muito criativa. Irreverente, longe do politicamente correto, mas esteticamente aceitável. Mais uma certeira da Biblioteca Nacional do Rio na difusão de nossa melhor poesia, depois de nos brindar, recentemente, com as criações de Salgado Maranhão" ANTONIO MIRANDA
iluminação
depois de outro verão em teus países baixos
onde vaguei funâmbulo e feliz
enquanto as almas conversavam lá no alto
no cordame de Notre Dame de L´Espoir,
a nau dos insensatos corações,
me vi no céu sob um dossel de estrelas
num carnaval de colombinas querubinas
e outros desses seres lá do Empíreo,
e pensei: de duas, uma:
ou os deuses te puseram por engano
à mercê de minhas maquinações
ou sou um místico ainda irrevelado,
um novo São João da Cruz,
e você é o meu Êxtase:
o resto são as drogas da estação
erros meus, má fortuna e amor ardente
(copyright by L. V. de Camões)
Eros meu, mais fortuna e amor aos dentes
(essa mulher só pensa em cocaína)
que perdições (ou predições) me reservara
a musa das paixões oh musa avara
essa mulher s´amuse às minhas custas
com a ironia das amantes raras
escuta, cara, larga o meu pescoço
eu digo curto & grosso a essa menina
e ela com requintes de crueza
me enraba à luz da lua me alucina
(ah saudades do meu lado masculino)
vaga & noctâmbula
não durma, deusa toxicômana:
fale dos mistérios do satori
enquanto sonhamos cegos
na nossa nudez de inverno tropical
&
as unhas da Pedro dos Dois Irmãos
no seu zendelírio zodíaco demonstram
um estranho estratagema de estrelas
deusa nua, espia a lua entre os edifícios
luar de labareda à beira-mar
testemunha dos seus teoremas astrológicos
a lua vaga a lua noctâmbula
presencia a destruição da cidade
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A PROSA DO OBSERVATÓRIO
o poeta esquadrinha a natureza
em busca de indícios: eclipses
o grafismo das garças no lago
estrelas cadentes e outros sinais
da língua de deus.
e deus, crupiê do acaso,
foi passar o verão noutra galáxia
deixou no céu uma guirlanda de enigmas
e mais meia dúzia de coincidências
pra orientar o frenesi dos tolos
e as especulações da astronomia
(do livro Pandemônio, 1993)
CANÇÃO DO EXÍLIO
o poeta sem sua plumagem
é um deus exilado do cosmo
strip-teaser metafísico
só lhe resta sambar no inferninho
do caos
sob os neons do nada
sempre nu diante do espelho
sem espelho diante de si
(do livro Folias metafísicas, 1998)
O MALARMADA IDOLATRADA
UM CU
DE DEUS
NÃO ABOLIRÁ
JAMAIS
O AZAR?
(do livro Pandemônio, 1993)
O ESPELHO
do outro lado um estranho
faz simulações como se fosse
um demônio familiar
é sempre noite, um assassino sonha
com mulheres assassinadas em série
sob as palmeiras de Malibu
o mundo é só uma ficção plausível
a imagem que baila ao rés-da-lâmina
é um último e improvável vestígio
da existência de Deus
o resto são ecos de outras faces
gestos de espanto e despedida
a música dos relógios, a morte
(do livro Folias metafísicas, 1995)
OS FOGOS DA FALA
a fala aflora à flor da boca
às vezes como fogos de artifício
fulguração contra os terrores do silêncio
só espada espavento espelho
ou pedra ficção arremessada
ou canção pra cantar as graças
as virilhas as maravilhas da amada
a deusa idolatrada de amor:
essa outra voz quase jazz
que subjaz ventríloqua de si mesma
(do livro Folias metafísicas, 1995)
PEQUENAS OCUPAÇÕES DA POESIA
a procura da palavra mágica
a contra-senha do apocalipse
o codinome do diabo os esconjuros
as juras aquém-além palavra
amor e outros monstros inomináveis
Iracema é anagrama de América
termo é anagrama de morte
dog, em inglês, é o contrário de deus
(do livro Pandemônio, 1993)
Extraídos de 41 POETAS DO RIO, org, Moacyr Félix. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998. 514 p.
à flor da língua
uma palavra não é uma flor
uma flor é sue perfume e seu emblema
o signo convertido em coisa-imã
imanência em flor: inflorescência
uma flor é uma flor é uma flor
(de onde talvez decorra
o prestigio poético das flores
com seus latins latifoliados
na boca do botânico amador)
a palavra não: é só florilégio
ficção pura, crime contra a natura
por exemplo, a palavra amor
neoplatônica
a boca é o lugar onde se engendra
o silêncio e se proferem sentenças
de morte e colhem blasfêmias
e serpenteiam sortilégios
e se enfunam as flores da fala
até forjar a ficção de outra boca
de onde se extrai a idéia do beijo
conspirações
alguma coisa se desprende do meu corpo
e voa
não cabe na moldura do meu céu.
sou náufrago no firmamento.
o vento da poesia me conduz além de mimo sol me acende
estrelas me suportam
Odisseu nos subúrbios da galáxia.
amor é o que me sabe e o que me sobra
outro castelo que naufraga
como tantos que a força do meu sonho
quis transformar em catedrais.
ilusões? ainda me restam duas dúzias.
conspirações de amor, talvez não mais.
eternidade
para os estóicos o tempo não era
a mera caravana dos sucessos,
essa aventura quase sempre sem sentido
no rumo da anti-Canaã,
a terra onde não há qualquer Moisés
extravagando no Deserto dos Sinais
existe assim um outro tempo, imóvel,
no qual paira a palavra impronunciada,
o mito, sendo tudo e nada,
e idéias como flores ainda à espera
de outra Era ou só da primavera
e da decifração posterior
em suma, se os estóicos não criaram
um sistema solar irresistível
capaz de orientar a órbita dos astros
e as caravelas do conquistador,
em troca talvez tenham inventado
a melhor metáfora do amor
in: Lira dos Cinqüent'anos, Relume-Dumará, 2000
corações futuristas
pular a bandeira
pular a bandeira bordada
pular a bandeira bordada de seda e estrelas
rodar no balanço
rodar no balanço do mundo
rodar no balanço do mundo de sombras e
cachaça
dançar a ciranda
dançar a ciranda do sono
dançar a ciranda do sono perdido na noite
guardar o segredo
guardar o segredo da lua
guardar o segredo da lua afogada no poço
filosofia da composição
sempre sonhei compor um poema narcísico
com tetas como tempestades e as
furibundas fêmeas com quem copulou
o bardo Gérard Éluard Du Kar´Nehru
na mui sensualmente San Sebastian
ciudad de los enganos
mas a musa dos meus verdes anos
perdeu-me em sua primavera de pentelhos
e, ainda melhor, furtou-me o espelho
eros & civilização
se você diz eu te amo
meu coração se mira no espelho
e faz piruetas de circo
se você diz eu te quero
meu coração distraído lixa as unhas
e diz: não se comova, baby
se você diz eu te quero
meu coração faz versos como quem sonha demais
e não se abala nunca
se você diz eu não te amo
meu coração tristonho acende as luzes
porque as noite é negra como a asa da graúna
in: Piquenique em Xanadu. 1988
Leia poemas mais recentes de Geraldo Carneiro no sitio oficial do poeta:
http://www.geraldocarneiro.com/
Vozes de Aço. XIX Antologia Poética de Diversos Autores. . Homenagem ao Acadêmico – Geraldo Carneiro. Volta Redonda, RJ; PoeArtEditora, Gráfica Drumond, 2017. 102 p. Editor: Jean Carlos Gomes. 15,5X21cm. Foto do poeta homenageado na capa da antologia. "Orelha" sobre A Poesia de Geral Carneiro, por Antonio Carlos Secchin. Inclui os poemas do homenageado: Bazar de Espantos, Sobre a Natureza,Autorretrato Depré, Balada do Impostor, Ilíada, Como fazer florescer a flor?, O Elogio das Índias Ocidentais, Balada do Poeta (de Luz Otávio Oliani, sobre o poeta Geraldo Carneiro).
BAR DE ESPANTOS
eu não tenho palavras, exceto duas
ou três que me acompanham desde sempre
desde que me desentendo por gente,
nas priscas eras em que era eu mesmo.
agora sou uma espécie de arremedo,
despido das minhas divinaturas.
já não me atrevo ao ego sum qui sum.
guardo entanto em meu bazar de espantos
a palavra esplendor, a palavra fúria,
às vezes até me arrisco à palavra amor,
mesmo sabendo por trás de suas plumas
a improvável semântica das brumas
o rastro irremediável de outro verso
ou quem sabe a sintaxe do universo.
ANTOLOGIA POÉTICA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Alberto da Costa e Silva. Antonio Carlos Secchin. Antonio Cícero. Carlos Nejar. Domício Proença Filho. Geraldo Carneiro. Geraldo Holanda Cavalcanti. Marco Lucchesi. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. 204 p. ISBN 978-65-87317-06-9
Ex. bibl. Antonio Miranda
Marginal triste
eu sou o rei de um país ensolarado
e todos os vadios me devem vassalagem
assim como as mariposas, as sereias
& ao moluscos da beira-mar
aos 25 anos decapitei
o busto de meu avô ex-monarca
e inaugurei uma nova ordem natural
e abdiquei também de certas pompas
a preguiça infame
jamais me permitiu demarcar
os limites de meu reino
digamos então que confino
a Leste o Oceano Atlântico
ao Sul com o Pacífico
a Oeste com as ficções selvagens
de José de Alencar
e ao Norte com minha morte
tudo isso me basta
(ai de mim) queria mesmo era colher
o grito pleno da tua alma cheia de tormentos
(Maiores informações em Madrigal Triste
de Charles Baudelaire)
O tal total
o amor é o tal total que move o mundo
a tal totalidade tautológica,
o como somos: novos cromossomos
nos quais nunca se pertenceu ao nada:
só pertencemos ao tudo total
que nos absorve e sorve as nossas águas
e as nossas mágoas ficam revoando
como se revoltadas ao princípio,
àquele princípio originário
onde era Orfeu, onde era Prometeu,
e continua sendo sempre lá
o cais, o never more, o nunca mais,
o tal do és pó e ao pó retornarás
VEJA E LEIA outros poetas de MINAS GERAIS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/minas_gerais.html
Página ampliada e republicada em junho de 2008; Página ampliada e republicada em dezembro de 2020 |